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“A implantação da TDT tem sido um grande incentivo às TVs pagas”
Pode explicar o conceito de "dividendo digital"?
O dividendo digital refere-se às frequências que são libertadas a partir da digitalização dos sinais televisivos. É um dos principais motivos para a migração do analógico para o digital. Possibilita um melhor aproveitamento do espectro radioelétrico e permite a exploração de novos serviços de comunicação eletrónicos, como é o caso da 4ª geração de telefonia móvel, que oferecerá Internet móvel de alta velocidade.
Em Portugal, como a TDT vai ocupar uma pequeníssima parcela do espaço radioelétrico, sobra um verdadeiro latifúndio... Como vai ser usado este espaço?
Ainda não está completamente definido como o espaço remanescente será utilizado. A única certeza que temos até o momento é que teremos o serviço de 4ª geração de telefonia móvel. No entanto, em termos de canais televisivos, após o apagão haverá espaço para cerca de 50 canais. Há quem aposte no surgimento de TVs piratas.
Defende que entre outras coisas o dividendo digital poderia ser utilizado para oferecer internet wireless para todos. Há experiências nesse sentido na Europa?
A União Europeia orienta aos estados membros que utilizem a faixa dos 800 MHz para a implementação do 4G. No entanto, como muitos países ainda não realizaram o apagão analógico, não há ainda um modelo definido desses serviços. Tecnicamente, já teremos a Internet wireless para todos após o apagão da TV analógica, mas o serviço será explorado por empresas privadas. No caso de Portugal as frequências já foram leiloadas e poderão ser utilizadas pela Vodafone, TMN e Optimus. No caso da Internet gratuita, ele é possível tecnicamente, mas seria necessária uma grande orquestração política e um consenso que, a meu ver, está distante das ambições democráticas da grande maioria dos agentes públicos.
Os leilões para o uso das frequências para os telemóveis de 4ª geração são um bom negócio para o Estado?
Foram um bom negócio pois até então as frequências não estavam livres. Portanto, configuraram-se como um novo meio de arrecadação para o estado. No entanto, a expectativa da Anacom era arrecadar 400 milhões, mas a arrecadação foi de 372 milhões, sendo 270 milhões somente com as frequências a serem libertadas pela TDT. O motivo de os valores obtidos serem inferiores aos previstos deve ser perguntado à Anacom.
Diz que a aplicação da TDT em Portugal seguiu os interesses dos privados... Pode explicar?
Segundo dados da Anacom, a TV paga em Portugal atinge atualmente 70% da população. Em 2008, esse percentual era de aproximadamente 40%. Portanto, nota-se que, num período recessivo, o mercado de TVs por subscrição cresceu 30%. Um número impressionante.
Além disso, a TDT não trouxe novos canais, nem canais em HD ou serviços interativos diferenciados. Ela oferece aos cidadãos o mesmo que oferecia a TV analógica: quatro canais generalistas. Mas com uma diferença. Segundo a PT, o sinal analógico da RTP chegava a 98% da população, já os demais operadores tinham a obrigação de alcançar 95% da população. Com a TDT, por lei a PT é obrigada a cobrir apenas 86% dos cidadãos de Portugal, mas diz que cobre 90%. Portanto, há cerca de 1 milhão de portugueses excluídos, que estão nas zonas de sombra e são obrigados a fazer um alto investimento para receber a TDT. Isso tem sido um grande incentivo às TVs pagas.
É preciso mencionar também que a Anacom permitiu à PT obter o monopólio da venda dos kits satélites para as zonas de sombra e também o monopólio das transmissões dos sinais digitais. Ou seja, se uma câmara decidir investir num retransmissor para cobrir as zonas de sombra ela está impedida legalmente, pois isto configuraria uma TV pirata.
Sérgio Denicoli é doutorando em Ciências da Comunicação, com uma tese sobre a implementação da TV digital terrestre em Portugal, e autor de um blog dedicado à TDT: TV Digital em Portugal
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