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A guerra de volta

A guerra preventiva não será declarada. Ela já aí está, aliás. O assassinato de cientistas envolvidos no programa nuclear de Teerão tem assinatura clara.

A vertigem da guerra preventiva está aí de novo. Os seus mentores não aprenderam nada com o que fizeram no Iraque. E, ponto por ponto, repetem agora a fórmula no Irão. Também em Portugal, o coro dos guerreiros volta a entoar cânticos de defesa da civilização contra os bárbaros. Esquecem-se da barbaridade que foi a guerra contra o Iraque que apoiaram com tanto entusiasmo quanta a velocidade com que negaram que isso alguma vez tenha acontecido...

É óbvio que a sua preocupação não é com a capacidade destruidora de uma arma nuclear (as de Israel são igualmente destruidoras e não consta que sejam alvo de contestação dos nossos falcões). Tão-pouco podem invocar uma suposta "irracionalidade" do Estado iraniano: a estratégia de Teerão é clara, consequente e pensada com a mais fria das racionalidades. Não, o que verdadeiramente os preocupa é o redesenho dos equilíbrios políticos na região. Com a ajuda dos Estados Unidos - que afastaram os seus dois principais inimigos: os talibãs e Saddam Hussein - o Irão tem vindo a construir uma sólida rede de influências com xiitas e com sunitas e tornou-se uma peça incontornável para os dossiers palestino e libanês. A irreversibilidade de uma alteração no xadrez do Médio Oriente, potenciada pelas alterações democráticas nos países árabes e pelo efeito de boomerang de guerras alucinadas no Iraque, no Afeganistão e na Líbia, é algo insuportável para os defensores da ordem económica e política prevalecentes. E, tal como inventaram as armas de destruição em massa escondidas nos palácios de Bagdad, encontrarão um motivo "sério e consistente" em Teerão para fazer contra isso uma guerra preventiva.

É ver a excitação com que os media norte-americanos reagiram ao relatório de 8 de novembro da Agência Internacional de Energia Atómica sobre o programa nuclear iraniano. Estava ali a prova de que a bomba vinha a caminho! E, no entanto, especialistas norte-americanos como Robert Kelley, ex-diretor da AIEA, ou Greg Thielmann, ex-analista do Departamento de Estado e do Comité de Informação do Senado, dizem com serenidade o que precisa de ser dito com serenidade. Este relatório limitou-se a reforçar o que a comunidade internacional já sabia desde 2003: "Um Irão com armas nucleares ainda não é iminente nem é inevitável. Aqueles que querem angariar apoio para um ataque ao Irão deturpam agressivamente o relatório". Há nove anos, no Iraque, passou-se exatamente o mesmo.

A guerra preventiva não será declarada. Ela já aí está, aliás. O assassinato de cientistas envolvidos no programa nuclear de Teerão tem assinatura clara. Como lembrou o The Guardian após o primeiro desses homicídios, "Ahmadinejad culpa sempre os mesmos pelos reveses iranianos, mas neste caso não houve reações de chacota por parte dos analistas de segurança e dos especialistas de espionagem do Ocidente, antes murmúrios de assentimento". O alvo desta guerra preventiva não é pois nem a central de enriquecimento de Natanz, nem as grutas de Qom, nem as bases onde se testam os mísseis. Ele está nas universidades, nos subúrbios ricos do Norte de Teerão, onde a elite académica tem as suas casas, e nas ruas por onde passam os seus carros.

Em março ocorrerão no Irão eleições parlamentares num clima interno e externo de crescente militarização. É óbvio que quanto mais intensa for a tensão mais ela beneficiará os extremistas do regime. Os falcões de Teerão têm nos falcões americanos e europeus os seus melhores aliados. Seria bom que os Estados Unidos e a Europa declinassem o convite desses extremistas para serem objetivamente apoiantes da sua reeleição.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 13 de janeiro de 2012

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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