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O ano que nos espera

A crise morde cada vez mais e o futuro anuncia-se péssimo. Diante da “constituinte” do capitalismo europeu, na qual Monti se coloca, é necessária uma ideia análoga e alternativa. Não é o momento de estreitamento e sectarismos.

Um ano difícil, de crise, de postos de trabalho em falta e de precariedade que se propaga. É certo que a notícia da demissão de Berlusconi contribuiu para aligeirar a raiva e a tensão, mas, se se passar a pente fino o orçamento da Segurança Social, verifica-se que em 2010 os trabalhadores e as trabalhadoras que recorreram ao programa de apoio ao lay off e aos subsídios de mobilidade e desemprego foram cerca de 4 milhões. Além destes, há também pelo menos 2 milhões de desempregados e outros tantos trabalhadores precários. Precariedade, incerteza, frustração, receio pelo futuro, preocupam pelo menos 8 milhões de pessoas em idade ativa, numa altura em que quem já está reformado vê os seus rendimentos a diminuir e quem trabalha teme ser despedido. É a crise em carne e osso, não aquela dos gráficos de “crescimento” usados por Mario Monti na conferência de imprensa de fim de ano.

O ano de 2012 anuncia-se ainda pior, com Itália em recessão, o espectro da crise bancária, a hipótese, até agora técnica, do fim do Euro. Neste cenário, o facto de haver milhões de pessoas que hoje acreditam que o atual governo pode conduzir o país para fora da crise é compreensível, embora seja uma ideia errada. Nestas páginas já escrevemos diversas vezes: Monti representa um projeto italiano e europeu – confirmado pelos telefonemas entre Merkel e Napolitano1 e que está para lá das versões oficiais – que tenta salvar a Europa do buraco em que se meteu por causa da competição internacional. E esta partida joga-se apenas num campo: a abolição ou redução drástica do modelo social europeu. Pensões, saúde, trabalho público, serviços, direitos dos trabalhadores e trabalhadoras deverão deixar de ser aqueles que conhecemos ao longo dos últimos quarenta anos. É preciso andar para trás, mais para trás do que pensaram o próprio Berlusconi, Tremonti ou Sacconi2. É preciso cortar a carne viva e, não temos dúvidas, as lágrimas de Elsa Formero3 são produto da consciência disso mesmo. Com isto não nos seduzem.

É difícil acreditar que tal opção possa produzir resultados satisfatórios, nomeadamente para quem trabalha ou se vê confrontado com um rendimento miserável. Seguramente ajudará a banca e as grandes multinacionais ou, melhor, uma parte delas. O problema, antigo, é sempre o mesmo: a massa crítica necessária para desenhar uma alternativa. Nestes anos de crise não surgiu ainda uma iniciativa dos movimentos sociais e da esquerda que consiga abalar significativamente a própria gestão da crise. A estagnação é dramática e não é prolongável. Por isso se olha com esperança experiências como Occupy, as revoltas árabes, os indignados ou os lampejos que se viram em Itália no 15 de Outubro: não para exaltar mais do que a conta estes importantes fenómenos mas porque constituem bases de uma possível revolta ou, pelo menos, de uma reação defensiva. Mesmo que não sejam o suficiente.

Neste sentido, em 2012 temos responsabilidades importantes. É necessário restabelecer um quadro unitário de lutas e resistências que sejam capazes de pesar “politicamente” não no sentido de uma forma partidária ou eleitoral mas num sentido mais alargado do termo. Mesmo não tendo obtido resultados imediatos, o movimento altermundialista continua a ser um sujeito político de referência, que desafiou partidos e governos de todo o mundo. Na América latina algumas das suas ideias foram mais tarde aplicadas. Necessitamos de restaurar uma massa crítica análoga, com as devidas diferenças, mas os estreitamentos que se podem observar nesta recta final do ano não só não ajudam como são altamente perigosos. De onde quer que provenham.

É verdadeiramente o momento de uma unidade alargada em torno de objetivos partilhados e partilháveis: a discussão da dívida, a partir da proposta de uma auditoria sob controle dos cidadãos, a partir do Artigo 184, a defesa dos salários e das pensões, uma lei patrimonial e um fisco que vise os rendimentos e os lucros, um salário social que não seja um expediente para desmembrar direitos adquiridos mas sim para contrastar com a extorsão praticada pelas empresas, a tutela e o largamento dos bens comuns (incluindo-se aqui a informação), a paz e o desarmamento, o alargamento da democracia, que se faz também com os referendos. Os pontos a valorizar estão identificados e, no fundo, são os mesmos de há dez anos, com exceção da dívida. Mas hoje são reavivados por um processo “constituinte” de uma nova Europa, de um quadro mundial em tudo novo e de uma Itália que não voltará a ser a mesma. Também para quem se bate por uma sociedade diferente, por uma alternativa de sociedade – com todas as variações e diferenciações possíveis –, é o momento de definir um percurso “constituinte” de movimento, assumindo a responsabilidade do tempo presente.

Publicado em Il Megafono Quotidiano a 31 de Dezembro de 2011. Tradução de André Beja para esquerda.net.


1 Antes de nomear o atual governo de Itália, o presidente Napolitano consultou um conjunto de personalidades, onde se incluía Angela Merkel

2 No último governo de Berlusconi, Tremonti ocupava a pasta da economia e Sacconi a do trabalho e políticas sociais

3 Formero é ministra do Trabalho do executivo de Mário Monti. As lágrimas que verteu na apresentação do programa de governo correram mundo e foram apelidadas por Cannavò, num outro texto de opinião, como lágrimas de crocodilo.

4 Artigo da lei do trabalho italiana que garante que o despedimento só pode ocorrer por justa causa. A alteração deste artigo é um dos grandes objetivos do governo de Mario Monti, tendo a sua defesa sido colocada no centro da mobilização sindical e social.


 

Sobre o/a autor(a)

Jornalista de “ilmegafonoquotidiano.it” e colaborador de “ilfattoquotidiano.it”. Dirigente da Sinistra Critica.
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