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Irlanda: as Esquerdas e a austeridade
Da eleição legislativa de fevereiro resultou uma profunda reconfiguração do Parlamento irlandês e o reforço histórico da esquerda parlamentar. O Sinn Féin elegeu catorze deputados, mais do triplo da legislatura anterior, e a recém-formada United Left Alliance (ULA) conseguiu cinco lugares no Parlamento.
Este resultado é explicado, em grande parte, pela penalização da política neoliberal do Fiánna Fail e pelo repúdio quer pelos sucessivos resgates da banca, em detrimento do interesse nacional, quer pelas condições exigidas pelas instâncias internacionais e aceites pelo governo.
O Memorando de Entendimento (ME) firmado entre o executivo do Fiánna Fail e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia (UE) contemplava um plano de resgate até 2014 no valor de 85 mil milhões de euros e previa que os juros cobrados pelo FMI ascendessem a 5,7%.
Apesar de tanto o Fine Gail como o Partido Trabalhista, membros da coligação atualmente no governo, terem feito campanha no sentido de defenderem a renegociação das condições económicas impostas pelo FMI e pela UE, e das muitas promessas eleitorais de ambos os partidos, a verdade é que a mudança de cadeiras não veio a representar uma verdadeira alteração nas políticas económicas no país.
A presença do Partido Trabalhista, de esquerda, no governo rapidamente destruiu por completo as expectativas que alguns ainda alimentavam. As políticas adoptadas pelos membros do partido, agora no executivo, têm vinda a ser assumidas, tanto pela ULA como pelo Sinn Féin, como verdadeiros atos de traição contra a classe trabalhadora e a população em geral.
Irlanda é uma “sociedade dividida entre aqueles que criaram a crise económica e aqueles que estão a ser obrigados a pagar o seu preço”
O Sinn Féin, que já no seu programa eleitoral se havia oposto aos cortes orçamentais em áreas como a saúde, o ensino, a segurança social, e reivindicava um programa de criação de emprego e a reforma do sistema fiscal, tem vindo a opor-se à política de austeridade imposta pelo novo governo.
O Fine Gail e o Partido Trabalhista não conseguiram, segundo o Sinn Féin, “renegociar o acordo firmado com a UE/FMI e são cúmplices na entrega da soberania económica, bem como da soberania política. Enquanto isso, eles continuam a usar o dinheiro dos contribuintes para pagar aos credores bancários privados”.
“Ao seguir as políticas do Fianna Fáil, o governo do Labour e do Fine Gail não vai consertar a economia. Irá deprimir ainda mais a economia - tendo mais dinheiro fora de circulação, fechando negócios viáveis, aumentando o desemprego e colocando famílias e comunidades inteiras abaixo do limiar da pobreza. Tudo se resume a escolhas políticas. Podemos optar por pagar 715 milhões de euros a um acionista no banco Anglo ou por proteger as famílias, os mais desfavorecidos, os serviços públicos e as empresas irlandesas”, avança ainda o partido.
Segundo o Sinn Féin, a Irlanda é, atualmente, uma “sociedade dividida – entre aqueles que criaram a crise económica e aqueles que estão a ser obrigados a pagar o seu preço”.
O Orçamento do Estado para 2012 irá agravar a situação, alerta. “Estão prestes a ser impostos a esta sociedade novos cortes devastadores para os serviços essenciais e de apoio social, causando mais desigualdade e problemas sociais, e deprimindo ainda mais a economia”.
Como alternativa para as políticas de austeridade do governo, o Sinn Féin propõe, entre outros, investir 7 mil milhões de euros num programa de criação de emprego e de estímulo ao crescimento económico e consolidar o défice entre 2012 e 2016 começando com 3,5 mil milhões de euros este ano, que serão obtidos através do aumento dos impostos nos escalões mais elevados, do combate à fraude, bem como da eliminação de gastos desnecessários.
Segundo o Sinn Féin, é ainda prioritário renegociar o acordo firmado com a UE e o FMI.
Governo concentra-se em “salvar bancos e especuladores e fazer a classe trabalhadora pagar a conta”
A United Left Alliance (ULA), constituída pela organização People Before Profite Alliance (PBPA), formada, na sua maioria, por membros do Socialist Workers Party, o Socialist Party(SP) e o Workers and Unemployed Action Group concorreu à eleição legislativa tendo como base um programa generalista assente em sete pontos: o fim do resgate dos bancos; a taxação dos mais ricos; a implementação de um verdadeiro plano de criação de emprego; a defesa dos serviços públicos; a promoção da igualdade e da não discriminação; a protecção do meio ambiente; e a construção de uma verdadeira alternativa de esquerda na Irlanda e na Europa, que se oponha aos ditames da UE e das suas políticas neoliberais.
Durante a campanha eleitoral, a ULA opôs-se ao plano de resgate estabelecido com o FMI e às medidas de austeridade implementadas pelo governo do Fiánna Fail e afirmou-se como uma alternativa aos partidos estabelecidos, bem como ao Sinn Féin e ao Labour, que, a seu ver, também aceitam o mercado capitalista e recusam descartar a hipótese de formar coligações com os partidos de direita.
Já com a coligação Fine Gail/Partido Trabalhista no poder, a ULA acusa o atual governo irlandês, tal como o seu antecessor, de “se concentrar em salvar bancos e especuladores e fazer a classe trabalhadora pagar a conta”.
Segundo a ULA, “é bastante claro que uma mudança de direção é necessária”, já que “a política de austeridade tem sido um fracasso total”.
“Concentrarmo-nos em satisfazer as exigências imediatas da UE / FMI e dos mercados financeiros vai mergulhar-nos mais profundamente em recessão”, alerta a recém formada organização política, avançando que “não pode haver uma solução justa ou sustentável para a crise atual, que se curve à ditadura das finanças e dos mercados”.
Como alternativa para “um pouco do mesmo”, a ULA defende “o controlo público democrático dos principais recursos económicos como a única maneira de garantir que as necessidades dos povos são colocadas antes do lucro de poucos” e apresenta propostas concretas, como a criação de um imposto sobre os ativos dos mais ricos; o aumento na taxa efetiva de imposto para aqueles que ganham mais de 100 mil euros por ano; a tributação efetiva dos off-shores; a reversão dos cortes e a abolição da Taxa Social Universal; um programa estatal de investimento em infraestruturas para criar 150 mil empregos em cinco anos; e o investimento estatal em empresas modernas. Por outro lado, a ULA opõe-se à privatização das empresas estatais.
Aliança Contra a Austeridade
Em 26 de novembro, a ULA e o Sinn Féin, juntamente com os sindicatos ICTU, SIPTU, Unite e Mandate, e com independentes e movimentos sociais, organizaram, em Dublin, uma Marcha Contra a Austeridade.
Esta marcha não pretende ser um protesto isolado, sendo que muitos dos envolvidos nesta iniciativa já se comprometeram a formar uma Aliança Contra a Austeridade que organizará assembleias populares por vários pontos do país, de forma a alimentar um movimento de massas que lute pela criação de emprego e pelo fim do ataque contra o Estado Social.
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