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Conferência do Clima: a ciência foi deixada de lado

O cientista indiano Rajendra Pachauri, de 71 anos, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acompanha com frustração a 17.ª Conferência do Clima da ONU. Para ele, a ciência e os alertas dos cientistas não estão no centro das negociações climáticas. Por Afra Balazina, O Estado de S. Paulo.
Rajendra Pachauri: não se pode adiar as ações por muito tempo.

Para ele, não é necessariamente fundamental garantir a segunda fase do Protocolo de Kyoto nesta reunião, mas é preciso que haja avanços independentemente do acordo que seja escolhido. “Gostaria que houvesse uma forma de dar à ciência sobre clima uma parte mais central nas discussões nas negociações. Porque pelo menos assim poderia dizer-se que não se pode adiar as ações por muito tempo. E tomar medidas pode ser realmente atraente, e não caro”, afirma. A reunião prossegue até a próxima sexta-feira.

Eis a entrevista.

Apesar dos alertas do IPCC e do recente relatório especial sobre eventos extremos que mostram os impactos das mudanças climáticas, o avanço nas negociações é muito lento. Como avalia essa situação?

Nas negociações que estão a acontecer aqui, não podemos perder de vista a ciência das mudanças climáticas. Mencionou corretamente que publicámos há pouco um relatório especial sobre eventos extremos e desastres e como podemos avançar na adaptação (preparação para esses eventos). Eu gostaria de ver uma discussão muito mais focada nessas questões, e o que a comunidade global pode fazer para lidar com esses impactos.

Acha importante focar mais em adaptação?

Acho que precisamos lidar com os dois, adaptação e mitigação (cortes de emissões de gases-estufa). Porque não teremos capacidade de nos adaptarmos a todos os impactos. Podemos adaptar-nos a algumas situações, mas, depois de um certo tempo, fica muito difícil e caro fazê-lo. Então, precisamos olhar para a mitigação também. Neste ano apresentamos um relatório sobre energias renováveis que claramente mostra que é possível usar muito mais energias renováveis e, com mais pesquisas sobre o seu desenvolvimento, os custos podem cair. O que estou a dizer é que gostaria que houvesse uma forma de tornar a ciência sobre clima uma parte mais central nas negociações. Porque pelo menos assim você se dizer que não se podem adiar as ações por muito tempo. E que tomar medidas pode ser realmente atraente, e não caro.

A ciência então não está no centro da discussão hoje?

Não parece estar. Não estou envolvido diretamente na negociação, mas acompanho-a e não vejo a ciência no centro do debate.

As pessoas costumam dizer que os cientistas do IPCC eram radicais e pessimistas. Mas em dois anos novos estudos podem mostrar que a situação é ainda mais perigosa do que o previsto?

Não sei, ainda estamos a trabalhar nesse relatório. No relatório especial sobre eventos extremos e desastres, nós apontamos as áreas em que ainda não há muitas evidências e também as em que as evidências claramente mostram que ondas de calor aumentarão, assim como os eventos de precipitações extremas e a elevação do nível do mar – e isso é uma ameaça a áreas costeiras. Trouxemos todas as informações com um grande cuidado, de forma robusta. Ninguém pode dizer que alguém dentro do IPCC é radical.

Ao contrário, eu ia perguntar se os cientistas não estavam sendo cautelosos demais no relatório de 2007.

Temos muito mais evidências hoje, muito mais pesquisas publicadas sobre mudanças climáticas. E o IPCC funciona com a avaliação de pesquisas publicadas (o IPCC não faz as próprias investigações). E, agora, temos muito mais estudos do que nos anos anteriores ao quarto relatório do IPCC, de 2007. Certamente, estamos num nível muito melhor agora. É claro que nalgumas partes do mundo temos grandes lacunas, não temos estudos em todos os locais e isso ocorre principalmente nos países mais vulneráveis.

A discussão em Durban tem focado muito o Protocolo de Kyoto. Na sua opinião, é importante ter um segundo período de compromisso de Kyoto? Ou podemos fazer outro tipo de acordo?

É muito difícil dizer, há uma diversidade enorme de opções que podem ser aceitas. Mas eu gostaria de ver um avanço, qualquer que seja a direção tomada, com Kyoto ou outra coisa. E, de novo, se houvesse um foco na ciência, talvez as pessoas vissem que há urgência em agir e as decisões seriam tomadas mais rapidamente.

Acredita que países emergentes como China, Índia e Brasil devem fazer mais, já que são grandes emissores?

Não poderia dizer isso, mas devo lembrar que as responsabilidades de acordo com a convenção do clima são comuns, mas diferenciadas (os países industrializados, maiores emissores históricos, têm as maiores responsabilidades). E é por isso que essas negociações acontecem. Se olharmos nos últimos 20 anos desde que a convenção do clima foi criada, o mundo não fez o suficiente. E as emissões ainda estão a aumentar. Então, não tenho muita certeza se o que tivemos até agora foi realmente muito efetivo. E talvez precisemos agora de algo mais efetivo, que vá de encontro ao objetivo de evitar interferência antropocêntrica (humana) no sistema climático. Que é o objetivo principal da Convenção do Clima da ONU.

Em 2009, pouco antes da COP-15, tivemos o episódio que ficou conhecido como Climategate, quando e-mails de cientistas foram expostos. O senhor tem medo de hackers ou escutas telefônicas?

Tudo isso é crime, e uma pessoa não pode ficar com medo e deixar de fazer o que se espera dela. Temos de continuar o nosso trabalho e é isso que estamos a tentar fazer.

Mas recebe ameaças?

Sim, mas eu prefiro não falar sobre elas.

O que o IPCC aprendeu com o erro do Himalaia?

Em primeiro lugar, deixe-me colocar esse erro em perspetiva. Tínhamos 3 mil páginas de relatório e milhares de dados. E uma única informação em que cometemos o erro, de que as geleiras do Himalaia desapareceriam em 2035, não estava no sumário técnico, no sumário para os tomadores de decisão nem no relatório síntese. Estava apenas no relatório principal, que é essencialmente científico, não é para os tomadores de decisão. Então, de nenhuma maneira estávamos a tentar chamar a atenção dos tomadores de decisão para esse dado errado. Francamente, não sabíamos do erro. Agora temos procedimentos mais fortes, mais passos a seguir, um protocolo de correção. Tudo isso vai ajudar-nos a lidar com uma situação como essa muito melhor no futuro.

O senhor acha que se o trabalho se tornar mais burocrático, com mais revisões e correções, pode afastar os cientistas do IPCC?

A nossa instituição tem uma responsabilidade com a sociedade. Se não temos um sistema em que um erro possa ser corrigido, claramente há um défice. É nossa responsabilidade buscar um sistema em que erros, uma vez que apareçam, possam ser investigados e depois corrigidos. E não tínhamos isso no passado.

E os cientistas continuam a querer ligar-se ao IPCC, é importante para as suas carreiras?

Absolutamente. Não sei a respeito das carreiras, mas com certeza pelo senso de orgulho profissional. Para o 5.º Relatório do IPCC tivemos um número recorde de nomeações. Cerca de 3 mil nomeações, das quais elegemos 831. O número foi pelo menos 50% maior do que tivemos no 4.º relatório. Isso mostra que a comunidade científica se entusiasma em trabalhar com o IPCC.

Acha que a crise económica está a provocar impacto sobre as negociações e as ações dos governos?

Eu acho que sim. Mas é por isso que acho que a primazia da ciência deve ser mantida. Vamos encarar a questão: a crise económica deve ser resolvida em dois, três, quatro anos, algo assim. Mas o problema das mudanças climáticas está aqui para todo o sempre. Não podemos cegar-nos por considerações de curto prazo.

O que espera da Rio+20?

O que vai ser a reunião é difícil de prever. Mas espero que marque um ponto de viragem na nossa forma de pensar e nas nossas atitudes. Já é hora de olhar para as implicações no longo prazo do que estamos a fazer e tomar algumas decisões. Eu espero a Rio+20 marque uma mudança na forma de pensar da raça humana.

Retirado de Outra Política.

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