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SIDA: o que aprendemos nestes 30 anos de epidemia

O mais importante é reduzir o número de infetados: zero novos infetados como propõe a ONUSIDA.

A Assembleia da República, assinalando o Dia Mundial de Luta contra a SIDA, aprovou por unanimidade uma resolução na qual se recomenda ao governo um conjunto de medidas para prevenir e combater a infeção e para assegurar o tratamento de todos os infetados.

Quer pelos cortes no orçamento da saúde e nos apoios sociais quer pela vontade anunciada pela direita de acabar com a universalidade no acesso ao SNS, é de prever que a Resolução agora aprovada seja ignorada em grande parte pelo governo.

Sempre que fala em SIDA, o discurso da direita centra-se nos custos, nos milhões de euros que o SNS gasta no tratamento dos portadores da infeção. É a sua primeira preocupação. Esquecem que o que gastamos é o que ganham as grandes multinacionais da indústria farmacêutica. O caminho não é reduzir o número de doentes em tratamento mas sim baixar o preço a que o SNS adquire os medicamentos para a SIDA, reduzindo os fabulosos lucros daquelas empresas.

A resolução é clara: garantir que nenhum portador da infeção fica sem tratamento, até porque essa é a melhor forma de interromper a progressão da infeção. Aliás, bom tratamento e boa adesão reduzem os custos quer em internamentos quer em medicamentos, para além do ganho mais importante: melhora o estado de saúde dos infetados.

O mais importante é reduzir o número de infetados: zero novos infetados como propõe a ONUSIDA. Este objetivo exige mais investimento na informação e no esclarecimento da população, fazendo da prevenção o eixo do combate à epidemia. Em Portugal, este é ainda o principal défice.

Os mecanismos de contágio são mal conhecidos por muitos portugueses e por isso há muito contágio que podia ser evitado. Nestes quase trinta anos, aprendemos muita coisa sobre a SIDA e as consequências de certos comportamentos de risco.

A política de redução de danos assumida como estruturante da intervenção na área das drogas – e a que a direita sempre se opôs - reduziu significativamente o número de infetados por utilização de seringas contaminadas. É uma evolução muito positiva, exemplar no plano europeu.

Em sentido contrário, somos os piores na Europa quanto ao número de infeções entre heterossexuais. Não podia ser de outra maneira. Quando se pensa que um beijo, um aperto de mão ou um abraço podem contagiar, esse desconhecimento traduz-se em desproteção nas situações de verdadeiro risco como é principalmente o caso das relações sexuais desprotegidas entre homens e mulheres com vários parceiros.

A direita tem impedido a educação sexual dos adolescentes e jovens na escola. A direita opõe-se à distribuição de preservativos nas escolas e locais de diversão mais frequentados pelos jovens. Não há alternativa ao preservativo. A direita é, assim, responsável política e moralmente por muitas infeções que se podiam ter evitado.

E hoje o risco de contágio é muito grande porque se generalizou a ideia de que a SIDA tem cura. E não tem. Vive-se com a infeção e a doença muitos anos, mas não tem cura. A SIDA tornou-se uma doença crónica. É uma extraordinária vitória da medicina, da investigação. Mas é uma vitória que, por ignorância, imprudência ou excesso de confiança, pode ser a derrota de muitos que, por não se prevenirem, ficam sujeitos ao contágio por via sexual.

Muitos dos infetados vivem em situação de marcada exclusão social, o que dificulta a adesão ao tratamento. Para muitos o acesso ao SNS e ao tratamento é um primeiro passo para a inclusão. Mas, sem apoios sociais a inclusão é uma miragem e sem inclusão não há tratamento que resulte. O corte imposto pelo governo nos apoios sociais é mais um obstáculo à recuperação e tratamento dos doentes com VIH/SIDA.

Outro obstáculo é discriminação de que estes doentes são alvo sobretudo nos locais de trabalho e por parte dos patrões. A discriminação empurra muitos infetados pelo VIH/SIDA para a clandestinização da sua situação, o que inclui afastarem-se do tratamento. O combate à discriminação deve continuar a ser uma prioridade.

Veremos no futuro como o governo vai cumprir as recomendações aprovadas pelo Parlamento. Porque, para o governo – como provaram estes seis meses - prometer é fácil mas cumprir é bem mais difícil…

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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