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Investir em época de crise…

Não construir o futuro Hospital de Todos os Santos permite uma poupança de 430 milhões em 2012 e uma perda de 800 milhões nos próximos 30 anos.

Discutir investimento público em época de crise severa é tarefa ingrata. Perante uma crise de dívidas soberanas como atravessam vários países da Europa, a resposta mais fácil é aquela que tem sido levada a cabo: austeridade. Cortes brutos na despesa do Estado, tanto nos seus serviços, como nos salários que paga aos seus funcionários. Com a introdução de um empréstimo do FMI que terá de ser pago a juros abusivos nos próximos anos ainda se torna mais fácil aceitar que perante a crise há que poupar, há que restringir a despesa, há que retirar dos nossos bolsos e dos cofres dos nossos serviços todo o dinheiro que foi perdido na especulação dos mercados internacionais e na distribuição de dividendos da banca que não se quis recapitalizar. Os países do sul da Europa têm sido exímios na aplicação desta crença básica e seguem os ditames da Alemanha e da França, países cuja banca mais lucra com a austeridade do sul.

Mas o que é difícil e complexo é explicar que a saída para a crise da dívida passa por investimento!! Porque não parece óbvio para a maioria de nós que quando falta dinheiro… é preciso gastar dinheiro!

Vou referir-me a um caso concreto: a construção do novo Hospital de Todos os Santos. Este hospital é um projeto já de longa data, cujo objetivo principal é substituir os atuais hospitais civis de Lisboa – Capuchos, Desterro, S. José, Stª Marta, Estefânia, Maternidade Alfredo da Costa e Curry Cabral. O projeto era para ser concluído em 2012 e fala-se hoje se, perante a crise, se justifica o investimento.

Esta semana, no Expresso, Teresa Sustelo, presidente do conselho de administração dos hospitais civis apresentou os números. Os custos de manutenção dos velhos hospitais têm crescido ultimamente, não só porque o que é mais antigo custa mais a manter mas também porque alguns destes espaços já foram vendidos. Nos próximos 30 anos, se se mantivessem os custos de manutenção atuais (cuja lógica será aumentar) o Estado gastará mais de 800 milhões de euros. Com a construção do novo hospital o Estado gastará 430 milhões de euros a 30 anos – o que significa uma poupança de 50% de dinheiros públicos neste período de tempo. E claro que falamos de construção em regime de parceria público-privada, que foi o plano do governo de Sócrates para esta construção. Se o investimento fosse inteiramente público, iria implicar um maior esforço financeiro inicial, mas a poupança que o Estado faria (ao não pagar a adjudicação ao grupo privado em 30 anos) seria seguramente inferior findo este período de 30 anos.

Conclusão: não construir o futuro Hospital de Todos os Santos permite uma poupança de 430 milhões em 2012 e uma perda de 800 milhões nos próximos 30 anos – construí-lo implica poupar esses 400 milhões de euros! Mas como explicar isto a governantes cuja visão de futuro de reduz a 4 anos de governação? Como explicar à população que os elege que para poupar dinheiro é preciso gastar?

Passos Coelho e a sua horda governativa prefere o caminho mais fácil e mais penoso para todos os nós. O que ninguém se lembra de dizer é que nós somos os “daqui a 30 anos” do passado, nós temos mais despesas hoje porque no passado primeiros-ministros como Cavaco Silva decidiram poupar a curto-prazo para que hoje, em 2011, tenhamos de pagar o dobro ou o triplo dessa poupança.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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