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Orçamento violento para os que menos têm

O Governo só não é austero na demagogia com que quer escamotear o óbvio. Corta a quem menos tem, para beneficiar fiscalmente quem nunca pagou o que devia, como é o caso dos rendimentos de capital que foram isentos da sobretaxa que começará a ser cobrada dentro de dias a todos os trabalhadores.

O debate que agora se encerra foi revelador sobre a cruzada que tomou conta da maioria PSD-CDS. Nem o próprio Governo dá valor às projecções e indicadores económicos que suportam o documento que aqui veio defender. Este Orçamento de Estado merece o mesmo grau de confiança já revelado pelo programa eleitoral do PSD. Como disse Passos Coelho, o programa a seguir apaga as responsabilidades dos compromissos anteriores.

Como aconteceu com as promessas eleitorais de Passos Coelho de não aumentar os impostos, ou de não mexer no subsídio de natal, este Orçamento foi feito para existir em conflito com a realidade.

Não é só a incerteza que tomou conta do Euro, é o efeito recessivo das medidas que, ou é desvalorizado, ou ignorado. Corta-se nos subsídios de férias e natal dos funcionários públicos e pensionistas, mas o Governo parece entender que estes vão continuar a comprar como se nada fosse e oculta-se o real efeito nas contas.

Aumenta o IVA dos restaurantes, até dos hotéis, mas é como se essa medida não gerasse o encerramento massivo numa actividade que emprega dezenas de milhar de pessoas.

Transportes, energia e saúde tudo com tarifas aumentadas. Os impostos que antes eram um “esbulho fiscal” agora sobem mais depressa do que um elevador, mas o governo parece acreditar que o comércio, serviços e indústria vão continuar a produzir e vender sabe-se lá a quem.

Só nas bárbaras projecções do Governo é que é possível a riqueza diminuir quase 5% em dois anos, naquele que será o pior desempenho de toda a Europa em 2012, e diminuir brutalmente as verbas destinadas ao apoio aos desempregados.

É uma ficção, e é o próprio PSD e CDS quem o reconhecem ao não inscrever as projecções económicas de 2013 e 2014 nas Grandes Opções do Plano. Isto já não é um Governo a navegar à vista, é um salto no abismo.

A derradeira prova tivemo-la ontem, aqui mesmo nesta câmara, quando o ministro das Finanças reconheceu que, depois de colocar o país a ferro e fogo, “pode não ser suficiente” e necessitar ainda de aplicar mais cortes nas despesas sociais e no rendimento dos portugueses. A crendice do Governo no mercado parece a dos médicos medievais que sangravam o doente até este ficar em estado terminal. Morrer do tratamento não augura melhor futuro do que a doença.

Disse ontem o senhor primeiro-ministro que “o grande imperativo é antecipar as situações adversas". Quem diria, senhor primeiro-ministro, quem diria. Se o fizesse, teria olhado para a tragédia que atingiu a Grécia e retirado qualquer ilação.

A economia grega não perdeu 15 por cento da sua riqueza por causa da instabilidade política, como agora nos querem vender, nem foi a aplicação deficiente do programa de austeridade que atirou o país para a incapacidade de pagar os seus juros. Pelo contrário, foi a execução à risca do programa recessivo da troika, a mesma receita aplicada pelo Governo neste Orçamento de Estado. O pior incompetente é o que não quer ver.

Mas diz ainda o primeiro-ministro que toda esta austeridade tem um objectivo. Reduzir o peso da dívida pública e do pagamento anual dos juros. Esquece-se, claro, de referir que o endividamento público vai subir 15% durante o programa da troika. Onde os portugueses pagam agora 8.000 milhões de euros, em 2014 estarão a pagar cerca de 9 mil milhões, um valor superior a tudo o que o Estado gasta em saúde ou em educação.

É para empobrecer o país, sem nenhum sentido ou qualquer propósito, que se corta salários, aumenta impostos, energia, transportes e tudo o que mais se lembrar o ministro das Finanças?

Para, no fim do programa da troika, estarmos mais endividados e a pagar mais pelos juros da dívida? Para, no fim do programa assinado com o FMI e União Europeia, estarmos mais e não menos dependentes dos mercados?

A pedra de toque desta transformação que faz corar de inveja a escola de Chicago é o ajuste de contas com o mundo do trabalho, transferindo recursos cada vez mais significativos dos rendimentos dos trabalhadores para o sector financeiro e as grandes empresas.

Trabalhar mais horas, com menos direitos, pagando mais pelos serviços públicos, em troca de um salário cada vez menor. Num país onde já se trabalha mais 200 horas por ano do que a média europeia, CDS e PSD preparam-se para, com o fim de 4 feriados e o acréscimo de meia-hora por dia, colocar os portugueses a trabalhar gratuitamente 20 dias por ano.

Se o propósito destas medidas é simples, a sua aplicação vai fazer milhões de portugueses viver abaixo do limiar da geração anterior.

O problema deste Orçamento de Estado não é a ausência de uma folga, margem de manobra ou a tal almofada, mas carregar fiscalmente sobre os suspeitos do costume enquanto aumenta as benesses sobre quem mais tem e menos contribui para o esforço fiscal.

Como é que podem falar de ética na austeridade quando um funcionário público, ou pensionista, que receba mil euros por mês perde, com o corte dos subsídios, 140 euros todos os meses e as grandes empresas vão receber mais de 1700 milhões de euros em benefícios fiscais?

Como é que podem falar de ética na austeridade quando o sistema nacional de saúde e a escola pública têm os maiores cortes de sempre, e as famosas gorduras do Estado, identificadas nos consumos intermédios, são a única rubrica a ver o seu valor aumentar significativamente no Orçamento de Estado?

Como é que podem falar de ética na austeridade quando os transportes e a energia vêem os seus valores subir acima dos praticados na maioria dos países europeus e as pensões a partir dos 485 euros sofrem um corte?

485 euros. Nem menos, nem mais. É a partir do salário mínimo, um valor que mal paga a renda de uma pequena casa nas principais cidades do país, que se taxa “mais quem mais pode”, como costumam dizer as bancadas do PSD e CDS?

O Governo só não é austero na demagogia com que quer escamotear o óbvio. Corta a quem menos tem, para beneficiar fiscalmente quem nunca pagou o que devia, como é o caso dos rendimentos de capital que foram isentos da sobretaxa que começará a ser cobrada dentro de dias a todos os trabalhadores.

E é este mesmo governo que, inquirido pelo Bloco de Esquerda sobre o estado comatoso em que se encontra o euro e as posições do directório de Berlim e Paris, diz que a sua posição é não lançar achas para a fogueira. Uma não posição que é, no fundo, defender a que lhe for transmitida pela chanceler Merkel.

A Merkel, Sarbozy e aos especuladores financeiros o primeiro-ministro não tem nada a dizer. Seja a reestruturação parcial da dívida, renegociar os prazos dos juros ou as metas do défice, nada disso interessa. Já aos funcionários públicos, pensionistas e a todos os contribuintes tem muito para dizer e é sempre para lhes anunciar que vai sacar o que pode, enquanto pode.

Enquanto o primeiro-ministro diz que o país vai empobrecer com o seu programa, e cumpre com indisfarçável zelo os passos que levaram a Grécia ao pesadelo em que se encontra, o ministro das Finanças veio ontem ao Parlamento acusar o Bloco, e quem se opõe a este desastre social, de ser o responsável pelo eventual fracasso dos propósitos do Governo.

Passando por cima do entendimento muito peculiar da democracia revelado por estas declarações, esta intervenção só tem uma leitura. O ministro Vítor Gaspar já percebeu o fracasso a que a sua política nos condena e está à procura de um bode expiatório para o seu falhanço e que os portugueses assistam, caladinhos e resignados, à tábua rasa que está a ser feita dos seus direitos e rendimentos.

Pela parte do Bloco de Esquerda, quer o senhor ministro goste ou não, cá estaremos para marcar posição contra um Orçamento que é violento para os interesses dos que menos têm e que coloca o país em estado de choque.

Cá estaremos para ver, na greve geral de 24 a força da democracia contra a tirania dos mercados financeiros.

Cá estaremos, sim, para chamar a atenção para a loucura em que o Governo insiste em se atirar de cabeça, nada apreendo com o exemplo grego ou com os mais recentes desenvolvimentos em Itália.

Este não é o nosso Orçamento mas este é o nosso país, por isso votamos contra.

Intervenção no encerramento do debate na Assembleia da República do Orçamento de Estado para 2012 na generalidade – 11 de Novembro de 2011

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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