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A (des)ordem dos médicos

A Ordem dos Médicos tem alimentado uma campanha alarmista e de descrédito contra os genéricos. Esta campanha não tem razão de ser. A opção, livre e responsável, deve pertencer por inteiro ao cidadão.

O Parlamento aprovou há dias vários projectos de lei – um dos quais do Bloco - cuja finalidade é aumentar a venda de medicamentos genéricos. O PS votou contra, fiel à política que praticou durante os seis anos de governo Sócrates: reduzir a despesa do estado através do corte nas comparticipações, obrigando os cidadãos a pagar mais do seu bolso no balcão da farmácia. Todos os outros partidos votaram a favor. Recorde-se que o PSD há um ano votou contra aquilo que agora aprovou…”troika oblige”.

Os genéricos permitem que o estado e o cidadão poupem na despesa com medicamentos, mantendo a mesma qualidade, eficácia e segurança do tratamento. Há genéricos em todo o mundo, em todos os países desenvolvidos se vendem genéricos.

Em Portugal há genéricos há 20 anos. Na primeira década não saíram da lei para o balcão das farmácias, as vendas eram pouco mais que residuais. Nos últimos dez anos, as vendas aumentaram mas, mesmo assim, Portugal está muito longe da maior parte dos países da União Europeia. Ao ritmo actual de crescimento só lá para 2025 nos aproximaríamos desses países. O que o Parlamento agora fez foi acelerar este ritmo, permitindo um salto muito significativo na venda de genéricos.

O mercado do medicamento está corroído por múltiplos e cruzados interesses que têm impedido o aumento dos genéricos. A indústria está contra porque quer vender as suas marcas, medicamentos mais caros e mais lucrativos. As farmácias que ganham uma percentagem sobre o preço de venda ao público – regime que está em vias de mudar - também preferem vender os medicamentos mais caros.

Mas os mais aguerridos contestatários são os médicos, melhor dizendo a Ordem dos Médicos, que tem alimentado uma campanha alarmista e de descrédito contra os genéricos, com o objectivo de impedir a troca de medicamentos de marca por genéricos, de medicamentos mais caros por outros mais baratos mas com as mesmas características e efeito.

Esta campanha não tem razão de ser. Basta conhecer o que se passa em muitíssimos países europeus. Os problemas que podem surgir com os genéricos – reacções adversas, diferenças de eficácia terapêutica, defeitos de fabrico – existem igualmente e na mesma escala com os medicamentos inovadores e de marca e são casos muito excepcionais.

A OM não tem mais competências que o instituto (INFARMED) que analisa e certifica a qualidade dos medicamentos, tanto os de marca como os genéricos. A própria lei define as situações em que o médico pode impedir a troca, aliás de acordo com as propostas da OM.

A OM não consegue explicar que garantia, qualidade ou segurança acrescida traz a marca nem as razões que levam um médico a escolher esta marca e não aquela quando o medicamento é exactamente o mesmo e o seu efeito igual. Nem tão pouco explica por que é que os médicos prescrevem genéricos de manhã e marcas à tarde, genéricos no internamento e marcas nas consultas.

Se é certo que há médicos que prescrevem medicamentos de marca por convicção desinteressada, também os há que prescrevem marcas por capricho interesseiro. Não é aceitável que a política do medicamento e a poupança tanto para o estado como para o doente – e são cada vez mais os portugueses que não compram os medicamentos prescritos pelo seu médico por que não têm dinheiro suficiente para os pagar – possam ser prejudicadas por preconceitos e práticas profissionais ultrapassadas.

Neste emaranhado de interesses, é o cidadão que deve ter a palavra decisiva. O médico prescreve e o farmacêutico aconselha, mas é o doente que escolhe o medicamento que compra e paga na farmácia, seja de marca ou genérico. A opção, livre e responsável, deve pertencer por inteiro ao cidadão.

E para que este não possa ser mal aconselhado nem influenciado na farmácia – que não deixará de tentar vender o medicamento mais caro – a lei deve ser muito clara: a farmácia deve sempre dispensar o medicamento mais barato, salvo os casos em que o doente opte por outro diferente.

O Parlamento deu um passo em frente, um passo muito importante. As pressões não vão parar, ao contrário vão intensificar-se para redesenhar a lei em função de velhos e ilegítimos interesses. Nesta recta final até à aprovação definitiva da lei ainda há muito a fazer para garantir que o cidadão estará no centro da política do medicamento.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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