You are here

O “Ágora de Bruxelas” debatendo “um mundo de vergonha”

A perseguição aos desempregados e a situação na Grécia foram os primeiros temas de debate promovidos no “Ágora Bruxelas”, espaço de “Indignados” de todo o mundo congregados esta semana na capital belga. Reportagem de José Goulão, em Bruxelas.

O choque com o aparelho repressivo bruxelense já lá vai, ficou arquivado nas peripécias do fim de semana e nas memórias dos que dele foram vítimas – os activistas decidiram passar por cima e dedicar-se ao essencial do que os trouxe a Bruxelas em vez de se tornarem vítimas de armadilhas já bem identificadas.

Os trabalhos de debate e divulgação dos “Indignados” de todo o mundo que continuam a chegar a Bruxelas para uma semana de activismo que culminará numa grande manifestação no sábado, já estão em pleno curso. Os participantes optaram por “não continuar a responder ao autoritarismo gratuito e provocatório das autoridades belgas” ao negarem o Parque Elisabeth para acamparmos, explica Margrit, uma activista alemã chegada de Dusseldorf.

Os “Indignados” aceitaram o edifício desocupado na Universidade Católica de Bruxelas que lhes foi cedido pelas autoridades e decidiriam que não perderiam mais tempo e energias a “fugir da polícia”, diz Margrit. “Não foi para isso que aqui viemos”, sublinha, Hans, holandês de Alkmaar, “isso é o que eles queriam que fizéssemos para depois nos acusarem de sermos irresponsáveis e inconsequentes; isso é tudo o que não queremos ser”.

Durante as primeiras horas do “Ágora Bruxelas”, depois de as autoridades da cidade terem voltado atrás com a autorização inicial de acampamento no Parque Elisabeth, não respondendo sequer a uma interpelação apresentada por dezenas de deputados europeus, grupos de “Indignados” insistiram na luta pelo espaço, o que foi reprimido violentamente pela polícia. No sábado à noite foram detidos 48 activistas, a maioria espanhóis, alguns arrastados violentamente para o autocarro da polícia, e que passaram as 12 horas seguintes nos calabouços partilhando entre todos a única garrafa de água que lhes foi facultada.

Aceite depois o espaço no edifício universitário, os primeiros trabalhos foram o estabelecimento de formas organizativas da sua gestão e de realinhamento dos programas de debates, a realizar tanto no Parque Elisabeth – onde apenas estão vedados o acampamento e a pernoita - como no próprio edifício.

E, pela força das circunstâncias, como disse Serenella, italiana de Bari, a repressão policial tornou-se automaticamente um dos primeiros temas de debate. “As polícias apenas são cívicas na designação”, disse Serenella fazendo uma espécie de apanhado das intervenções que chamaram a sua atenção. “Na teoria têm como missão defender e apoiar o cidadão; na prática transformaram-se em instrumentos de um poder que tende a servir-se cada vez mais delas, e de forma cada vez mais violenta quanto maior é a crise e a necessidade de exigir sacrifícios às pessoas”. “Éramos tontos se não aprendêssemos como a maneira como a polícia nos tratou em Espanha e agora aqui voltássemos a cair nos mesmos engodos; as polícias estudam todas pelas mesmos manuais”, acrescentou Sofia, aragonesa de Saragoça.

Tomás ouvia a conversa. É português, porém não veio de Portugal, mas sim de Tours, França. “Vejam o caso da Grécia”, interrompeu. “A polícia é um aparelho ao serviço da troika contra os cidadãos gregos mais desamparados; e sei que em Portugal andam no ar coisas estranhas desde que o actual primeiro ministro ameaçou que não vai aceitar ‘motins’, o que nos leva a pensar que, não havendo entre nós histórias de violência, talvez esses ‘motins’ até possam estar a ser ‘fabricados’ em algum lado, mas não de certeza entre as pessoas que resistem manifestando-se”.

A Grécia foi outro dos debates das primeiras horas do “Ágora”. A tónica das intervenções esteve muito centrada no papel desempenhado pelos bancos durante os últimos anos para “moldarem” o sistema político aos seus interesses, de modo a que o seu papel seja hoje considerado imprescindível. “Os bancos podem tudo e nós somos obrigados a fazer e aceitar tudo para que eles não vão à falência mesmo quando são mal geridos”, disse Francisco, andaluz de Granada.

O desemprego, olhado sob a perspectiva das discriminações sociais que provoca, foi também um tema dos debates iniciais e continuará a sê-lo porque é um dos temas fundamentais desta semana de activismo. “O desempregado não luta apenas com a falta dos meios de sobrevivência e com as pressões políticas para que lhe sejam retirados os últimos direitos que lhes restam”, declarou Iannis, vindo da Grécia, de Tessalónica. “Nós, desempregados, somos uma espécie de párias, não temos acesso à maioria dos serviços que o Estado ainda presta, somos encarados como responsáveis pela crise porque ocupámos postos de trabalho que, afinal, como se ouve agora por todo o lado, não deviam ter existido e ainda por cima ouvimos esses senhores que só pensam em austeridade acusar-nos de sermos preguiçosos, de não querermos trabalhar”.

Iannis é professor, foi arrastado para o desemprego pela onda de “racionalização” do Estado grego sob as ordens da troika, e tenta dar explicações para sobreviver. Ainda não recebeu qualquer indemnização ou subsídio, não imagina sequer o que lhe vai suceder. “Sabes o que acontece?”, pergunta a todos em volta, mas sobretudo a ele próprio, “a maior parte das lições que dou são gratuitas porque as famílias não podem pagar mas também não querem que as suas crianças fiquem sujeitas à qualidade cada vez pior do ensino; não tenho coragem para lhes pedir dinheiro...”

No Parque Elisabeth começou a chover e Bruxelas não goza por estes dias das altas temperaturas que o “Verão Indiano” ainda permite noutras paragens. Quase sem se dar por isso, aquela mole de gente, algumas centenas de pessoas, começa a deslocar-se para a Universidade, ali perto, procurando abrigo, mas sem se apressar. É bastante mais intenso o ritmo das conversas num linguajar babélico assente num pilar comum às vezes vagamente inglês.

Apesar disso, o entendimento não é difícil mesmo sendo eles chegados de todos os quadrantes da Europa, das Américas do Norte e do Sul, das partes de África, de nações árabes com ou sem “primaveras” ou com primaveras de faz de conta. A verdade é que falam todos a mesma língua, a dos que se têm capacidade para se indignar perante o Estado de um mundo que Serenella, italiana de Bari, baptizou como “mundo da vergonha”.


Artigo publicado no portal do Bloco no Parlamento Europeu

política: 
15 de Outubro
(...)

Neste dossier:

15 de Outubro - Protesto Global

“Nós somos os 99%”, escrito e cantado em diversos idiomas, e “A rua é nossa” foram lemas que ecoaram pelas manifestações do 15 de Outubro, um pouco por todo o mundo. Centenas de milhares participaram neste protesto global, nomeadamente em muitos países da Europa e nos Estados Unidos, mas ecoou também em alguns países da Ásia. Dossier organizado por Carlos Santos

Milhares protestam na Europa contra ditadura do mercado

Dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas em importantes capitais europeias na jornada "unidos por uma mudança global". Maiores actos ocorreram em Bruxelas, Madrid, Barcelona, Roma e Londres. A reportagem é de Eduardo Febbro, a partir de Bruxelas.

Milhares nos protestos do 15 de Outubro em Portugal

Dezenas de milhares de pessoas participaram nas manifestações realizadas neste 15 de Outubro em 9 cidades de Portugal. Em Lisboa, muitos manifestantes continuam concentrados junto à Assembleia da República. A partir das 19 horas decorrerá uma assembleia popular e, depois das 24 horas, uma vigília.

Mobilizações gigantes em Madrid e Barcelona

A Porta do Sol, onde se realizou a primeira “ocupação”, ou “acampada”, ficou totalmente cheia. Organizadores falam em 500 mil pessoas. "Que não, que não, que não nos representam", gritavam os manifestantes.

15 de Outubro na Ásia

No protesto global já tiveram lugar algumas acções na Ásia nas cidades: Seul (Coreia do Sul), Sydney (Austrália), Taipé (Taiwan), Hong-Kong (China), Wellington (Nova Zelândia), Melbourne (Austrália), Manila (Filipinas).

70 feridos em Roma

Roma, Bruxelas, Londres, Paris, Frankfurt e Berlim fizeram manifestações. Manifestantes atiraram sapatos contra a Bolsa de Valores de Bruxelas. Choques com a polícia na capital italiana.

Em Nova Délhi, capital da Índia, não houve protesto

Na capital da Índia não houve protestos a 15 de Outubro. A nossa leitora Mariana Rei diz-nos: “fomos só 3 pessoas, eu, a pessoa que marcou hora e local no 15october.net (uma alemã a viver em Nova Delhi há 7 anos) e um indiano que a acompanhava.

Imagens do protesto no Porto

Integrando-se no protesto global de 15 de Outubro, milhares de pessoas manifestam-se na cidade do Porto contra a austeridade. Fotos de Nuno Moniz para esquerda.net

Imagens do protesto em Faro

O protesto de 15 de Outubro na cidade de Faro, com concentração e manifestação, juntou mais de um milhar de pessoas. Fotos de Nuno Viana para esquerda.net

Braga: Imagens do protesto

Centenas de pessoas juntaram-se na Avenida Central em Braga, para participar no protesto contra a austeridade, integrado no protesto global de 15 de Outubro de 2011. Fotos de Paula Nogueira para esquerda.net.

Coimbra e Angra, fotos do protesto

Em Coimbra, centenas de pessoas desfilaram pelas ruas da cidade, enquanto algumas dezenas marcaram presença em Angra do Heroísmo. Fotos de Hugo Dias e Sandra Serpa para esquerda.net

Protestos em Tóquio

A manifestação de 15 de Outubro em Tóquio foi realizada em frente à TEPCO, operadora da central nuclear Fukushima1. Os manifestantes aproveitaram para demonstrar a sua indignação contra a utilização da energia nuclear, que gerou a fenomenal crise, que todavia continua.

Filipinas: Protesto na Bolsa de Valores

Manifestantes responderam ao apelo internacional e protestaram contra o desemprego, que atinge 11 milhões, e as péssimas condições de vida.

15-O: Manifestações em 951 cidades

O protesto global marcado para este sábado vai exigir mais democracia e contestar o poder do capital financeiro em 82 países.

Cartazes do 15 de Outubro

Uma galeria com alguns dos muitos cartazes que estão a convocar as mobilizações de sábado, em Portugal e no mundo (actualizado em 12 de Outubro).

EUA: Ocupações em 106 cidades

Movimento Ocupar Wall Street espalha-se por todos o país. Entre as cidades que contam com 'acampadas' estão Chicago, Denver, Los Angeles, San Francisco, Boston, Filadélfia, Washington, Los Angeles e muitas outras.

Movimento “Ocupar Wall Street” promove “Tour dos bilionários”

O bilionário conservador David Koch, o CEO da JP Morgan Chase, Jamie Dimon, o CEO da News Corp., Rupert Murdoch, o consultor financeiro Howard Milstein e o gestor de ‘hedge funds' John Paulson receberam, esta terça-feira, a visita de activistas do movimento “Ocupar Wall Street”.

No próximo sábado, a Democracia sai à rua!

Em adesão ao protesto internacional convocado pelos movimentos 'indignados' e 'democracia real ya', em Espanha, mais de 400 iniciativas em pelo menos 45 países vão realizar-se no próximo sábado, dia 15 de Outubro. Lisboa, Porto, Angra do Heroísmo, Faro, Braga, Coimbra e Évora também aderiram aos protestos.

O “Ágora de Bruxelas” debatendo “um mundo de vergonha”

A perseguição aos desempregados e a situação na Grécia foram os primeiros temas de debate promovidos no “Ágora Bruxelas”, espaço de “Indignados” de todo o mundo congregados esta semana na capital belga. Reportagem de José Goulão, em Bruxelas.

Occupy Wall Street é o movimento mais importante do mundo hoje

“Porque estão eles a protestar?”, perguntam-se os confusos comentadores da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “porque vocês demoraram tanto? A gente estava a querer saber quando é que vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.

Zizek na acampada de Wall Street

O filósofo e escritor esloveno Slavoj Zizek visitou a acampada do movimento Ocupar Wall Street, no parque Zuccotti, em Nova York. “Estamos a testemunhar como o sistema está a autodestruir-se”, disse, num discurso que traduzimos abaixo.

15 Outubro: "É importante que as pessoas saiam a rua"

Paula Gil, do Movimento 12 de Março, fala dos desafios que os movimentos sociais enfrentam neste momento de retrocesso civilizacional e de crise económica e social, e explica os objectivos da manifestação marcada para o próximo sábado às 15h em várias cidades do país.

Os especuladores de Wall Street sob vigilância

O movimento de protesto “Ocupemos Wall Street” cresce dia a dia e estende-se a outras cidades dos Estados Unidos. “Somos os 99% que já não toleram a cobiça e a corrupção do 1% restante”, dizem os manifestantes.

Occupy Wall Street redescobre a imaginação radical

Os jovens que protestam em Wall Street e além rejeitam esta ordem económica vã. Eles vieram para resgatar o futuro. Artigo de David Graeber, publicado no jornal britânico Guardian.

200 activistas acampam em Bruxelas

Após terem tentado pernoitar num espaço público em Bruxelas, quase cinco dezenas de activistas foram detidos pelas autoridades tendo sido libertados após doze horas.  Para esta semana estão marcadas inúmeras iniciativas de mobilização para a manifestação internacional de 15 de Outubro.

Ocupar todas as Wall Streets

Podemos ver, passivamente, as coisas acontecerem. Mas podemos fazê-las acontecer com as nossas atitudes e acções.

Sindicalistas manifestam-se em apoio ao Ocupar Wall Street

Manifestação reuniu 20 mil trabalhadores e estudantes, e terminou no parque onde está instalada a acampada. “Ocupar Wall Street captura o espírito do nosso tempo”, diz sindicalista. Para Paul Krugman, “este pode ser o início de alguma coisa ao mesmo tempo grande e boa”.

Sindicatos apoiam "Ocupar Wall Street"

Ao fim de três semanas, o protesto em Wall Street aumentou a sua força com o apoio oficial de vários sindicatos. Esta quarta-feira realizou a maior manifestação desde o início da acampada.

A voz dos “indignados” faz-se ouvir nos EUA

O movimento “Ocupemos Wall Steet”, que também se autodesigna “Nós somos os 99%”, está a alastrar nas áreas financeiras de grande número de cidades norte-americanas, com presença crescente junto a Wall Street, em Nova York.

Mais de 700 presos em Nova York

Manifestantes do movimento Ocupar Wall Street foram detidos na ponte do Brooklyn e alegam que a polícia os conduziu a uma armadilha. Movimento está a crescer e a estender-se para Washington, São Francisco, Chicago e Boston.

Ocupar Wall Street: o que todos querem saber sobre o movimento

É um colectivo de activistas, sindicalistas, artistas, estudantes. Para muitos norte-americanos, essa acção directa e não violenta é a única oportunidade que resta para terem alguma voz política. Por Nathan Schneider, The Nation.

96 manifestantes presos em Nova Iorque

Os participantes na acampada em Wall Street manifestaram-se pelas ruas novaiorquinas este sábado. A polícia tentou encurralá-los  e prendeu quase cem manifestantes, que se queixam de violência policial sobre uma marcha pacífica.

A acampada chegou a Wall Street

No dia 17 de Setembro, centenas de pessoas ocuparam o coração da finança norte-americana e exigiram mais democracia e menos ganância financeira. Depois de Atenas, Madrid, Lisboa e Telavive, a acampada chegou a Wall Street.

Protestos na Wall Street

Centenas de norte-americanos manifestaram-se neste sábado e tentaram ocupar Wall Street, com o objectivo de lá acampar. A polícia não permitiu a ocupação, dispersando os manifestantes e bloqueando os acessos à Bolsa de Nova Iorque.