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A mistificação dos rankings

Os resultados desmentem a superioridade da escola privada. E isso acontece tanto nas avaliações nacionais como nas suas comparações com resultados internacionais.

O argumento da direita para usar os recursos públicos para financiar o ensino privado baseia-se nos alegados melhores resultados da escola privada. Se esta é melhor devia ser aberta a todos, e o Estado melhor faria em pagar a escola privada em vez de pagar a escola pública. O problema é que este argumento não é verdadeiro, porque é desmentido pelos factos.

A sua demonstração seria dada pelos rankings das classificações obtidas pelos alunos nos exames obrigatórios. José Manuel Fernandes, com outros neoconservadores como Helena Matos, Fátima Bonifácio ou Maria Filomena Mónica mobilizaram colunas e editoriais para a causa da avaliação das escolas através de rankings dos resultados de exames, para retirarem a conclusão esperada que permitisse a promoção do ensino privado, porque teria melhores resultados do que o público. Conseguiram a publicação e há oito anos que são publicados os rankings das escolas segundo as classificações dos exames do 12.º ano.

O problema é que os resultados desmentem a superioridade do privado. E isso acontece tanto nas avaliações nacionais como nas suas comparações com resultados internacionais.

Como é evidente, o privado é valorizado pelo efeito da escolha social dos seus alunos. De facto, os resultados são melhores quando as escolas seleccionam alunos de classes favorecidas, que têm uma tradição familiar de acesso ao conhecimento e condições de aprendizagem que os distinguem dos alunos mais pobres.

Um exemplo é o colégio de São João de Brito, uma escola privada com alunos de famílias privilegiadas. Este Colégio tem estado sempre numa posição destacada, normalmente entre as cinco primeiras posições e, em 2010, estava na oitava posição. O Colégio é da Ordem dos Jesuítas, que tem mais duas escolas, estas com contrato de associação com o Estado e que, por isso, recebem alunos de todos os extractos sociais: o Instituto Nun´Álvares em Santo Tirso e o Colégio da Imaculada Conceição em Cernache, Coimbra. Só que os resultados destas escolas são chocantemente diferentes dos do Colégio de São João de Brito: o Nun'Álvares ficou em 177.º em 2009 e em 212º em 2010, e a Imaculada Conceição em 91.º e depois em 230º.

Inquirida sobre estas diferenças tão notórias, a Ordem reafirmou que os métodos de ensino, contratação e formação de professores são exactamente idênticos nas três escolas. No entanto, o responsável pela escola premiada, o São João de Brito, não esconde o privilégio social: "A grande maioria dos nossos estudantes é oriunda da classe média alta", diz António Valente. E pagam 400 euros por mês, podia ter acrescentado. Jorge Sena, o director da escola de Santo Tirso, explica por sua vez a diferença: "Esta zona já foi muito industrializada, mas está a atravessar uma grave crise de desemprego. Mais de 30% dos alunos recebem apoios económicos do Estado e muitas famílias têm uma história de pobreza cultural". E o director da terceira escola, a de Coimbra, concorre: os resultados são inferiores, porque "estamos num meio completamente diferente do de São João de Brito. Aqui a população estudantil é mais heterogénea. Não são famílias da classe média alta. Estamos num meio rural e não nos podemos comparar com os alunos da cidade" (i, 14.10.09). Afinal, a pobreza conta e faz diferença. Não é o ensino privado que é melhor, são os meios sociais dos alunos que são diferentes e que dão vantagem aos mais ricos.

José Manuel Fernandes aceita que há um problema social: "Dir-se-á: isso acontece [os alunos das privadas terem melhores resultados do que os das públicas] porque nas escolas privadas andam os alunos de famílias com melhor situação económica. É verdade, mas não é totalmente verdade nem explica tudo" (P, 10.12.2010). Não é totalmente verdade, falta a melhor qualidade do ensino privado, diz-nos o nosso arauto da escola privada.

Mas os exemplos também desmentem esta ideia. A escola D. Maria, em Coimbra, está no 13º lugar do ranking. No mesmo bairro, existe uma escola privada com contrato de associação, que portanto tem alunos com as mesmas características sociais: é o Colégio de S. Teotónio, e está em 35º lugar. Neste caso, o ensino privado é pior.

Nuno Serra sublinhou ainda uma outra razão para estas diferenciações, a interioridade que tem um preço, o atraso relativo. Os rankings dos resultados escolares reflectem inteiramente uma divergência nacional: no litoral norte, a média dos resultados de todas as escolas é 57% e a mesma vantagem é assinalável mais para o sul. No litoral está a parte mais rica do país e também as famílias com mais educação formal. Ora, as escolas privadas procuram o lucro, e por isso 78% estão localizadas no litoral onde, havendo mais população e mais clientes, existem também melhores condições sociais e culturais. Pelo contrário, o ensino público está em todo o país, com 48% das escolas no interior, contra 22% do privado (P, 16.1.2011). Logo, têm resultados influenciados pela sociedade cujos filhos educam.

Ora, se é verdade que os rankings nacionais não confirmam a tese da virtude das escolas privadas, as comparações internacionais também não. Assim, além da publicação dos rankings nacionais, foi divulgado outro estudo, o Relatório PISA, divulgado pela OCDE em Dezembro de 2010. Este relatório regista uma avaliação sobre a aprendizagem de jovens de 15 anos em vários domínios, incluindo a matemática e a interpretação de textos, comparando vários países. Sendo o único estudo internacional comparado sobre os resultados escolares, este relatório é um teste interessante sobre a evolução de cada sistema educativo.

No relatório de 2010, a OCDE destacou que "as melhores escolas são as mais igualitárias - os estudantes têm bom desempenho independentemente das suas origens sócio-económicas" e que "as escolas públicas e privadas atingem resultados semelhantes" - uma conclusão que também contrasta com a proposta mercantil dos neoconservadores. Mais ainda, sublinhou que os métodos de retenção - os chumbos dos alunos com dificuldades - têm dado resultados negativos: "os países em que os estudantes repetem os anos tendem frequentemente a ter piores resultados de conjunto".

A direita interpretou estes resultados como demonstrando, ainda assim, que o ensino privado é melhor do que o público. De facto, em Portugal e para este estudo, a média dos estudantes inquiridos que estão nas escolas públicas é inferior à média dos estudantes (que são só um sétimo da amostra) que vêm das privadas. Mas isso não demonstra que o ensino privado seja melhor do que o público, considerando o privilégio social das privadas contra a diversidade social das públicas. Os resultados do PISA até demonstram o contrário do que afirma a direita: se compararmos os resultados dos alunos das escolas privadas portuguesas com os das privadas dos outros países, verificamos que as portuguesas ficam em 12º lugar em leitura e na segunda metade da tabela em ciências e matemática (em 28 países). O desempenho não é famoso, porque são piores do que as privadas na grande maioria dos outros países.

É certo que estas comparações são traiçoeiras, porque os diversos países têm tradições muito diferentes: no Japão, em Itália e na Holanda, as escolas privadas registam piores resultados do que as públicas, e o contrário acontece nos outros. Em todo o caso, em quase todos os países que a OCDE estudou, a diferenciação social marca a escolha entre o público e o privado. Só que, considerando tal diferença, a OCDE conclui que umas e outras escolas têm desempenhos comparáveis.

José Manuel Fernandes já tinha reconhecido, dos resultados do inquérito PISA anterior, que é a escola que cria capacidade de igualização: "Ora, olhando para os números [PISA], verificamos que os nossos melhores alunos a ciências - ou, pelo menos, os que tiveram melhores resultados - estão entre os que menos se diferenciam por classes de rendimento (um bom sinal) e estão à frente entre os que manifestam mais vontade de aprofundar os estudos nestas áreas (um excelente sinal)" (P, editorial, 8.9.2009). Mas os resultados de 2010 vão ainda mais longe e reforçam a conclusão de que é a universalidade da escola pública que garante o sucesso da escola. Os resultados da Suécia, que foi o único país europeu a introduzir o "cheque-ensino", são também expressivos: foi um dos sistemas de ensino que registou uma mais acentuada degradação, pela avaliação do PISA.

O cheque-ensino é, pois, uma proposta que visa a utilização dos recursos públicos para financiar o ensino privado, e assim reduz o apoio ao ensino público. Deste modo, privatiza dinheiro dos impostos e degrada o serviço público, ou seja, retira aos trabalhadores uma parte do salário indirecto para o entregar ao mercado. Por isso tem sido rejeitado" (de "Portugal Agrilhoado, 2011).

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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