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Cultura como deve ser

Quando o Secretário de Estado exige que se discuta o sentido do apoio às artes (...) José Viegas está a ser claro: a direcção artística dos teatros deve obediência à tutela.

Já o disse e escrevi, Francisco José Viegas é um homem inteligente, sabe o que está a fazer e é ideologicamente consistente. Apenas isto já é mais do que as luminárias que andaram a pulular pelo cargo nos últimos governos. Mas sobretudo permite ler preto no branco as suas palavras e posições nebulosas, e isso é útil. Pois quando o Secretário de Estado exige que se discuta o sentido do apoio às artes, que se discuta o papel dos Teatros Nacionais, que se discuta qual deve ser o repertório dos teatros sob tutela directa mas também o repertório do teatro independente, José Viegas está a ser claro: a direcção artística dos teatros deve obediência à tutela; os clássicos devem fazer parte da programação apesar de isso exigir mais dinheiro que enfaticamente nos diz que não há; os criadores vão continuar a ser tratados como maltrapilhos e não importa que eles obedeçam aos concursos públicos mais exigentes e escrutinados da nossa república. Nas palavras do próprio: "estamos a fazer da cultura aquilo que deve ser". E aqui está, a decência e a sensatez. José Viegas quer fazer aquilo que é óbvio, sensato, natural. Uma linha de programação sólida, com bons alicerces, um modernismo bafiento, digno do Estado. É sempre enternecedor o quão rápido um liberal convicto se dedica a usar o estado para transformar a sociedade.

E por isso volto a dizer, um estado moderno não tem qualquer papel a desempenhar na linha artística de um teatro directa ou indirectamente dependente de si. O seu trabalho e objectivo é apenas o de garantir o acesso à fruição e à criação artística por parte dos seus cidadãos, e isso significa concretamente que as direcções dos Teatros Nacionais são nomeadas por concurso público, que a sua programação é responsabilidade sua e apenas sua e que se os objectivos delineados pela tutela não forem atingidos então mas apenas então pode proceder à sua demissão e substituição.

Sobre Berardo

O affair Berardo preparava-se desde a sua concepção. Pires de Lima, então Ministra da Cultura, assinou um contrato ruinoso para o estado, por pressão diga-se também de uma comunicação social conivente que dava asas largas à demagogia de Berardo e às suas exigências de benesses incalculáveis - um museu público com o nome dele - em troca de um favor que ele nos fazia mas que na verdade não passava de um grande negócio para ele próprio: ganhou de graça o maior espaço de exposição do país, uma montra para a sua colecção que continua a ser dele e que valoriza 5% ao ano à nossa custa. Berardo não é um filantropo, é um merceeiro que nos andou a tratar como tontos que não sabem o que lhes vendem. Um João Jardim basta para este país. O Secretário de Estado está certo em exigir uma nova avaliação da colecção, mas espero que isso resulte na anulação do contrato assinado e na entrega da colecção ao erário público. Caso contrário será uma manobra desastrosa que vai aumentar o valor da colecção e oferecer novamente os cofres do estado a um homem que a todos enganou.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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