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Trapalhadas no Ministério da Educação

Processo de recrutamento de professores contratados transformou-se num processo vergonhoso. Despacho que define os apoios de acção social escolar é ilegal e desrespeita a legislação aprovada pela AR.

O ministro Nuno Crato entrou na 5 de Outubro anunciando determinado o seu lema. Rigor e exigência para todos, sem excepção, disse o Ministro. Poderia parecer um bom princípio. Acontece que passaram apenas 3 meses desde essa entrada triunfal no ME, e a multiplicação de atrasos, ilegalidades e trapalhadas várias, parece não ter fim.

Hoje, dia 22 de Setembro, há centenas de escolas que ainda não contam com todos os professores de que necessitam, e, portanto, há milhares de alunos que não podem começar a trabalhar nas suas disciplinas.

Aliás o processo de recrutamento de professores contratados transformou-se num processo vergonhoso.

Depois de terem ficado milhares de vagas por preencher nas colocações divulgadas no final de Agosto, veio a público, em finais da última semana que, inexplicavelmente, o mecanismo de contratação disponibilizado pelo ME passaria agora a determinar que mesmo que as escolas necessitem dos professores para todo o ano lectivo só podem contratá-los ao mês. Não se percebia porquê. Se a escola sabia que ia precisar, imaginemos, de um professor de história até ao final do ano lectivo, porque é que só lhe ia fazer contrato até meados de Outubro. Instalada a confusão, o ME veio dizer que os professores seriam contratados durante o tempo que eram necessários à escola. Da primeira vez, admitamos, poderia ser um erro. Mas eis que, depois destas declarações, abriram novas bolsas de recrutamento de professores que continuavam a permitir apenas contratos mensais. À segunda, convenhamos, ou é incompetência ou é mesmo esta a vontade política do ME: contratar os professores ao mês.

Foi então que o ME resolveu sacudir as culpas e dizer que eram as direcções das escolas que não sabiam contratar professores - como se no panorama de redução de efectivos nas escolas públicas que se mantém há anos, as escolas não soubessem fazer contratações. Agora sabe-se que centenas de professores com anos e anos de serviço docente estão ser ultrapassados por candidatos com graduação menor, só porque se candidataram a colocações anuais. Dizia um professor: “tenho mais de 10 anos de serviço, pedi avaliação, tive aulas assistidas e obtive Muito Bom”, e agora “verifico que as vagas às quais concorri anualmente foram transformadas em vagas temporárias até ao fim do ano e ocupadas por professores 2500 números atrás de mim”.

É pois assim que o novo Ministério valoriza o mérito e a experiência. Trapalhada e injustiça, é o saldo actual do processo de colocação de professores. Nestes últimos dias o ME já se disse e desdisse, já tentou lançar culpas para os outros, e mantém uma trapalhada inaceitável que desrespeita o trabalho dos professores e das escolas. Para um Ministro que se anunciou como o paladino do rigor e da exigência, estamos portanto conversados.

Há milhares de professores contratados que todos os anos asseguram o trabalho das escolas públicas com os alunos, que mantêm as suas vidas na instabilidade e na precariedade. É inaceitável – repito – é inaceitável que se façam contratações ao mês de professores. É preciso acabar já com esta trapalhada de humilhação e injustiça em relação aos professores contratados.

Mas se falamos de trapalhadas no ME, há mais.

Também esta semana foi publicado o despacho que define os apoios de acção social escolar para o ensino básico e secundário (ASE).

Estamos perante um despacho ilegal, que desrespeita a legislação aprovada por esta Assembleia, porque faz aplicar indirectamente a condição de recursos do DL 70/2011 aos escalões da ASE.

Como se recordarão, em 2009, o então Governo do PS fez publicar a legislação que faz corresponder os escalões de ASE aos escalões de abono de família. Ou seja, as famílias que estariam no escalão 1 de rendimentos do abono de família teriam escalão A de apoios de ASE; as famílias que estariam no escalão 2 de rendimentos do abono de família teriam o escalão B de apoios de ASE.

Ora, em 2010, o Governo do PS fazia aqui aprovar, recorde-se com o beneplácito da bancada do PSD, a chamada condição de recursos – isto é, um novo modelo, mais restritivo, de contabilização de rendimentos das famílias no que toca aos apoios sociais, inclusive à ASE.

À época, o CDS apresentou um projecto que retirava a ASE da aplicação desta nova condição de recursos. Esse projecto foi aprovado por toda a oposição: PSD, CDS, BE, PCP, e PEV – é hoje a Lei nº 15/2011.

Pois agora, já no Governo, PSD e CDS mantêm a aplicação da condição de recursos – porque mantêm a legislação que faz corresponder escalões de abono de família e escalões de ASE. Ou seja, para o Governo PSD/CDS a condição de recursos aplica-se à ASE, ainda que de forma indirecta, porque se aplica ao abono de família.

Se assim fosse, então a proposta do CDS, que é agora lei da República, seria uma lei absolutamente inútil. E não é. O despacho dos apoios de ASE é que é ilegal, e está a retirar a milhares de famílias o direito a apoio na ASE.

Veja-se. Numa família com um filho no 7º ano de escolaridade, em que o pai ganhe 500 euros, e a mãe ganhe 600 euros – sem a contabilização da nova condição de recursos teriam apoio a 50% da alimentação e de 79,30 euros para a compra de manuais; com a nova condição de recursos não têm qualquer apoio. Nada.

Há duas possibilidades para que a lei 15/2011, da AR tenha sido ignorada. Das duas, uma:

Ou estamos perante mera incompetência do ME – e, portanto, o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar do CDS desconhece as leis da república que resultaram de iniciativas políticas do CDS. Terá então que corrigir rapidamente esta trapalhada.

Ou então o Sr. Secretário de Estado fará uma interpretação legal que esta lei da AR – que isentou os apoios de ASE da condição de recursos – é inútil. E então o Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar do CDS admite que esta proposta do CDS era uma fraude política, e a condição de recursos aplica-se à ASE.

O que releva de tudo isto é que o ano lectivo já se iniciou e as confusões criadas pelos novos responsáveis do Ministério da Educação e Ciência já estão a atingir direitos das famílias e dos professores, e a dificultar o trabalho das escolas.

É tempo de dizer ao Sr. Ministro Nuno Crato que aplique o seu lema “rigor e exigência” a si mesmo.

As escolas, os alunos e os professores não precisam que o Sr. Ministro lhes arranje novos problemas.

Declaração Política feita na Assembleia da República a 22 Setembro 2011

Sobre o/a autor(a)

Investigadora do CES
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