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Elas continuam a morrer

É tempo de não deixar cair no esquecimento nenhuma das vítimas.

Há poucos meses atrás o autocarro do Benfica foi apedrejado na auto-estrada. Notícias de abertura nos telejornais, comentários e mais comentários, entrevistas, sucederam-se umas atrás das outras. E até teve honras de declaração do Ministro da Administração Interna (na altura Rui Pereira). O ano passado, também pela altura do verão, foram assassinadas quatro mulheres, em quatro dias seguidos. Denominador comum? O autor do crime foi o marido. Parece que a história se repete e só esta semana (até hoje) já foram assassinadas quatro mulheres. Denominador comum? O autor do crime foi o marido.

O que é que isto tem a ver com o autocarro do Benfica? O episódio com o autocarro do Benfica serve para ilustrar como as autoridades policiais, o governo e também os órgãos de comunicação social tratam os diversos tipos de violência e sobretudo como tratam o crime que provavelmente mais mata no nosso país. A violência doméstica é o crime contra as pessoas, e sublinho contra as pessoas, que mais e maiores efeitos tem: produz mais vítimas (muitas vezes mortais), filhos e outros familiares, tem efeitos devastadores na saúde das vítimas directas e indirectas e, retira a Liberdade e a Cidadania a milhares de mulheres. É um crime público na verdadeira dimensão da palavra. Quando a Liberdade e a Cidadania estão em causa todos e todas temos a ver com o assunto.

Ontem a notícia da morte de uma mulher em Setúbal teve mais destaque porque o autor do crime é agente da polícia. Mas, ao contrário da notícia do autocarro do Benfica, não houve entrevistas a contextualizar a situação, não houve apelos, e, nenhum responsável policial ou governamental deu a cara pelo combate a este tipo de crime. E esta diferença diz tudo sobre a importância que lhe é atribuída.

As autoridades estão à espera que seja uma por dia para despertarem para este CRIME e para encararem de vez e com firmeza o fenómeno da violência contra as mulheres neste país de brandos costumes?

As poucas linhas que o Programa do actual Governo dedica a esta importante questão, suscitam preocupação séria: “Será dado um especial enfoque à prevenção da violência exercida em contexto doméstico sobre crianças, idosos, pessoas dependentes e com deficiência”… E o enfoque na violência contra as mulheres no seio da família, ela própria central em relação às outras vítimas? Parece que as mulheres não têm lugar no curto parágrafo que o programa do governo dedica à violência doméstica. Está aqui em potência um retrocesso cujas consequências são muito perigosas.

É pois tempo de não deixar cair no esquecimento nenhuma das vítimas.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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