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Os salários que paguem a crise

O problema da economia portuguesa não é ter salários altos, bem pelo contrário. O governo dá mais um passo para intensificar e perpetuar a exploração com base nos salários de miséria.

Parece ser essa a "solução" do governo PSD-CDS/PP que consta no relatório publicado sobre a descida da taxa social única (TSU) e a subida do IVA. No cenário de referência, é simulada uma descida de 3,75% na TSU implicando um aumento do IVA em 2,19. Vários cenários foram deixados em aberto, pode tratar-se de uma redução generalizada ou só para parte das empresas; pode ser para um ou vários escalões de IVA. Em Janeiro será a nova realidade traduzindo-se num duplo roubo aos salários, na descapitalização da segurança social e no agravamento da recessão. O país será socialmente mais injusto.

A TSU é a parte do salário do trabalhador que o empregador entrega directamente à segurança social. Esta medida do governo reduz o custo do trabalho retirando essa fatia de salário. O roubo não se fica por aqui. O trabalhador, no papel de consumidor, é depois chamado a pagar mais imposto para repor a parte do seu salário que lhe cortaram. O ciclo não acaba aqui. O aumento desse imposto encarece o preço dos bens, levando a uma contracção do consumo numa economia de salários baixos, acrescentando recessão à recessão. Posto isto, poderíamos perguntar "que problema resolve?", mas a pergunta correcta é "ajuda nos problemas de quem?".

O problema da economia portuguesa não é ter salários altos, bem pelo contrário. O governo dá mais um passo para intensificar e perpetuar a exploração com base nos salários de miséria. O PS de Sócrates já aumentou o IVA de forma desmesurada. A taxa normal subiu de 19 para 23%, a intermédia e reduzida de 12 para 13% e de 5 para 6%, respectivamente. O governo PSD/CDS-PP não traz soluções novas, apenas aprofunda este caminho. O aumento deste imposto sobre o consumo é o mais injusto de todos, uma vez que afecta predominantemente as famílias de menores recursos que são obrigadas a gastar a maior parte do seu parco rendimento a satisfazer as suas necessidades básicas. E, num país de salários baixos, estamos a falar da maior parte da população que pagará assim os desvaneios de uma pequena elite!

Esta é mais uma medida de Passos Coelho e Paulo Portas no esforço de descapitalizar a segurança social e de entregar esse fundo ao mundo da finança. Começaram com o tecto máximo: os salários mais altos são obrigados a descontar em parte para o privado, o sistema público no futuro será exclusivo para pobres. Agora, desoneram o patronato do pagamento que lhes é devido, fazendo os trabalhadores pagar essa parte. E mais, ao romperem essa obrigação patronal atribuem ao humor governamental o financiamento e a sustentabilidade da segurança social já que a qualquer momento, qualquer governo, poderá decidir pela desafectação dessas receitas do IVA para a segurança social.

O relatório deixa ainda o alerta de que o aumento do IVA pode ser insuficiente para compensar a descida da TSU, abrindo a porta ao aumento de outros impostos ou a cortes na despesa social. Destaca ainda o potencial de receita da taxa reduzida e intermédia, apontando o caminho para a subida de preço dos bens essenciais. É esta a sensibilidade social de PSD/CDS-PP, o governo da caridadezinha e dos aumentos de impostos para alguns. Se no caso do imposto extraordinário sobre o subsídio de natal deixam de fora os rendimentos bolsistas, no caso TSU/IVA isentam o patronato do pagamento de parte do salário aumentando para isso o imposto que mais afecta quem menos tem. Um rumo coerente confirmado pela benevolência em relação ao BPN. A este ritmo, Passos e Portas poderão em breve proclamar que nunca foi tão fácil ser-se rico em Portugal...

Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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