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Crato: a quem serve a educação?

Pelos vistos, não haverá mais escolas públicas, apenas encerramentos de escolas públicas para dar tudo às escolas privadas. E, neste caminho, a universalidade só será garantida através da subsidiação pública das escolas privadas.

De acordo com o Ministro da Educação não é necessário alargar e cuidar da rede pública de ensino, já que, segundo a ele, onde existem escolas privadas a funcionar bem, a insuficiência da rede pública pode ser assim colmatada. O que o Ministro não parece tomar em conta é que garantir o direito universal à educação, conforme estipula a Constituição, só pode ser feito pela rede pública.

A este respeito é evidente a resposta desproporcionada do Ministro quando confrontado com a pergunta do que aconteceria aos alunos e à universalidade se, supondo que numa determinada zona o acesso à educação fosse garantido sobretudo por escolas privadas, estas decidissem encerrar portas (o que não acontece na rede pública, a não ser por decisão governamental, ou seja, dos poderes públicos que representam todos os cidadãos do país): “Estamos a falar de coisas hipotéticas. Suponhamos que todas as padarias encerravam, como é que se fazia o pão”. Não só a comparação entre escolas e padarias é absurda, como o colocado como hipotético não é de todo absurdo: ainda subsistem municípios e zonas do país sem qualquer escola pública, como é o caso do concelho de Arruda dos Vinhos que não tem qualquer estabelecimento de 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário da rede pública do Estado.

Pelos vistos, não haverá mais escolas públicas, apenas encerramentos de escolas públicas para dar tudo às escolas privadas. E, neste caminho, a universalidade só será garantida através da subsidiação pública das escolas privadas, as quais ficarão, um dia, em condição de exigir os montantes que bem entenderem porque não haverá alternativas. Terão o monopólio da educação.

O Ministro parece também ignorar a motivação de criação dos contratos de financiamento público com as escolas privadas. Conforme estipula o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, alterado pelo Decre-Lei n.º 138-C/2010, de 28 de Dezembro), “Em zonas carecidas de escolas públicas, o Estado celebra contratos de associação com escolas particulares, com a finalidade de possibilitar às populações locais a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público”. Ou seja, só em zonas onde a oferta pública é insuficiente, o Estado deveria financiar as escolas privadas para garantir o acesso universal e gratuito à educação.

Mas, perante a existência de dados claros sobre escolas privadas que estão a ser financiadas com dinheiros públicos em zonas onde existe oferta pública em excesso, como bem aponta o estudo de diagnóstico de reorganização da rede de escolas do ensino particular e cooperativo com contratos de associação, elaborado pela Universidade de Coimbra a pedido do anterior Governo e publicado em Janeiro de 2011 (ver aqui), o Ministro nada aparenta querer fazer.

É o caso de Coimbra, como refere este estudo: o “caso mais paradigmático da sobreposição entre a oferta da rede pública e da rede de estabelecimentos com “contratos de associação”, é a dos estabelecimentos de EPC do centro urbano do Município de Coimbra que, ao não serem afectas a uma área de influência, interferem com os estabelecimentos da rede pública, os quais por sua vez apresentam espaços disponíveis para integrar a totalidade dos alunos que presentemente frequentam o ensino particular. Mesmo que a questão pudesse vir a ser apenas discutida em termos actuais, a situação é agravada pela perspectiva de uma significativa diminuição da população escolar na próxima década”. Mas também é o caso de municípios como Torres Vedras, Ourém e Aveiro onde é recomendada a cessação dos contratos de associação ou a “redução de turmas contratualizadas de escolas privadas (…) localizadas em territórios em que coexistem escolas públicas com taxa de ocupação reduzidas (inferiores a 70%) e que podem acolher novas turmas no início de cada ciclo”.

O Ministro nada quer fazer porque o que quer é extinguir a prazo a escola pública e garantir a prazo o monopólio privado da educação. Mesmo que isso signifique desperdiçar dinheiros públicos, como é o caso da subsidiação inútil de escolas privadas onde há escolas públicas que estão sem alunos: e trata-se mesmo de financiamento duplo, pois os contratos de associação passaram a ser financiados por turma e não por aluno, algo que o Ministro parece desconhecer.

Quanto às desconformidades existentes nos contratos de financiamento do ensino privado, apontadas pela Inspecção Geral de Educação e expressas na Conta Geral do Estado de 2010, o Ministro diz desconhecê-las. Como se estes documentos não fossem públicos e não estivesse à frente de um Ministério onde a obtenção de informação mais pormenorizada só para ele está disponível. O que o Ministro quer ignorar são os resultados das auditorias que apontam, entre outros, quanto aos contratos de associação que “no que respeita ao cumprimento das condições de gratuitidade para o ensino obrigatório é relativamente frequente a existência de desconformidades relativas à cobrança de taxas e emolumentos e de seguro escolar”. Ou seja, há escolas privadas a fazer selecção social dos alunos e a não assegurar a universalidade do acesso quando são subsidiadas para o efeito.

O Ministro fala em “desfasamento ideológico” e tem razão. Porque o que ele quer é impor uma visão ideológica que apenas olha para os interesses de quem quer fazer da educação um negócio e não um factor de desenvolvimento das pessoas e do país e de combate às desigualdades e assimetrias socioeconómicas.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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