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Onde está o debate

Contributo de Tiago Ivo Cruz

A discussão do Bloco de Esquerda, porque é o Bloco que estamos a discutir, tem-se revelado intensa e profunda com um bom registo de sensatez. Sem grande espanto o debate tem-se centrado na democracia interna e nas correntes que constituem o Bloco. É bom que assim seja porque corresponde ao debate que procura a solução e não apenas o confronto para a exclusão das partes não alinhadas.

Uma derrota política tem sempre consequências profundas e a direcção do Bloco tem gerido o processo de forma responsável, recusando uma desestruturação forçada, lançando o debate para onde deve estar. É precisamente a recusa em dar um novo grande passo em frente que vai obrigar agora o Bloco a fazer a discussão sucessivamente e necessariamente protelada durante tantos anos.

O processo de formação do Bloco obrigou a que a entente entre as diferentes correntes jogasse sempre segundo uma lógica de negociação e consensualização entre diferentes ideias e modos de acção. A democracia interna era por isso garantida pela relação sensata entre diferentes forças. Isso significava também que o espaço comum de discussão interna estava à partida viciado pelo jogo, não existia sem as correntes mas também não tinha real capacidade de afirmação enquanto as correntes o dominassem.

A construção deste modelo de democracia tutelada, necessário e em certa medida inevitável, tem os seus limites e iria funcionar apenas enquanto as escolhas da direcção em certa medida correspondessem ao pulsar interno e externo do Bloco. Estamos por isso num novo ciclo que deve realmente subverter as regras com que o jogo tem funcionado. Qualquer pretensão em encarar este debate como uma discussão para apaziguamento sem consequências na cultura política, na orgânica e nos processos de decisão interna é uma fantasia que recusa na essência o que este debate significa e pretende atingir.

Algum argumentário se tem desenvolvido sobre não ser esta a altura para discutir o que devem ser as correntes no Bloco, que elas existem e nada deve mudar. Há que dizer claramente que isto não faz sentido pois na prática este argumento desvia a discussão para onde ela não obriga a um repensar interno. Política não é o processo de registar ideias mas sim de as mudar.

A afirmação de um espaço comum onde a discussão e as decisões são tomadas deve corresponder a um processo de democratização na relação entre as bases e a direcção. Isso implica primeiro que os órgãos internos do Bloco se tornem reais espaços de discussão política, com forte autonomia e liberdade de acção a nível concelhio e distrital. É na pluralidade de opiniões mas também de decisões que o Bloco ganhará espaço e força autárquica. Este processo tem o bónus de permitir que o espaço interno se torne sustentável e claro para uma militância que aderiu ao bloco e não pertence a nenhuma corrente. De facto, as correntes condenam a discussão a um arcaísmo incompreensível para uma boa parte dos novos aderentes que não poucas vezes se afastam e desencorajam.

Debatemos para o quê

O papel histórico do Bloco de Esquerda, a reestruturação das esquerdas para uma nova hegemonia e alternativa de poder, tem de ser caminhado sem fórmulas mágicas e modelos pré-concebidos. Uma linha segura é aquela que permite a ampliação de maiorias sociais com diferentes sectores sociais e políticos, com diferentes opiniões e ideias, sejam elas de esquerda ou mais ou menos de esquerda, muitas vezes serão vagamente de esquerda e nem por isso deixarão de corresponder a uma estratégia de ampliação de forças à esquerda. E é um erro profundo criar uma barreira higiénica entre o partido interno e o partido externo, entre as ideias e a acção, entre a frente e a retaguarda política. Pois acho que esta lógica provoca uma esquizofrenia prática à qual um partido como o Bloco não sabe reagir. Ou seja, a estruturação do Bloco como partido não pode ser feita ignorando a dinâmica externa que lhe corresponde, o debate interno é eminentemente público e a opinião de cidadãos que não querem integrar as fileiras do Bloco deve ser respeitada e tida em conta e, o espaço interno de discussão e decisão, começando pela direcção, não se pode tornar numa ortodoxia política sem relação identitária com o seu espaço social.

Repito as perguntas que um camarada formulou em discussão informal mas que acho justas:

Como se potenciam novos 12 de Marços e porque razão a mobilização para o Mayday é tão díspar da da geração à rasca?

Qual o significado das acampadas, da escola da fontinha e como olhamos para eles na alternativa que perspectivamos? Queremos ou não? Tentamos multiplicar estes fenómenos ou limitamo-nos a passar por lá a dar uma vista de olhos?

Como evitar que os ziguezagues estratégicos que já assumimos que existiram do Bloco? Será que todas as opiniões que podiam ter sido ouvidas foram ouvidas? Como são tidos os processos de tomada de decisão?

Qual o papel do movimento estudantil nos próximos anos de ataque máximo aos direitos sociais? Continuamos a sindicalização da luta ou existem portas para a radicalização e diversificação de temas e de bandeiras?

A resposta a estas perguntas obriga um rumo político que escape a qualquer cristalização e centralização de pensamento. A perspectiva de resistência perante o esmagamento ideológico é não só errada como incoerente com a história do Bloco e a sua estratégia, não é a rosnar para fora que se atraem eleitores e forças à esquerda. Olhar para o Bloco como uma ferramenta e não como um fim tem de ser agora mais do que nunca a base da nossa estratégia.

Tiago Ivo Cruz

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