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Ainda a dívida, ou como o sector financeiro tramou o país

A banca, as seguradoras e as restantes entidades do sector financeiro decidiram não comprar dívida pública portuguesa. Escolheram forçar a intervenção da troika FMI/BCE/U.E e a ascensão do PSD e CDS à governação do país.

Os últimos números dos empréstimos concedidos pelo sector financeiro (INE-Junho 2011 – pág. 39.A) confirmam que no 1º trimestre de 2011 os totais dos empréstimos concedidos para habitação própria - 121 mil milhões de euros, continuam a ser superiores aos concedidos à indústria, agricultura, comércio e serviços – 119 mil milhões de euros (16,3 mil milhões a grandes empresas e 92,5 mil milhões a pequenas e médias empresas).

Não é uma situação nova. De acordo com a Associação Portuguesa de Bancos, no ano de 2009, o crédito concedido às empresas totalizou 117 mil milhões e aos particulares, para habitação e consumo, atingiu o valor de 138 mil milhões de euros. E em 2008 o crédito concedido a particulares para habitação e consumo tinha sido de 120 mil milhões e de 115 mil milhões às empresas não financeiras. Esta distorção na concessão de empréstimos não surge por acaso, é o resultado das escolhas da banca por generosos rendimentos de longuíssimo prazo (quase perpétuos), de baixo risco e com altas garantias.

Mas quando se fala das dificuldades de acesso ao crédito por parte das actividades económicas, os habituais comentadores avançam com a conversa do costume: a banca não pode financiar a economia, porque teve que comprar muita dívida pública … De tanto repetidas, estas afirmações ganham estatuto de veracidade. Mas escondem a realidade, de como o sector financeiro anda a tramar o país na questão da dívida. Comecemos pelo princípio: os países, todos os países, para fazer face aos desequilíbrios entre as receitas e as despesas de cada ano (défice orçamental) obtêm empréstimos, emitindo títulos de dívida pública. Para além da que é vendida aos particulares (certificados de aforro ou do tesouro), o grosso da dívida pública é adquirida pelos chamados investidores institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos de investimento..), os quais têm que legalmente constituir reservas ou provisões técnicas, isto é, activos que garantam a satisfação de encargos previsíveis (por exemplo, pagar sinistros nas seguradoras ou garantir os depósitos nos bancos..). Embora o funcionamento do sector financeiro esteja sujeito a regras de prudência, o certo é que a ganância dos seus accionistas por lucros fabulosos … e imediatos, tem arrastado a gestão do sector para escolhas financeiramente imprudentes e irresponsáveis, mas politicamente muito significativas. É o que tem estado a acontecer. Se o sector financeiro tem que possuir activos, que investimentos, que compras, que investimentos, que escolhas é que faz ? Vejamos o sector segurador: os activos em Dezembro de 2010 atingiam 54 mil milhões de euros, quase 30 mil milhões eram obrigações de empresas privadas, as unidades de participação em fundos de investimento representavam 4 mil milhões, as acções de sociedades privadas tinham o valor de 1,4 mil milhões, os imóveis atingiam quase mil milhões e os títulos de dívida pública (portuguesa e estrangeira) representavam quase 13 mil milhões de euros. Mas apenas 6 mil milhões de euros de títulos da dívida pública portuguesa (11% do total dos seus activos). Ou seja, todo o sector segurador possui nos seus activos apenas 4% da dívida pública portuguesa, estimada em 151 mil milhões de euros em Dezembro de 2010.

Já o valor investido pelos fundos de pensões em dívidas públicas é de quase 4 mil milhões de euros, mas a maior fatia (3,4 mil milhões de euros) é em dívida pública de outros países, atingindo os títulos da dívida soberana portuguesa apenas o valor, quase residual, de 435 milhões de euros. Também os fundos de investimento possuem na sua carteira de activos, títulos de dívida estrangeira (923 milhões) num valor três vezes superior ao da dívida portuguesa (300 milhões de euros).

Quanto à banca, a actuação é ainda mais escandalosa: no final de 2010, os títulos da dívida pública portuguesa, no valor de 19 mil milhões de euros, representam apenas 2,5% do total de activos (760 mil milhões) de todos os bancos portugueses.

Comparando os 19 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa adquirida pelos bancos com os 16 mil milhões de dívida detida pelos particulares através de certificados de aforro e do tesouro, fica bem evidente que a banca, as seguradoras e as restantes entidades do sector financeiro decidiram, como confessou o presidente do BPI, não comprar dívida pública portuguesa. Para preencher as suas carteiras de activos escolheram comprar dívida soberana de outros países e adquirir obrigações de empresas privadas (sem qualquer rating atribuído, logo de altíssimo risco). Obrigaram a que os títulos da dívida pública portuguesa passassem a ser vendidos no chamado mercado secundário, com juros usurários. Contando com um PS de joelhos perante a banca, forçaram a intervenção da troika FMI/BCE/U.E e a ascensão do PSD e CDS à governação do país. Fizeram as suas escolhas. Mas não queiram agora fazer de conta que aconteceu o inevitável ou que são todos bons rapazes …

Sobre o/a autor(a)

Jurista. Membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda
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