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Ou Esparta ou Atenas

Na guerra do Peloponeso Esparta ganhou a Atenas. Mas foi Atenas que sobreviveu até aos dias de hoje. Com democracia.

Esparta e Atenas eram duas Cidades-Estado da Grécia antiga.

De Esparta conhece-se a brutalidade com que se educavam as crianças, a crueldade com que os escravos eram tratados e a eficiência atroz dos seus exércitos. A compulsão para a violência, a ferocidade e bestialidade do poder espartano, eram características marcantes daquela sociedade, cujo eco perpassa como um grito as páginas apaixonadas dos compêndios de História. Ainda hoje nos arrepiam as descrições das perseguições aos hilotas, escravos anualmente dilacerados por feras, num gáudio de plateias psicóticas, embriagadas de insana intensidade.

Por contraposição a esta cultura de barbárie, a herança ateniense legou-nos vastos territórios de pensamento, desde a comédia e a tragédia, até à política e filosofia, espaços de inteligência e superior criação intelectual.

E finalmente a democracia.

A democracia revela-se como um presente, uma prenda assombrosa que Atenas legou à humanidade, um soalho atapetado de ideias que se constituem como armas contra a opressão, contra a tirania, nas suas múltiplas formas e variáveis vestimentas.

Entre Esparta e Atenas houve a guerra do Peloponeso no ano V a.c.

Esparta ganhou a guerra. Mas o que perdurou até hoje foi Atenas com o seu Pártenon magnífico, simples e soberbo, assente com elegante naturalidade em colunas dóricas com o traço inteligente de Fídias a dar à geometria o portento da forma.

Atenas está de novo em guerra com os novos espartanos.

Já não trazem exércitos em que pontificavam os escudos, elmos e pontas de lança, toda uma panóplia de instrumentos de guerra, exaustivamente polida, que brilhava ao sol, encandeando o adversário e sobretudo iludindo-o sobre a sua capacidade bélica. Mas têm exactamente a mesma cultura marcial, a vontade do ataque, a impiedade na agressão. Tal como outrora, os novos espartanos são hábeis no tratamento de uma específica matéria-prima – o medo – matéria que com perícia e ciência vão moldando com mãos de artista, oleiros implacáveis que são do terror que causa sofrimento, náusea e destruição. Tal como outrora estas forças são movidas pela cobiça que motiva o assalto em sucessivas demonstrações de destemor, em sagazes jogadas em que o arbítrio se mascara de salvação, em dissimulações grosseiras mas operantes. Os espartanos nas batalhas cobriam-se de panos vermelhos para evitar que os inimigos vissem que sangravam. Eram artistas do bluff, tal como esta gentaça que neste preciso momento põe em prática um pogromfinanceiro e europeu, a que esta mesma Europa assiste impávida e cúmplice, com os governos a vincularem-se à barbárie. Querem todos, todinhos, uns por isto e outros por aquilo, tornar este espaço europeu numa cela claustrofóbica, com os direitos históricos conquistados a evaporarem-se um por um e a voarem para a estratosfera. No fundo o que pretendem é o fim da democracia, é a instauração de uma Europa saloon onde os cow-boys de revólveres em punho impõem uma nova ordem. Como os fascistas que ainda ontem apelavam à morte, viva la muerte, estes legionários de hoje gritam vivas à morte dos estados previdência, numa perversa pantomina, como se as causas de todos os males fossem os patamares de melhor vida a que conseguimos chegar.

Na grande impressora dos mediacoadjuvantes, saem textos de apelo histérico à solução final, que se vão projectando nos écrans da nossa colectiva intranquilidade e cólera contígua.

Vivemos um tempo de abandono, de desregra, de perda e solidão. Todos juntos e tão sozinhos. Europa suicida.

Na guerra do Peloponeso Esparta ganhou a Atenas. Mas foi Atenas que sobreviveu até aos dias de hoje. Com democracia.

De Esparta ficou apenas um memória arrepiante.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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