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Não é auto-censura, é patriotismo

O novo estatuto editorial do Expresso contém uma novidade assinalável: pela primeira vez, um órgão de comunicação social admite que irá recusar a publicação de notícias que possam ser prejudiciais aos interesses instalados.

O novo director do Expresso, Ricardo Costa, decidiu alterar o estatuto editorial do jornal, uns meses apenas após ser nomeado e numa altura em que um novo governo se forma. Este novo estatuto editorial contém uma novidade assinalável: pela primeira vez, um órgão de comunicação social admite que irá recusar a publicação de notícias que possam ser prejudiciais aos interesses instalados. Vejamos com cuidado o que diz o jornal e os eufemismos que usa para defender que isto não é auto-censura.

Diz o ponto 7 do estatuto editorial: “O Expresso sabe, também, que em casos muito excepcionais, há notícias que mereciam ser publicadas em lugar de destaque, mas que não devem ser referidas, não por auto-censura ou censura interna, mas porque a sua divulgação seria eventualmente nociva ao interesse nacional. O jornal reserva-se, como é óbvio, o direito de definir, caso a caso, a aplicação deste critério.” Tanto palavreado para esconder as intenções da equipa de Ricardo Costa chega a ser comovente.

Teorias da conspiração à parte, sabemos bem como as escolhas da comunicação social relativamente a quais são os acontecimentos que são noticiados, qual o destaque a dar a cada notícia e como contar as notícias são moldadas pela ideologia dominante. Não se trata de diabolizar a comunicação social ou os jornalistas mas de perceber que o seu papel numa sociedade capitalista é o de produção de ideologia. Se os jornalistas frequentemente publicam notícias de uma forma que favorece uma narrativa neoliberal não é necessariamente porque partilhem essa ideologia mas antes porque são parte integrante de uma sociedade na qual o neoliberalismo é hegemónico.

Não surpreende, portanto, que um órgão de comunicação social opte por vezes por não publicar uma notícia, ou não lhe dar o devido destaque, por conter uma mensagem que vai contra a narrativa dominante. No momento actual, a comunicação social interiorizou de tal forma o discurso austeritário que reina na União Europeia que chega a chamar ajuda ao empréstimo da “troika” e rigor orçamental às medidas que transferem dinheiro do investimento público e do Estado Social para o rentismo privado. Torna-se muito difícil, portanto, vermos narrativas anti-austeridade de políticos, economistas ou activistas na comunicação social.

Mas o gesto do Expresso não deixa de ser significativo, nem que seja porque é feito às claras. O jornal admite que não publicará notícias que possam ser relevantes quando isso prejudica o “interesse nacional”. Em que consiste essa expressão pantanosa, “interesse nacional”? Não vão informar o público de que Passos Coelho não poupa um cêntimo por viajar em classe económica na TAP porque não paga bilhete? Não vão divulgar as notícias sobre os actos de protesto contra a austeridade? Não vão escrever nada quando se tornar evidente que este governo não conseguiu aumentar o emprego com as suas medidas de austeridade? Nada disto é claro, nada disto é suposto ser claro.

Com este gesto, o Expresso colocou-se à disposição do novo governo, qual cão de guarda fiel ao dono, perdendo assim toda a credibilidade que possa ter enquanto órgão de comunicação social. Mesmo tendo em conta o papel da comunicação social na consolidação da hegemonia neoliberal, isto é grave.

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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