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Algumas considerações sobre a estratégia de unidade do Bloco de Esquerda

Contributo de Jorge Nascimento Fernandes

Vai na blogosfera uma farta discussão sobre os resultados do Bloco nestas eleições (ver os exemplos mais expressivos aqui, aqui e aqui). Até militantes do PCP, alguns de modo cordato, se meteram ao barulho (ver este, feito por alguém que vive longe do país, e este, fugiu-lhe, no entanto, o pé para criticar aqueles que, sendo do Bloco, abandonaram o PCP). A agitação vai tão forte que o Telejornal chega mesmo a ter uma rubrica com declarações de Daniel de Oliveira e Joana Amaral Dias sugerindo a demissão dos dirigentes do Bloco, na sequência daquilo que todos os comentadores de direita têm vindo a pedir: se saiu Sócrates, porque não Louçã.

Quanto a esta última hipótese parece-me um disparate perfeito, mas não a irei discutir aqui.

Tal como tinha prometido no meu último post achava que a estratégia seguida pelo Bloco poderia merecer críticas, mas acima de tudo alguma reflexão mais ponderada. E quanto a mim esta estratégia, no caso do Bloco, tem muito a ver com a sua política de unidade e de procura de uma saída vitoriosa para a esquerda.

Há tempos, e a pedido, escrevi um post onde afirmava: tenho para mim que o Bloco de Esquerda é, na actual conjuntura, o único partido de esquerda que manifesta uma certa preocupação com a política de unidade. E depois tentava fazer a história das relações entre Manuel Alegre e o Bloco, que culminaram na derrota eleitoral daquele. Reforçando o que aí foi dito, tentaria, baseando-me na minha parca informação e até numa visão muito própria do Bloco, já que ainda não era seu militante nessa época, dar uma ideia, a partir de 2005, do que tem sido essa política de unidade.

Nas eleições legislativas de 2005 o Bloco integrou nas suas listas vários militantes da Renovação Comunista. A iniciativa provocou na altura grande agitação naquela Associação política, dado que alguns dos seus principais dirigentes, não concordavam com essa participação e desejavam um maior afastamento em relação ao Bloco. Para ser justo, até para com a memória de alguns, não direi o que pensavam, porque nunca o expressaram publicamente. O Bloco subiu nessa eleições e dessa colaboração resultou a eleição, devido a rotação dos deputados, de João Semedo, hoje respeitado dirigente e deputado do Bloco. Mas, das ligações aí estabelecidas, e que tiveram seguimento nas duas candidaturas de Sá Fernandes à Câmara de Lisboa, não resta nada, só a entrada para o Bloco de alguns renovadores. Hoje a Direcção da Renovação Comunista afastou-se de vez do Bloco, apesar de fazer apelos patéticos, ainda antes das eleições, a um Governo de Esquerda, que englobasse o PS, o Bloco e o PCP.

Ainda em 2005, temos a eleição para vereador da Câmara de Lisboa de José Sá Fernandes, apoiado pelo Bloco. Nas intercalares de 2007, igualmente para Lisboa, novamente o apoio ao mesmo candidato. Não sei se foi nestas, se nas anteriores, que apareceu o célebre cartaz de O Zé faz falta. Mas o Zé passa rapidamente de enfant-terrible a diligente vereador de António Cota, o que torna impossível a continuação do apoio do Bloco. Mais uma tentativa unitária falhada.

Não sei se estão recordados, mas pela altura da ruptura com o Zé, Louçã ainda fala da possibilidade de Helena Roseta, nessa altura a chefiar um grupo de independentes, ser a próxima candidata à Câmara apoiada pelo Bloco. Não aceitou e depois de muitas peripécias, já por mim descritas muitas vezes, vai integrar a lista de António Costa para Lisboa. Mais uma vez a política de unidade desperdiçada.

No meio de tudo isto, temos o episódio Manuel Alegre, já acima assinalado e para o qual remeto os meus leitores. Com Manuel Alegre termina, e mal, a procura de unidade com gente que fosse ou independentes de esquerda ou da esquerda do PS. Ou seja, aquilo que a certa altura Louçã definiu como a esquerda grande, que englobava todos aqueles que eu tenho vindo a citar e as respectivas áreas políticas Esta política esgotou-se, eu diria mesmo que fracassou. E mais, bastou o Bloco apresentar uma moção de censura ao Governo PS ou ajudar a derrubar Sócrates e o PEC IV para muita desta gente, apesar dos esforços desenvolvidos de unidade com ela, que chegou à convivência na própria candidatura de Manuel Alegre, passar a reclamar a formação de um novo partido. Facto que não está esquecido e anda a aboborar numa coisa chamada Convergência e Alternativa. Nos seus escritos passaram a acusar o Bloco de ser um dos responsáveis pela direita ter ido para o poder (ver o meu post) e desse facto estar na origem dos desastrosos resultados do Bloco nestas eleições. Mesmo quando o Bloco apoiou Manuel Alegre achavam que aquele não devia ter dado tanto nas vistas, devia passar mais desapercebido, pois foi isto que matou o candidato.

Portanto, caros leitores, a unidade com as forças à direita do Bloco tem sido difícil, para não dizer quase impossível. Por isso, atendendo aos tempos que aí vinham, com o acordo entre a troika e os três partidos ditos do arco da governação, tornava-se urgente a reunião e provavelmente a colaboração estreita com as forças à sua esquerda, neste caso com o PCP. Isto foi defendido por muito boa gente, inclusive por mim.

Simplesmente, da parte do PCP houve, pelo menos de forma pública, um grande distanciamento em relação ao Bloco. Tinha-se encontrado com ele porque era um partido democrático – ainda continuam com esta designação pós-Abril. Era normal, não tinha qualquer significado. As declarações de Jerónimo vão sempre neste sentido (“Há muitos homens e mulheres, portugueses, preocupados com o futuro do país, que procuram dar uma contribuição para travar este rumo. Em relação ao BE, é preciso que clarifique os seus objectivos. Mas não temos nenhum preconceito em considerar que existam portugueses também preocupados com a situação dispostos a fazer um esforço para esse governo patriótico e de esquerda"). Mas por trás, no Avante, o insultozinho (Bloco de Elástico), e mesmo na campanha houve críticas públicas ao Bloco. Aqui também a unidade não avança muito.

Analisadas as circunstâncias, verifica-se que as propostas unitárias do Bloco com vista a uma saída de esquerda para a crise do país, encontram dificuldades. Penso que esta derrota do Bloco obriga-o a pensar. Não pode estabelecer alianças a qualquer preço. Sempre na disposição de saídas rápidas e simples. A realidade obriga-nos a um trabalho de formiga, juntar os cacos que estão dispersos. Nem sempre o evento mais espectacular é a melhor saída. Por isso, tenho a ideia que nem o Bloco deve ser a muleta do PS ou, se quiserem, a boa consciência deste, nem ficar preso àquilo que o PCP faz ou defende. A sua autonomia prática é indispensável e provavelmente a unidade tem que começar na base, nos movimentos sociais, nos sindicatos, na vida associativa e local.

Por outro lado, temos que ter consciência, que mesmo uma acção consistente, como, por exemplo, foi a moção de censura, não pode ser despachada com duas tretas, tem que haver coerência nos nossos actos. O Bloco tem que voltar a ser um partido aglutinador da esquerda, contra-hegemónico e com propostas que permitam que a esquerda veja a luz ao fundo do túnel.

Tudo isto é bom de escrever, o mais difícil é pô-lo em prática.

Jorge Nascimento Fernandes

Texto inicialmente publicado aqui http://trix-nitrix.blogspot.com/2011/06/algumas-consideracoes-sobre-estrategia.html, a 8 Junho de 2011. Portanto, já há algum tempo e num formato adaptado a blog, com constantes links para outros textos.

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