You are here

Por um BE em bloco

Contributo de José Maria Cardoso

Passado o período de nojo, maturado o impacto e abalado pela catadupa de exasperados comentários, manifesto aqui o meu estado de alma bloquista expressando algumas considerações pessoais sobre os resultados eleitorais. Como cenário de fundo onde se movem as minhas observações, está indiscutivelmente uma pesada e perigosa derrota eleitoral do BE, que obriga a uma reflexão em forma de autoconfrontação entre o pretendido e o obtido.

Vamos a factos: dizem os detractores da estratégia seguida que a derrota começou com Alegre. Na verdade até têm o apoio dos estudos de opinião que mostram que o BE baixou de intenção de voto a partir daí. Mas se porventura tivéssemos apresentado um candidato próprio e o resultado eleitoral fosse um desastre. Como se alterariam as intenções de voto? E se por acaso tivéssemos apoiado um candidato como o Fernando Nobre, em torno da democracia humanitária como ouvi dizer, que realidade teríamos hoje?

Dizem muitos dos mesmos que a Moção de Censura foi extemporânea. Será que é preciso ser um visionário para perceber que ela é a consequência óbvia de uma campanha que nos encalacrou e de um resultado eleitoral que nos comprometeu?

Continuo a considerar que estas opções foram, ao momento, as mais assertivas, mas também continuo a pensar que houve erros crassos de metodologia. Não se fez atempadamente uma auscultação séria às bases e quando se passou ao diálogo já a decisão estava tomada. Cometeram-se graves falhas de comunicação com declarações desajustadas e controversas. Expusemo-nos afavelmente à injúria interna e à censura demagoga e oportunista da comunicação social. Na verdade permitimos que nos colassem ao PS e desvalorizamos o impacto do desagrado militante. E estes é que são erros que importa reflectir e aprender a não voltar a cometer.

Quanto a outra situação imputada como erro estratégico, da qual já ouvi dirigentes nacionais a fazerem um acto de contrição, permitam-me que diga que discordo em absoluto com esse gesto de clemência. Na verdade fizemos o que tínhamos a fazer. Não reconhecendo validade alguma à Troika e estando em total desacordo com as suas implacáveis medidas, não temos que os certificar com a nossa presença. Tal como os mercados estão nervosos não sendo humanos, nós não temos que ser humanos hipócritas no mercado dos votos. Neste caso, para além da nossa dignidade se elevar à instigação, o que não é pouco, vamos ter reconhecimento do gesto e valorização do acto daqui a algum tempo.

No entanto importa reflectir nas nossas debilidades de transmissão da mensagem. É verdade que não temos meios para contrariar a orquestrada comunicação, mas também é verdade que não tivemos engenho para contestar o argumento populista e falacioso, mas de grande peso, que não havia dinheiro para pagar salários. A questão é politica e como tal sujeita a opções prioritárias. Porque não se repetiu exaustivamente que não havia era dinheiro para pagar os juros da dívida?

Contados os votos, as opiniões multiplicam-se na razão inversa da proporção do resultado. Só tivemos uma grande derrota eleitoral porque já obtivemos grandes vitórias. Alguém se preocupou em opinar e criticar as razões da desmedida votação de 2009? Ficamos vaidosamente extasiados e seguros num abrigo parlamentar que de todos e de tudo haveria de cuidar. Será que não é perceptível que tal como fomos insuflados pela circunstância de uma não vontade de maioria PS e de uma não alternativa PSD, agora fomos esvaziados pela viragem à direita que por arrasto levou votos para o centro? Isto não é ironia do destino, muito menos uma profecia do acaso, mas é a realidade de um partido recente que se sustenta num eleitorado volátil em que a decisão é mais circunstancial do que ideológica. Não sendo isto nenhum contento para quem legitimamente almeja muito mais reconhecimento político, às tantas, é mesmo este o eleitorado que temos que contar como bloquista. O que a ser verdade, sinceramente, não me parece desprezível para um partido, enquanto tal, com 12 anos de existência.

Tudo isto seria desgostosamente assimilado e democraticamente ponderado, não fora a desventurada atitude de alguns dos nossos camaradas. Uns de forma enrascada e por meias palavras e outros com linguagem ressabiada e de forma descarada, apressaram-se a congeminar publicamente a estratégia do dia seguinte. Já rolaram cabeças, já se predestina o ocaso, já se asseguram novos caminhos, já se perfilam candidatos. Lamentável. Sempre pensei que a lealdade, a solidariedade, a assumpção de responsabilidades colectivas, a racionalidade da contenda, fossem marcas genéticas do código político do BE. Bastou um mau resultado eleitoral para que esta marca descorasse e a diferença se assemelhasse a quem nós sempre repudiamos. Aliás, uma boa parte desta investida verborreica é servida pelos holofotes dos Media que tudo fizeram para que assim acontecesse. Que gozo que isto lhes dá e que robertos (uns inconsciente outros nem por isso) muitos de nós estão a ser. E se em relação aos dislates inconsequentes de uma facção, eu já me habituei a lidar, nomeadamente aquando das reuniões de Mesa e Convenções, e em relação a algumas proeminentes figuras mediáticas que funcionam como batedores a abrir caminho de estratégias coligacionistas, eu também já me habituei a ouvir e a ler. Confesso que fiquei surpreso quando ouvi dirigentes nacionais que pertencem a órgãos de decisão política e por tal com responsabilidades acrescidas, reforçar muitos destes argumentos trazidos a público. Sejamos claros. Para que serve uma Convenção Extraordinária senão para decisões extraordinárias. Para discutir estratégia tivemos convenção há um mês. Para discutir resultados temos muitos outros palcos, nomeadamente uma discussão alargada em plenários distritais e concelhios. Para tomar resoluções políticas temos a Mesa que ainda nem sequer reuniu com a actual composição. Se é para destituir órgãos e para mudar a linha de orientação política, digam-no frontalmente e assumam-se como alternativa. O que menos precisamos neste momento é de discussão de entretém e de marcação de lugares e protagonismo pessoal.

Saibamos ler e perceber a mensagem dos resultados. Não somos um partido meramente eleitoralista mas vamos a eleições. Façamos uma discussão aberta, criteriosamente critica e claramente assumida, mas por dentro para ter uma estratégia para fora. Nem tudo é negativo neste resultado. Forçosamente temos que nos desparlamentarizar e isso deve implicar uma outra orientação. Voltar à rua como palco da nossa batalha. Está em génese uma nova onda de contestações e de movimentos sociais com natural tendência para ampliarem. Sem jogo de corridas nem pressas de primeiros, muito menos com preocupações controleiras, devemos marcar presença quanto antes em todos estes movimentos e partir daqui criar um movimento nacional de resistência pela democracia, pelas conquistas de Abril, porque é isto que está em causa. Simultaneamente esse movimento deve ter um cariz objectivo de contestação, numa espécie de insubordinação à submissão da Troika.

Recomecemos pelo Começar de Novo e sejamos o que sempre fomos. Não sou dogmático nem recuso alianças. Em lutas pontuais devemos saber criar pontes e convergências com quem partilha as mesmas causas e os mesmos princípios. Não nos devemos acantonar num reduto de indefectíveis guardiães da justeza. Saibamos perceber que há outros (pessoas, movimentos, partidos), que partilham connosco a alternativa que preconizamos. Mas contestarei sempre a criação de um BE esteio de outros partidos. Sou bloquista sem pertencer a nenhuma facção, sem ter outra filiação partidária, sem querer ser outra coisa politicamente do que fazer parte do BE. Não aceitarei nunca ser uma espécie de Verdes do PS ou antirosa do PC. Com as diferenças que nos caracteriza, com as legitimas discordâncias que se nos reconhece e com a impetuosa determinação que nos identifica, construamos um BE em Bloco. Sofremos uma derrota mas não fomos derrotados.

Termos relacionados Debates 2011
Comentários (3)