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Um exemplo de respeito pelo trabalho

A Bemicar é uma fábrica que paga muito acima da média, exporta praticamente toda a sua produção de calçado ortopédico e o gerente preocupa-se com a motivação dos trabalhadores. O Bloco de Esquerda fez-lhe uma visita.
Francisco Louçã com o gerente da Bemicar, Luis Miguel Sá. Foto de Paulete Matos

Quando se ouve pela primeira vez, o nome Bemicar parece o de uma fábrica do ramo de componentes para automóveis. Mas não é: a Bemicar é uma fábrica de calçado ortopédico artesanal, todo feito à medida, por encomenda, que exporta quase cem por cento da sua produção para países como a Holanda, a Bélgica, a Alemanha e a França.

O nome vem dos três irmãos – Anabela, Miguel e Carla, que são os donos, junto com o pai, António, e a mãe, Maria do Carmo, desta empresa de 23 funcionários situada na zona industrial da Arrifana, em Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro. Toda a família trabalha na linha de produção, excepto o Luis Miguel Sá (o 'Miguel' do nome da empresa), que é o gerente, “apenas porque tenho jeito para as questões administrativas”, como explicou à reportagem do Esquerda.net.

Maria do Carmo Sá, a mãe, trabalha na prodoução. Foto de Paulete Matos

A Bemicar era uma empresa “quase de vão de escada”, explica Luís Sá, quando um amigo holandês lhes sugeriu entrar no ramo do calçado ortopédico. Foi há onze anos, e o sucesso foi-se construindo com muita paciência e uma busca incessante de aumentar a qualidade. Há pouco mais de seis meses mudaram-se para as novas instalações na Arrifana, uma área grande, limpa e ordenada, pensada para abrigar algumas ferramentas de alta tecnologia, feitas na Holanda, e a linha de produção. Uma linha completamente diferente, porque é artesanal. Cada par de sapatos é diferente do outro e, na maior parte das vezes, o pé direito é diferente do esquerdo.

Cada encomenda é diferente

Do estrangeiro chegam as formas dos pés dos clientes, a partir das quais se faz a modelagem do sapato. Acompanham as encomendas uma ficha técnica que vai estar sempre presente na produção do par de sapatos – da modelagem ao corte e à costura – até este ficar pronto. Como a maior parte das encomendas vem da Holanda, uma funcionária da empresa é a responsável pelas traduções e pela correspondência. Portuguesa, viveu muitos anos na África do Sul, onde aprendeu o holandês (base do africânder). Agora fala com um sotaque carregado e diz, com um sorriso, que já não domina correctamente língua nenhuma. O que é, evidentemente, exagero, porque, apesar do sotaque, o português é correcto.

As formas chegam do estrangeiro junto com a ficha de encomenda. Foto de Paulete Matos

Traduzida a ficha, a forma passa à modelagem – são tiradas as medidas, desenhadas as peças, que depois passam à produção. Nesta empresa, a modelagem tem um peso maior do que numa fábrica comum, justamente porque cada par é diferente dos outros. Luis Miguel Sá mostra vários pares que são de pessoas que tem um pé muito mais pequeno que o outro, ou grandes deformações. Os sapatos são adaptados de forma a entrarem no pé como uma luva, seja qual for o problema da pessoas – de grandes deformações a joanetes, e até sapatos especiais para diabéticos, que não têm qualquer costura interna, para evitar eventuais feridas.

Personalização até no modelo

Como são personalizados, os sapatos também adoptam os modelos e a decoração que o cliente pede. “Às vezes, a encomenda vem com uma fotografia de um sapato recortada de uma revista, ou um catálogo de uma marca”, explica Luis Miguel Sá, que mostra a fotografia de um par de botas para um motard, que queria ter umas caveiras desenhadas no calçado. E assim foi feito. Outros pedem sapatos semelhante aos ténis Allstar, por exemplo. “Sempre procuramos satisfazer o pedido, mas a prioridade é a saúde do cliente, e só depois a estética”, diz o gerente da Bemicar.

Os salários são muito acima da média paga na indústria de calçado. Foto de Paulete Matos

Perguntamos-lhe se o que eles fazem são os Rolls-Royce dos sapatos. Luis Miguel Sá sorri, envaidecido, mas responde com cautela. “É o que queremos. Oxalá cheguemos a esse ponto”. Mas há uma semelhança com os carros mais caros do mundo. É tudo artesanal, tudo feito manualmente: o calçado passa por várias mãos, sempre com um trabalho artesanal e um controlo de qualidade muito rigoroso, feito pelo pai, António Sá, com dezenas de anos de experiência na profissão. Há falhas? É raro, mas acontece. E, nesses casos, os sapatos voltam à fábrica para correcções.

Preços? Um par de sapatos para a Holanda, incluindo o trabalho do podologista, pode chegar aos mil euros. Mas a Segurança Social holandesa comparticipa 50%, diferente de Portugal, onde não há comparticipação nestes casos.

Trabalhadores motivados produzem melhor

A produção actual é de cem pares de sapatos por semana, e o gerente orgulha-se de contar com trabalhadores felizes e motivados. Todos ganham muito acima da média da indústria de calçado. Uns 700-800 euros em média, numa indústria onde a regra é receber o salário mínimo. “Procuramos manter os nossos trabalhadores motivados e com confiança, dar-lhes tranquilidade nesta época de crise. Mostramos-lhes que felizmente não faltam as encomendas e pretendemos aumentar a produção”, explica o gerente, acrescentando que só com trabalhadores confiantes e a sentir-se bem a produção se poderá aproximar da perfeição que eles procuram atingir.

Há alguns ditos na parede, escritos à mão, em marcador. Por exemplo: “Um dia que não te ris, é um dia perdido”; “O segredo da felicidade não está em fazer-se aquilo que se gosta, mas gostar daquilo que se tem de fazer. E isto reflecte-se na qualidade do nosso trabalho.”

A pedido de Luis Miguel Sá, Francisco Louçã deixou lá mais um lema: “Trabalho em equipa: Portugal há-de ser grande com o respeito pelo trabalho das pessoas.”

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