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Troika: aumentar as rendas, expulsar inquilinos e alimentar o negócio do imobiliário

As medidas [do plano da troika, subscrito por PS, PSD e CDS-PP, para o mercado habitacional] são de uma violência social extrema e não resolvem nenhum dos problemas da habitação do país.

O plano da troika, subscrito por PS, PSD e CDS-PP, apresenta, no seu ponto 6, várias medidas para o mercado habitacional.

Os objectivos, dizem, é "melhorar o acesso das famílias à habitação, promover a mobilidade dos trabalhadores, melhorar a qualidade da habitação e uma melhor utilização do parque habitacional, reduzir os incentivos para o aumento da dívida das famílias".

Mas vejamos o que faz este plano na área do arrendamento:

- Liberaliza as rendas anteriores a 1990, ou seja, das casas onde estão a viver famílias há 20, 30, 40 anos ou mais, a maioria das quais compostas por idosos com baixas reformas e que ao longo de todos estes anos já pagaram em rendas mais do que o valor das casas, pois estas nem sempre foram baixas, e muitas vezes substituíram-se aos senhorios na conservação do edificado realizando obras às suas custas;

- Facilita o despejo de inquilinos que têm dificuldades em pagar as rendas, retirando o sistema judicial, garante do Estado de direito a todos os cidadãos, do processo;

Com estas duas medidas é recuperado o que foi anunciado no PEC IV, onde chegou mesmo a ser utilizada a expressão "expulsão" dos arrendatários. E, pelos vistos, o próprio Governo, antes de se demitir, já tinha preparado um pacote legislativo para revisão do NRAU para avançar neste sentido.

O plano troika propõe ainda outras medidas:

- Ampliar as condições de renegociação dos contratos sem termo, ou seja, dos que são mais antigos e abrangem a população idosa, "incluindo a limitação da possibilidade de transmissão do contrato para familiares em primeiro grau", o que significa não permitir, por exemplo, que os cônjuges e filhos que sempre viveram nessas casas nelas possam permanecer em caso de morte do arrendatário;

- Reduzir o aviso prévio de rescisão de contrato para os senhorios, ou seja, mais facilmente colocar os inquilinos porta fora das suas casas.

Estas medidas são de uma violência social extrema e não resolvem nenhum dos problemas da habitação do país:

- não resolvem o problema das pessoas que não têm casas condignas, cerca de 200 mil;

- não resolvem o problema da falta de casas para arrendar, apesar de existirem mais de 550 mil fogos devolutos, mais de 60% dos quais estão fora do mercado de venda e arrendamento porque os proprietários não querem: para estas casas, desde 1990, funciona o mercado de renda livre, o que destrói por completo a falácia de que não há casas para arrendar porque as rendas são baixas como tentam vender à comunicação social e ao país;

- não resolvem o problema das casas caras e dos preços especulativos da habitação que levam 30 a 60% dos salários ou pensões das famílias todos os meses.

Com estas medidas os objectivos são outros:

- desregular por completo o mercado de arrendamento, sujeitando todas as rendas aos preços especulativos dos players no imobiliário;

- aumentar as rendas antigas, criando dificuldades aos arrendatários idosos e que são dos mais penalizados pela austeridade dos PEC e do plano troika, bem como limitar o acesso a essas casas aos cônjuges e filhos desses arrendatários, com a finalidade de libertar as casas dos centros das cidades que são as mais apetecíveis para os interesses imobiliários;

- expulsar os inquilinos que não conseguem pagar as rendas, ignorando toda a violência do despejo e não dando qualquer alternativa de habitação a estas pessoas, dando toda a força aos senhorios para o fazerem fora da mediação judicial, mais uma vez libertando as casas com rapidez de acordo com os interesses do mercado da especulação;

- precarizar os contratos de arrendamento, desprotegendo o elo mais frágil da relação contratual que é o inquilino e não o proprietário do imóvel.

O resultado é entender a habitação não como um direito constitucional mas como um negócio. Não nos podemos esquecer que hoje os Fundos de Investimento Imobiliário (para Venda, Arrendamento e Reabilitação), que geram e distribuem dividendos através da especulação com os imóveis e têm sido uma área de investimento crescente dos grandes bancos portugueses, mexem já um valor de 12 mil milhões de euros. Um negócio muito apetitoso, portanto, e que tem crescido todos os anos.

Num contexto em que os bancos vão fechar a torneira do acesso ao crédito à habitação, o grande negócio em que investiram nos últimos 30 anos para endividar as famílias (90% das dívidas das famílias à banca têm a ver com a habitação) e a economia ao exterior (ao pedir empréstimos ao sistema financeiro internacional), em que vão aumentar os juros cobrados (com o beneplácito do Banco de Portugal), em que muitas das famílias endividadas têm de entregar as suas casas à banca, todos se viram agora para o mercado de arrendamento. Mas não é para combater o endividamento das famílias, dando-lhes a opção de arrendar uma habitação a preços não especulativos: é, pelo contrário, endividando as famílias através de um mercado especulativo de rendas, em que grande parte das casas que vão estar disponíveis para o negócio estará nas mãos de Fundos de Investimento Imobiliário, de grandes agências imobiliárias e de grandes senhorios.

Portanto, se as famílias deixam de ter o garrote dos créditos à habitação, entregando uma fatia importante dos seus salários à banca, passam agora a ter o mesmo garrote recorrendo ao mercado de arrendamento. Estas são as políticas da troika que rejeitamos.

O resultado último destas políticas é afastar ainda mais as pessoas com menos recursos, os idosos e os jovens para as periferias e entregar os centros urbanos para as casas de luxo e os condomínios fechados, acentuando a segmentação social das cidades e do território. O resultado pode mesmo ser voltar a ter muitos bairros de barracas que muitos concelhos se esforçaram para erradicar.

E nós perguntamos: como é que estas políticas vão "melhorar o acesso das famílias à habitação"? É entregando as casas com inquilinos idosos às rendas especulativas, expulsando-os das suas casas? É facilitando os despejos? É desregulando totalmente as rendas, entregando-as ao negócio?

Como é que num país com mais de meio milhão de casas vazias, em que cerca de 300 mil estão fora do mercado de venda e arrendamento, um número superior às carências de habitação, se acredita que o problema da falta de casas para arrendar é as casas com inquilinos que têm, supostamente, rendas baixas? Porquê colocar o centro da política de arrendamento sobre as casas com rendas antigas, querendo liberalizá-las, para ilogicamente responder à questão da falta de casas para arrendar?

E diga-se que essas rendas antigas, ao abrigo do actual NRAU, podem já ser actualizadas faseadamente caso seja pedida avaliação fiscal do imóvel e as casas não tenham um estado de conservação mau ou péssimo, um recurso muito pouco utilizado pelos senhorios. Talvez porque não queiram pagar os impostos que correspondem ao valor real do imóvel? Ou não façam as obras de conservação periódicas a que estão obrigados por lei?

Como se explica que em período de crise social, com 2 milhões de pobres, mais de 700 mil desempregados, corte de salários e congelamento de pensões, redução das prestações sociais, aumento dos impostos, a solução para o mercado habitacional seja agravar as rendas ou facilitar a expulsão de quem não consegue pagar?

Como se explica querer desregular completamente o mercado de arrendamento, indo mais longe do que todas as revisões da lei do arrendamento foram neste campo? Todos os caminhos seguidos de liberalização das rendas não resolveram o problema da habitação no país: os censos mostram claramente que diminuíram as casas para arrendar, as rendas mantiveram-se altas, cresceram os fogos devolutos. Não é razoável que as rendas sejam reguladas para estarem associadas ao valor patrimonial do imóvel e não à especulação, como hoje acontece?

Quanto às medidas propostas pela troika e o Governo para a renovação urbana, todas vão no mesmo sentido. Agilizar os procedimentos administrativos de tal forma que a reabilitação significa manter a fachada para reconstruir as casas por dentro: ou seja, trata-se de nova construção e não de reabilitação. E, neste processo, claro que interessa expulsar os inquilinos para se avançar com estas obras para fazer grandes apartamentos de luxo e condomínios apenas para alguns. É isto que já as propostas inscritas na Iniciativa Competitividade e Emprego, aprovadas pelo Governo em Dezembro de 2010, previam: uma revisão do NRAU precisamente para agilizar só em benefício dos interesses imobiliários e não dos inquilinos, também aqui facilitando a sua expulsão.

Nós percebemos o objectivo da troika PS, PSD e CDS-PP. É reduzir salários e pensões, agora através dos custos elevados da habitação. E para beneficiar quem? Não é certamente os idosos que vivem nas suas casas há décadas, nem quem já recorreu ao arrendamento como opção de habitação, nem a quem vê parte importante do seu salário a ir para os bolsos dos senhorios do mercado livre ou da banca que viveu tanto tempo dos créditos à habitação.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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