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O que acontece depois de 4 de Novembro?

A provável eleição de Barack Obama vai marcar o fim de um período de domínio conservador em Washington. Mas tudo o que sabemos sobre ele sugere que se irá manter um político cauteloso e moderado.

Do Socialist Worker , EUA, 24/10/2008

A duas semanas das eleições de 4 de Novembro, os democratas estão convictos de uma vitória esmagadora.

A via está aberta para a eleição do primeiro presidente afro-americano - um verdadeiro marco histórico num país construído sobre a escravatura. Menos de meio século depois do sistema de apartheid de Jim Crow ter sido destronado no Sul dos EUA, um homem negro está prestes a entrar na Casa Branca.

O Senado parece encaminhar-se para uma supermaioria democrata - atingindo ou chegando próximo dos 60 lugares necessários para anular até uma filibuster1 republicana, a táctica de protelação historicamente utilizada para bloquear a legislação.

Para um bastião conservador, como a direcção editorial do Wall Street Journal, isto é motivo de pânico.

"Embora duvidemos que a maior parte dos americanos se aperceba disto, esta seria uma das mais profundas mudanças políticas e ideológicas na história dos EUA", declara o editorial do Journal. "Os liberais dominariam todo o governo, como já não acontecia desde 1965 ou 1933. Por outras palavras, a eleição marcaria o regresso do governo activista que perdeu o apoio público na década de 70".

Entre os horrores citados no editorial: a provável aprovação de um programa de cuidados de saúde Medicare para todos, a rápida sindicalização, ao abrigo da nova lei de Livre Escolha do Empregado (Employee Free Choice Act), impostos mais elevadas para os ricos, e regulações mais rígidas nos negócios.

O que para o Journal parece um pesadelo, vai soar como um sonho tornado realidade para milhões de trabalhadores.

O reinado de George W. Bush - com redução de impostos para os ricos, guerras infinitas, violações das liberdades civis e agora a pior crise económica desde 1930 - está a chegar ao fim. Mais vai Obama realmente trazer o tipo de mudança abrangente que os grandes empresários receiam - e à qual os trabalhadores dariam as boas vindas?

Certamente, haverá algumas importantes mudanças imediatas, tais como a reversão dos cortes nos impostos dos ricos feitos por Bush. Mas um olhar mais atento a Obama - a sua vaga promessa de mudança, o seu registo de votações no senado e o profundo alinhamento com o establishment dos seus assessores - sugere que ele continuará a ser um político moderado, cauteloso, na Casa Branca.

* * *

No início da sua campanha, Obama captou a energia daqueles que estavam mais descontentes com Bush e os republicanos, e a dos mais determinados a lutar por novas prioridades políticas. Legiões de jovens voluntários deram a Obama uma vantagem em relação à máquina política bem estruturada de Hillary Clinton, e permitiram-lhe ganhar o papel de intruso contra o rotineiro grupo clintonita.

Durante a campanha, Obama evocou a história dos movimentos sociais pelos direitos civis e a organização sindical, e ocasionalmente fez propostas políticas progressistas, tais como indexar o salário mínimo de formar a acompanhar a inflação.

Mas logo que Obama ultrapassou Clinton, virou à direita, destacando os seus mais influentes apoiantes democratas e reduzindo a retórica de "movimento". Assim, quando Clinton fez o seu grosseiro apelo, baseado na raça, aos "americanos que trabalham muito, americanos brancos", Obama assumiu a voz do centro democrata. Em vez de enfraquecer o apelo de classe de Clinton, avançando o seu próprio projecto agressivo a favor dos trabalhadores, Obama simplesmente cumpriu o calendário das primárias.

Assim que garantiu a nomeação, Obama inclinou-se ainda mais acentuadamente à direita, tomando uma posição na questão Israel-Palestina ainda mais pró-sionista do que Bush, e comprometendo-se diante dos cubanos direitistas a fazer uma oposição dura aos "radicais da América Latina". O seu plano de "retirada" do Iraque deixa dezenas de milhares de militares americanos nesse país, e prometeu aumentar muito o envolvimento na guerra no Afeganistão.

Na política doméstica, Obama tranquilizou os empresários, escolhendo para principal conselheiro económico Jason Furman, um suposto liberal académico, conhecido pela defesa das políticas laborais da Wal-Mart. E claro, Obama, apesar de se apresentar como um outsider de Washington, escolheu como seu vice-presidente Joe Biden, o perfeito senador insider.

Essa abordagem de Obama para todos os gostos abriu as portas à recuperação de John McCain. A seguir à Convenção Nacional Republicana, ele e a sua vice-presidente, Sarah Palin, a favorita da Direita Religiosa, até ultrapassaram Obama nalgumas sondagens de opinião.

Esta vantagem teria provavelmente desaparecido à medida em que os eleitores se familiarizassem com as políticas de extrema-direita de Palin e com as multidões racistas nos eventos da campanha republicana.

Mas a crise financeira de Wall Street atingiu um novo patamar crítico, e desde então McCain entrou em queda livre, porque os eleitores culpam os republicanos pelo pânico financeiro. Por mais distância que McCain e Palin pretendam colocar entre si e George W. Bush, o partido Republicano é cada vez mais visto como nos primeiros dias da Grande Depressão sob a presidência de Herbert Hoover - como sendo o responsável pela chegada de tempos difíceis.

O resultado é que Obama e os democratas podem cavalgar uma esmagadora onda de raiva - e de esperança - que os conduzam à Casa Branca.

Mas Obama não merece o voto das pessoas que estão comprometidas com as políticas independentes da classe trabalhadora e com a transformação social fundamental. A "mudança" que propõe está dentro de limites estritos que são aceitáveis pelos financiadores empresariais da sua campanha e pelas figuras políticas proeminentes que o apoiaram, como o general na reserva e ex-Secretário de Estado Colin Powell, que promoveu agressivamente a guerra do Iraque, à qual Obama se opôs.

Uma grande vitória democrata não significa necessariamente "um período de ascendência descontrolada da ala esquerda" como sugere o Wall Street Journal. Os anos de 1933 e 1965 citados pelo Journal como precedentes de hoje foram anos de mudança mundial não devido aos presidentes que assumiram funções, mas por causa da pressão de massas vinda de baixo - as agitações do movimento da classe trabalhadora na década de 1930 e do movimento dos direitos civis na década de 1960.

Existe actualmente uma dinâmica semelhante. Uma grande vitória de Obama vai aumentar as expectativas de mudança - mas se ela é ou não alcançada, depende do nível da política, da organização e da luta vindos de baixo.

Tradução de Joana Valdez

1Atraso propositado de uma discussão ou debate; o senador prolonga o seu discurso indefinidamente para tentar evitar uma tomada de decisão.

(...)

Neste dossier:

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