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O problema dos professores é político
Numa altura em que crescem as tensões entre sindicatos e "movimentos" de professores, a discussão sobre as formas de organização da classe docente é motivo para muitas opiniões. Miguel Pinto, no seu blogue "O Olhar do Miguel", escreveu um post sobre este assunto que deu que falar e que reproduzimos abaixo. Veja também as respostas de Paulo Guinote e de Ramiro Marques.
Na natureza e nas organizações humanas, são óbvias as vantagens da acção colectiva organizada quando se trata da defesa dos indivíduos do grupo face a predadores ou, no caso das organizações humanas, face a adversários políticos. Na luta política, ninguém sobrevive sozinho!
Creio que os professores ainda não perceberam esta evidência e continuam a agir no terreno da luta política com uma ingenuidade lancinante. O posicionamento de muitos professores face às associações profissionais que os representam, bem ou mal, tem sido o calcanhar de Aquiles da classe [admitamos que existe, de facto, uma classe profissional de professores].
Este governo já percebeu esta fragilidade e desde muito cedo desenhou uma estratégia para fazer ruir o edifício associativo dos professores, isolando-os, em primeiro lugar, pela via da criação do conselho de escolas [criando uma estrutura pseudo representativa das escolas e também dos professores, mais dócil e amigável... e dependente da hierarquia ministerial], e em segundo lugar, pela via do não reconhecimento da representatividade sindical.
Creio que ficarei dispensado de fundamentar a minha crença de que esta investida do governo sobre a classe docente não é inocente. Com o tempo, até os mais cépticos perceberam que as razões economicistas prevaleceram face às razões pedagógicas embora a retórica do governo teimasse em afirmar o contrário.
Houve momentos em que a estratégia do governo teve reveses. A manifestação dos 100 mil professores, um extraordinário espasmo colectivo, levou o governo a recuar e a reorganizar-se na investida contra os docentes. Terá sido o momento de viragem na opinião publicada até então claramente acrítica diante das propostas de mudança no sistema escolar. O governo aprendeu. E não me parece expectável que repita o erro de provocar a mudança abrupta em áreas tão diversas como o fez nesse período. A acção do governo passou a ser pautada por uma intervenção mais cirúrgica, mais localizada, evitando a convergência dos insatisfeitos.
A balcanização disciplinar, o isolamento profissional, o individualismo, são expressões de uma cultura profissional propensa à não participação dos professores nas suas organizações socioprofissionais. Os sindicatos têm sido acusados, umas vezes justa outras injustamente, de se deixarem enredar por interesses políticos partidários alheios aos interesses dos professores e nem a constituição de uma frente comum de sindicatos, constituída com o objectivo de combater as políticas deste ME, conseguiu uma base de apoio consistente para enfrentar o governo. Ora, sem um braço político forte, os professores continuarão a ser sistematicamente manietados, sem qualquer resistência, pelo poder instituído que se deixa vergar diante dos grupos de pressão de origem financeira muito preocupada em manter o Estado enformado por uma matriz neoliberal e neoconservadora: É que as políticas de educação não podem ter empecilhos no terreno e os professores não podem andar de rédea solta.
Sem renegar a importância dos movimentos/grupos de professores na sensibilização da população em geral e da opinião publicada em particular, é um facto insofismável que nenhum destes movimentos será capaz de fazer recuar o governo nas suas pretensões de aniquilar a escola pública de qualidade.
O governo, por seu lado, continua a gerir o conflito com os professores do modo que mais lhe convém e já deu mostras de que o tema da escola e da educação será o seu terreno, o campo de batalha para a disputa eleitoral. E o mais grave é que os restantes partidos políticos acabam por legitimar, através do seu silêncio, o valor das políticas errantes.
O que fazer?
Sejamos pragmáticos por uma vez:
1. Já se percebeu que o professorado está focado e imerso no seu trabalho diário e que não é afoito à iniciativa política.
2. Não é possível vencer uma batalha política sem a acção política.
3. Os sindicatos são as únicas organizações socioprofissionais que reúnem as condições mínimas para manter um braço de ferro com o governo em tempo útil, isto é, até às próximas eleições. Precisam, em primeiro lugar, de ter o apoio dos professores na escola situada, dos professores fazedores de opinião, dos Ramiros e dos PGuinotes, dos movimentos e dos grupos.
4. Os sindicatos só podem enfrentar este governo se tiverem a disponibilidade dos professores para a luta. Eu sei que o memorando de entendimento não agradou a muita gente. Sei que alguns se sentem enganados e traídos. Outros estão descrentes. Muitos estão fartos de política e de luta política! Sem querer passar uma esponja pelos problemas mal resolvidos entre os professores e os sindicatos, é preciso fixar o alvo central da nossa contestação - este governo. Nas próximas reuniões sindicais há que intervir, participar, pressionar as direcções sindicais a agir de acordo com as deliberações tomadas nessas reuniões.
5. Detesto discursos maniqueístas mas não vislumbro outras alternativas para combater o vírus do problema: Se as houver, serei todo ouvidos!
Adenda: Disse e mantenho que não me agradam perspectivas maniqueístas na acção política porque conduzem, normalmente, a um ponto de não retorno. Mas parece-me evidente que este governo continuará a desqualificar a função docente, sem deixar alternativa àqueles que lutam contra a proletarização da docência: é uma questão de sobrevivência profissional. Creio que este meu posicionamento será tudo menos controverso.
O que parece suscitar pruridos é a solução que propus: recorrer aos sindicatos como braço político para defender a profissão. Vi a defesa de duas alternativas políticas por um colega que julgo pertencer a um dos "movimentos". Sugere o colega a criação de uma Ordem e a criação de um partido político de professores. Admitamos por hipótese que uma ou mesmo as duas propostas são viáveis embora uma e outra tenham diferentes condições de sustentação. Ninguém acreditará, nem mesmo os autores da proposta, digo eu, que surjam quaisquer efeitos políticos até às próximas eleições.
O PGuinote coloca algumas questões marginais quanto ao entendimento entre sindicatos e quanto ao modo como são atraídos os elementos afectos aos "movimentos". São reservas quanto a viabilidade da Plataforma Sindical, reservas justificadas pelas desavenças mal disfarçadas no pós-memorando. Eu não tenho qualquer dúvida: se os professores manifestarem o desejo de ter uma frente comum de sindicatos os problemas entre sindicatos desaparecem nesse momento, como desapareceram no passado recente e quando menos se esperaria. Quanto às acções concretas de cativar os "movimentos ou grupos" eu pergunto se a questão de quem tem a iniciativa da aproximação é relevante. Eu penso que a questão é irrelevante porque os sindicatos farão aquilo que as bases decidirem fazer.
A meu ver é perfeitamente risível perdermos tempo com recalcamentos, traições, ódios e amores. É que este não é o momento oportuno para amuos, como já defendi noutras ocasiões menos exasperantes.
Miguel Pinto
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