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A armadilha do mérito

O discurso neo-liberal conseguiu introduzir na escola uma visão do "mérito" como categoria absoluta, a partir da qual se podem e devem tomar todas as decisões, que têm repercussões definitivas na vida dos alunos e dos professores.

Artigo de Francisco Santos, no blogue (Re)Flexões  

Não foi tarefa muito difícil, até porque a maior parte dos professores embarcou neste discurso. Simultaneamente, o termo "mérito" contém em si a ambiguidade suficiente para se tornar apelativo para quase toda a gente.

Isso acontece porque a generalidade dos cidadãos tem de si própria uma imagem suficientemente positiva, permitindo a cada um considerar que tem mérito em todas (ou pelo menos quase todas) as suas realizações. Dessa forma, em abstracto, toda a gente concorda com o uso do "mérito" como forma de distinguir e seriar as pessoas, nas mais diversas actividades.

O problema reside no facto de ter que se aplicar o "mérito" à seriação e distinção relativa entre pessoas, isto é, ao facto de se usar o "mérito" para comparar os resultados produzidos (resultados finais), fazendo tábua rasa do ponto de partida de cada um e desprezando o respectivo percurso e o processo que determinou esse percurso.

Vem tudo isto a propósito do que vou lendo e ouvindo, da parte de muitos professores, a propósito das comparações entre o modelo de Classificação de Serviço posto em prática pelo ME e a proposta de modelo de Avaliação de Desempenho que a Fenprof colocou à discussão nas escolas.

Na maior parte das discussões, como aqui ou aqui, as intervenções centram-se em torno das menções classificativas ou da representatividade sindical, parecendo haver pouca preocupação com a vertente de melhoria dos processos organizacionais, que uma avaliação (auto e hetero) séria pode e deve induzir.

De caminho esquece-se que o termo "mérito" tem significados diversos, de acordo com os "óculos" de quem o pronuncia.

Imaginemos um professor de Português que tenha uma turma num ano terminal de ciclo (com exame final). Realiza um trabalho sério, planifica esse trabalho criteriosamente, produz materiais interessantes e apelativos para os alunos que partilha com os colegas de departamento e, ainda assim, consegue cumprir todo o programa. Penso poder dizer-se que este professor tem "mérito" no seu trabalho. No entanto, para grande desgosto seu, 20% dos seus alunos reprovam no exame.

Imaginemos agora um colega deste professor que tem também uma turma de português no mesmo ano terminal de ciclo. Este colega cumpre o programa e não falta às aulas, mas limita-se a seguir o manual "à la carte". No entanto, ao contrário do sucedido na outra turma, aqui todos os alunos têm aprovação no exame.

Imaginemo-nos na pele do director desta escola, tendo que atribuir menções classificativas que premiassem o mérito relativo entre os dois professores? A quem atribuir a menção mais elevada?

E quanto aos alunos? O que dizer dos alunos de ambas as turmas? Terão os da segunda turma mais "mérito" ou menos "mérito" do que os seus colegas da outra turma que reprovaram no exame?

E se entretanto descobrirmos que os 20% de alunos que reprovaram vão para casa onde estão sozinhos, sem ter qualquer apoio académico, enquanto que os alunos da segunda turma têm todos explicador de português? Tal facto implicará ou não uma reapreciação do "mérito" de ambos os professores? E dos alunos?

A escola e a educação não podem confundir-se com as actividades empresariais. Nem os professores são operários numa linha de montagem ou vendedores que perseguem objectivos de facturação, nem as escolas são fábricas de encher chouriços ou stands de vendas para escoar mercadorias. Assim sendo, é fundamental clarificar este conceito de "mérito", não tratando de forma igual o que é diverso.

Francisco Santos

(...)

Neste dossier:

Professores em Luta (actualizado)

O actual modelo de avaliação de desempenho de docentes está a provocar o caos nas escolas, impedindo os professores de se concentrarem no mais importante: as aulas e os alunos. Antevê-se um mês de Novembro quente, com muitas escolas a tomarem posição pela suspensão da avaliação e com os professores a voltarem às ruas. Neste dossiê, o Esquerda.net seleciona alguns dos últimos posts mais pertinentes dos blogues de professores, e acrescenta alguns artigos, em permanente actualização.

20 novas escolas por dia pela suspensão da avaliação

O ritmo é impressionante e mostra bem a instabilidade que reina nas escolas graças ao actual modelo de avaliação de desempenho de professores. Nesta semana, há notícias de pelo menos 20 novas escolas por dia a exigir a suspensão da avaliação. Numa escola de Leiria, a avaliação foi mesmo suspensa por decisão dos professores avaliadores, informa o Conselho Executivo.

Sucedem-se escolas em luta contra "avaliação burocrática" de professores

Em catadupa, sucedem-se os abaixo-assinados e as tomadas de posições de escolas pela suspensão deste modelo de avaliação de professores, que acusam de burocrático e de prejudicar a preparação e qualidade das aulas (lista actualizada). Em alguns casos, os Conselhos Pedagógicos decidiram mesmo suspender todos os processos relacionados com a avaliação. E em centenas de escolas o processo nem sequer teve início, tais são as dificuldades.

Escola inteira arrasa actual avaliação de professores

O conselho executivo do Agrupamento de Escolas Aristides de Sousa Mendes (Póvoa de Santa Iria) elaborou um documento, assinado por todos os membros da direcção da escola e pela totalidade dos professores do agrupamento (123 professores, do 1º, 2º e 3º ciclos) exigindo a suspensão deste modelo de avaliação de desempenho e a sua substituição por um processo simplificado. 

Professores: Apelo pede uma única manifestação

Três professores divulgaram um apelo à união de esforços numa única manifestação, "uma só voz, pelo fim do experimentalismo legislativo e pela qualificação da escola pública, e pelo fim da humilhação dos professores que são o seu rosto". Neste momento estão marcadas duas manifestações: uma no dia 8 de Novembro convocada pelos sindicatos, outra no dia 15 convocada pelos movimentos.

Professores: Plataforma diz que suspender avaliação é serviço ao ensino

Em conferência de imprensa nesta sexta-feira, a Plataforma Sindical dos Professores reafirmou a sua exigência de suspensão do processo de avaliação, observando que "cresce o número de escolas que, por motu proprio, suspendem todo o processo." A suspensão, argumentam os sindicatos, permitirá que os professores recentrem a atenção "naquela que é a sua primeira e fundamental missão - ensinar", disse Mário Nogueira. Os sindicatos não consideram que esta exigência signifique não estarem a cumprir o memorando assinado com o governo em Abril.

Ministra apela às escolas para que não apliquem a lei

A ministra da Educação enviou uma circular às escolas de todo o país para dispensá-las do cumprimento da obrigação legal de publicar a delegação de competências na avaliação de professores em Diário da República. Mas o fundamento da ordem ministerial é uma lei que não existe e que, a ser aprovada, só entrará em vigor em Janeiro de 2009.

Bloco quer suspensão desta avaliação de professores

O Grupo parlamentar do Bloco de Esquerda entregou na Assembleia da República um projecto de resolução com vista à suspensão do actual modelo de avaliação de professores, considerado "burocrático e inadequado" e responsável pela instabilidade e "pandemónio" que se vive nas escolas. Em alternativa, o Bloco propõe "a adopção faseada de um novo modelo de Avaliação de Escolas e Docentes, formativo, integrado e participado".

A polémica das duas manifestações

Com uma diferença de apenas uma semana, estão marcadas duas manifestações nacionais de professores em Lisboa. Uma no dia 8 de Novembro convocada pela Plataforma Sindical e outra no dia 15 de Novembro, oficializada por novos movimentos de professores. Entretanto, multiplicam-se apelos para que sindicatos e movimentos convirjam para uma única grande demonstração de força dos professores. O Esquerda.net seleccionou alguns dos principais posts que correm na blogosfera e que versam sobre esta polémica.

A armadilha do mérito

O discurso neo-liberal conseguiu introduzir na escola uma visão do "mérito" como categoria absoluta, a partir da qual se podem e devem tomar todas as decisões, que têm repercussões definitivas na vida dos alunos e dos professores.

Professor Avaliador demite-se do cargo

Eu, abaixo-assinado, venho por este meio apresentar ao Conselho Executivo, ao Conselho Pedagógico e à Comissão de Coordenação da Avaliação do Desempenho do Pessoal Docente da Escola Secundária Alcaides de Faria, o meu pedido de demissão do cargo de avaliador para o qual fui indigitado e sobre o qual ainda não iniciei funções.

O que faz correr a Ministra da Educação?

De facto, o novo modelo de avaliação docente, que segundo a Ministra da Educação, tem como objectivo fundador a melhoria das práticas dos professores e a instituição do rigor na avaliação, mais não visa do que a consecução do paradigma educativo neoliberal.

Um Olhar Externo

O Jorge do Fliscorno deixou um comentário que merece destaque, pelo olhar que nos traz, exterior, ponderado, lúcido, mesmo se por vezes dizendo o que nem todos gostam de ler. No entanto, é nestas alturas que, mesmo que embalados, se torna indispensável ponderar outras perspectivas.

As mil e uma tarefas dos professores

O governo tentou criar uma imagem distorcida dos professores, conotando-os com o absentismoe a falta de empenho. Uma imagem que colou numa parte da opinião pública. Neste post, Mário Carneiro responde a um cidadão que está convencido que os professores não trabalham.

O governo socratino no país das maravilhas

Era uma vez um País (das maravilhas) onde havia um governo que estava a um ano de eleições, e cujo primeiro ministro tinha um sonho. Era um "sonho em grande", que se traduzia na ambição de continuar a ser primeiro ministro depois das tais eleições. Ora, como a maior parte das contas que o primeiro ministro e os seus especialistas de propaganda e marketing tinham feito no início da legislatura tinham saído furadas, restava ao governo uma bandeira - o "sucesso escolar".

O desabafo dos professores também se faz com poemas

A burocracia e o autoritarismo com que as medidas deste ministério da educação inundaram as escolas levou vários professores a redigirem poemas como forma de desabafo, mas também de sátira acutilante. O Esquerda.net escolheu para publicação quatro curtos poemas que circularam na blogosfera.

O problema dos professores é político

Numa altura em que crescem as tensões entre sindicatos e "movimentos" de professores, a discussão sobre as formas de organização da classe docente é motivo para muitas opiniões. Miguel Pinto, no seu blogue "O Olhar do Miguel", escreveu um post sobre este assunto que deu que falar e que reproduzimos abaixo. Veja também as respostas de Paulo Guinote e de Ramiro Marques

Felizmente há blogs!

Os sindicatos deveriam compreender e acarinhar o contributo exemplar desta participação cívica que diz respeito a milhares de colegas. Afastar os autores dos blogs ou os movimentos que se foram gerando da marcha do dia 8 de Novembro, ou de algum modo empurrá-los para fora, seria um crime e não apenas uma estupidez!

Fenprof apresenta modelo de avaliação alternativo

A Federação Nacional de Professores apresentou recentemente um conjunto de linhas orientadoras para a construção de um novo modelo de avaliação dos docentes, alternativo ao do governo. Esta proposta baseia-se na auto-avaliação e na co-avaliação além de prever também a avaliação externa das escolas. O documento vai ser discutido com os professores, no interior das escolas, para ser enriquecido e posteriormente apresentado ao Ministério da Educação e à sociedade.

Metade dos professores tem mais de 100 alunos

No passado dia 27 de Junho, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda promoveu uma Audição Pública sobre Políticas Educativas na Assembleia da República, na qual participaram várias dezenas de professores e cidadãos. Durante a sessão foram apresentados os principais resultados do inquérito realizado durante o mês de Maio a educadores e professores do ensino básico e secundário. 

O negócio do Magalhães

O email que a Directora Regional da Educação do Norte, Margarida Moreira, dirigiu (...) às escolas traz um anexo que tem uma declaração para ser assinada pelos pais e encarregados de educação a comprometerem-se com a adesão ao serviço de Banda Larga das operadoras aderentes ao Programa Magalhães: Zon, TMN, Vodafone e Optimus. Em toda a minha longa vida de professor, e já ensino há 34 anos, nunca vi um serviço do Estado promover operadoras privadas de Internet.

As caricatas formações de professores sobre o "Magalhães"

Sou coordenador TIC do meu Agrupamento de Escolas e fui convocado para me deslocar ao parque tecnológico de Cantanhede para receber formação sobre o tão propalado portátil Magalhães. Lá fui eu para dois dias de trabalho, cujo programa era, em 90%, composto pela expressão «jornada de trabalho com a Intel». Hoje estou aqui para relatar aquilo que se passou naqueles dois dias, e se o estou a fazer, é porque algo de relevante se passou.

Lista de Blogues

Apresentamos aqui uma listagem de 30 blogues, onde pulsa a indignação dos professores.