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O desabafo dos professores também se faz com poemas
A burocracia e o autoritarismo com que as medidas deste ministério da educação inundaram as escolas levou vários professores a redigirem poemas como forma de desabafo, mas também de sátira acutilante. O Esquerda.net escolheu para publicação quatro curtos poemas que circularam na blogosfera.
O Não professor do ano
Faço projectos, planos, planificações;
Sou membro de assembleias, conselhos, reuniões;
Escrevo actas, relatórios e relações;
Faço inventários, requerimentos e requisições;
Escrevo actas, faço contactos e comunicações;
Consulto ordens de serviço, circulares, normativos e legislações;
Preencho impressos, grelhas, fichas e observações;
Faço regimentos, regulamentos, projectos, planos, planificações;
Faço cópias de tudo, dossiers, arquivos e encadernações;
Participo em actividades, eventos, festividades e acções;
Faço balanços, balancetes e tiro conclusões;
Apresento, relato, critico e envolvo-me em auto-avaliações;
Defino estratégias, critérios, objectivos e consecuções;
Leio, corrijo, aprovo, releio múltiplas redacções;
Informo-me, investigo, estudo, frequento formações;
Redijo ordens, participações e autorizações;
Lavro actas, escrevo, participo em reuniões;
E mais actas, planos, projectos e avaliações;
E reuniões e reuniões e mais reuniões!...
E depois ouço,
alunos, pais, coordenadores, directores, inspectores,
observadores, secretários de estado, a ministra
e, como se não bastasse, outros professores,
e a ministra!...
Elaboro, verifico, analiso, avalio, aprovo;
Assino, rubrico, sumario, sintetizo, informo;
Averiguo, estudo, consulto, concluo,
Coisas curriculares, disciplinares, departamentais,
Educativas, pedagógicas, comportamentais,
De comunidade, de grupo, de turma, individuais,
Particulares, sigilosas, públicas, gerais,
Internas, externas, locais, nacionais,
Anuais, mensais, semanais, diárias e ainda querem mais?
Querem que eu dê aulas!?...
Publicado por Pata Negra no blogue "A Sinistra Ministra"
Migalhães e desigualdades
Lá vem pelo avelar
O filho do Zé João
Vem do centro escolar
Cansado de palmilhar
A caminho da povoação
Não há médico na aldeia
E a antiga escola fechou
Não tem carne para a ceia
Nem petróleo para a candeia
Porque o dinheiro acabou
O seu pai foi para França
Trabalhar na construção
E a mãe desta criança
Trabalha na vizinhança
Lavando pratos e chão
Mas o puto vem contente
Com o Migalhães na mão
E passa por toda a gente
Em alegria aparente
De quem já sabe a lição
Um senhor muito invulgar
Que chegou com mais senhores
Veio para visitar
O novo centro escolar
E dar os computadores
E lá vem o Joãozinho
No seu contínuo vaivém
Calcorreando o caminho
Desesperando sozinho
À espera da sua mãe
Neste país de papões
A troco de dois vinténs
Agravam-se as disfunções
O rico ganha milhões
E o pobre Migalhães
Luís Costa
Sinto-me cansado
Não por trabalhar demais
Mas porque estou atolado
Em papéis e outras coisas tais
Não faço o que adoro fazer
Ensinar a aprender
Ajudar a crescer
E com isso rejuvenescer
E lá na minha escola
Ainda não há Magalhães
Nem tubos de cola
Ou até manuais
Se marco falta sou intransigente
Se não marco, sou incompetente
Se quero ser exigente
Não serei um "Excelente"
No fim do ano, tenho de todos "aprovar"
Mesmo aqueles que andaram a brincar
E dos meus impostos a rir
E ainda posso com isso não "progredir"
Afinal, isto de ser professor
Já dizia o velho ditado
"É-se preso por ter cão
Ou até por cão não ter"
Publicado no blogue Ondas de Reflexos
Na escola da Ana Maria
Na escola d'Ana Maria
Já não há paz nem alegria:
Há vaidade e presunção
Há soberba e inquisição
E pura demagogia!
Na escola d'Ana Maria
Morreu a harmonia!
Na escola d'Ana Maria
Reina a burocracia:
Há papéis e papelões
Relatórios e avaliações
E portefólios de fantasia!
Na escola d'Ana Maria
Morreu a pedagogia!
Na escola d'Ana Maria
Grassa a autocracia:
Há chuva de normativos
Há órgãos deliberativos
Há avisos e editais
Há actos eleitorais
Mas quem manda é o ditador!
Na escola d'Ana Maria
Morreu a Democracia!
Luís Costa
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