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O fim da discriminação no casamento e o medo do Partido Socialista

Nestas questões de fundo, sobre direitos fundamentais, medem-se a coragem e os princípios de cada um. E podem avaliar-se as responsabilidades dos partidos. A primeira reacção do Partido Socialista ao agendamento da proposta do Bloco é extraordinária: a questão é fracturante, não consta do programa eleitoral e portanto não pode haver uma opinião do PS sobre o assunto. Apesar disso, o PS é contra o reconhecimento desse direito e quer impor disciplina de voto a todos os seus deputados.

Entre e Maio e Junho deste ano, o Bloco percorreu o país com as Jornadas SEM MEDOS - contra a homofobia. Nessas Jornadas, levantámos a discussão sobre a discriminação da população LGBT e apresentámos ideias para a combater. Visibilidade da diversidade, educação sexual nas escolas, fim da discriminação na doação do sangue, criação do Dia Contra a Homofobia, facilitação das denúncias e formação das forças de segurança foram algumas das propostas apresentadas. Além disso, tornámos público, logo no lançamento das Jornadas, que agendaríamos o projecto de lei para alargar o direito ao casamento a todas as pessoas, independentemente da orientação sexual. Dia 10 de Outubro, o Parlamento vai votar esse projecto.

Desde Maio que a discussão em torno do casamento reacendeu. Quando tornámos pública a nossa intenção de o agendar para o início desta sessão, sucederam-se notícias nos jornais, fóruns nas rádios, debates. Entretanto, saíram dois livros sobre o assunto. E a Juventude Socialista, depois do Fórum Internacional que o Bloco realizou em Lisboa, fez uma conferência no Parlamento sobre o assunto. Afirmou o seu líder, então, que só estavam à espera do Bloco para avançar. Chegou a hora.

O alargamento do direito ao casamento a todas as pessoas é uma questão de respeito e de igualdade. É um direito que não retira nada a ninguém, apenas acrescenta, que não cria nenhuma condição de excepcionalidade, mas de igualdade. É reconhecer a possibilidade de duas pessoas que querem oficializar a sua relação o poderem fazer e, assim, terem os direitos decorrentes do casamento, poderem escolher e ser felizes. É uma condição do cumprimento da Constituição, que no seu artigo 13º proíbe a discriminação em função da orientação sexual. E é uma luta que implica e tem consequências do ponto de vista do Estado e da sociedade. Do Estado, porque este terá sempre uma legitimidade diminuída para combater a homofobia enquanto ainda existirem leis que são, na sua essência e na sua prática, homofóbicas: não pode haver um direito que o Estado só reconhece aos cidadãos de uma determinada orientação sexual - e é isso que, hoje, acontece com o casamento. Da sociedade, porque o reconhecimento do casamento muda a percepção social que as pessoas têm acerca da própria homossexualidade, dessacraliza o casamento enquanto instituição heterosexista e religiosa, torna o conjunto da sociedade mais respeitador da dignidade de toda a gente, torna as relações entre pessoas do mesmo sexo mais visíveis, mais reconhecidas, logo, mais aceites.

Nestas questões de fundo, sobre direitos fundamentais, medem-se a coragem e os princípios de cada um. E podem avaliar-se as responsabilidades dos partidos. A primeira reacção do Partido Socialista ao agendamento da proposta do Bloco é extraordinária: a questão é fracturante, não consta do programa eleitoral e portanto não pode haver uma opinião do PS sobre o assunto. Apesar disso, o PS é contra o reconhecimento desse direito e quer impor disciplina de voto a todos os seus deputados. Da JS, nenhuma voz se ouviu ainda a contrariar esta ideia.

Os argumentos do PS são os argumentos covardes. Primeiro, porque o argumento das "questões fracturantes" como desculpa para a fuga está estafado. Não há nada mais fracturante que o Código de Trabalho, que divide o país e suscita opiniões diferentes e contraditórias: sobre essa questão, o PS não hesita em escolher o seu lado. Em segundo lugar, porque o argumento de que o programa eleitoral não falava disso é uma anedota vindo de quem vem: os deputados do PS não se importaram de votar contra o referendo ao Tratado Europeu, apesar de ele constar do programa eleitoral. Nem nunca se importaram de fazer e aprovar leis que não estavam especificadas nesse programa, como a do divórcio. Usá-lo como desculpa para não se comprometerem com um direito que faz cumprir a Constituição é pura e simplesmente oportunista. Em terceiro lugar, a imposição da disciplina de voto é reveladora do autoritarismo da direcção do Partido. No PS há opiniões diferentes e toda a gente sensata, de todos os partidos representados na Assembleia da República, percebe que é um acto de elementar justiça o reconhecimento da diversidade e o fim da discriminação no casamento. Mas a direcção do PS quer proibir os seus deputados de agirem de acordo com a sua consciência, em nome de uma estratégia eleitoral e de uma táctica de partido. O PS não quer reconhecer os direitos LGBT e tem medo e vergonha de ser associado aos "gays" num ano de eleições.

Perante isto, resta esperar que haja, no Parlamento, muitos deputados que ponham os valores da igualdade e do bom senso à frente dos seus cálculos de carreira e da obediência à direcção e que assumam orgulhosamente a luta contra a discriminação. O Bloco faz agora o que sempre disse e assume o seu compromisso com a liberdade e com a igualdade de todos, sem excepção. Precisaríamos que, no país, fosse assim toda a Esquerda. Há momentos em que a palavra ou o silêncio nos definem.

José Soeiro

(...)

Neste dossier:

Dossier LGBT (actualizado)

Em Junho do ano passado o Esquerda.net elaborou o "Dossier LGBT: Acabar com a homofobia". Agora que este tema volta à ordem do dia com a discussão do projecto de lei do Bloco que visa permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, decidimos republicar alguns dos artigos anteriores (actualizando-os), e adicionámos as diversas opiniões e vídeos sobre esta temática que o esquerda.net foi divulgando desde então.

Casamentos homossexuais: Entrevista a António Poveda

Antonio Poveda é Presidente da Federação Estatal (Espanha) de Lébicas, Gays e Transgéneros (FELGT) e veio a Portugal para participar na audição parlamentar sobre casamentos homosexuais que o Bloco de Esquerda promoveu esta terça-feira. Nesta entrevista ao esquerda.net fala-nos sobre a lei dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo aprovada há 3 anos em Espanha, revelando supresa pela falta de coragem do PS português em apoiar esta alteração legal.

Homossexuais católicos defendem casamento

O grupo homossexual católico Rumos Novos defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo para acabar com a discriminação, assumindo uma posição contrária à Igreja Católica. "O casamento entre pessoas do mesmo sexo é a coisa certa para fazer", afirma o grupo em comunicado. A Igreja Católica defende que, "do ponto de vista da concepção religiosa católica, não pode ter o mínimo fundamento o casamento homossexual".

PS: O coma ideológico

O PS tem um pudor muito selectivo... Sobre as inúmeras promessas não cumpridas e as mentiras eleitorais que lhe permitiram a eleição (criar 150 mil novos postos de trabalho; não subir os impostos) nunca houve, sequer, um vislumbre de arrependimento das boas consciências que agora referem a falta de «legitimidade social» para aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O PS vota contra o quê?

O vice-presidente da Bancada do PS, Strecht Ribeiro, disse: "Não votaremos contra o casamento entre homossexuais, mas contra o oportunismo político do Bloco de Esquerda". Esta declaração, tão enigmática como insólita, merece alguma reflexão, sobretudo quando o Bloco esperou dois anos para agendar esta proposta, na esperança de que o PS ganhasse um pouco de coragem política no entretanto. Em vão. Contra o que vota o PS então?

O direito a ser gay ou lésbica no trabalho

No dia 10 de Outubro, poder-se-á fazer História, em Portugal. Reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo género, permitirá, não só, avançar no sentido do reconhecimento dos direitos fundamentais e da não discriminação como também, aceder a direitos laborais até agora vedados.

Para que serve a JS?

A Juventude Socialista decidiu, em Maio, colocar grandes cartazes em Lisboa e no Porto a defender o alargamento do casamento a todas as pessoas. Fez disso bandeira e imagem de marca. Já tinha feito um discurso há dois anos sobre o Dia Mundial Contra a Homofobia no Parlamento. Curiosamente, os deputados da Juventude Socialista nunca propuseram ao Parlamento que aprovasse a instituição desse dia. E, mesmo tendo anunciado um projecto de lei sobre o casamento, esse projecto nunca viu a luz do dia.

O fim da discriminação no casamento e o medo do Partido Socialista

Nestas questões de fundo, sobre direitos fundamentais, medem-se a coragem e os princípios de cada um. E podem avaliar-se as responsabilidades dos partidos. A primeira reacção do Partido Socialista ao agendamento da proposta do Bloco é extraordinária: a questão é fracturante, não consta do programa eleitoral e portanto não pode haver uma opinião do PS sobre o assunto. Apesar disso, o PS é contra o reconhecimento desse direito e quer impor disciplina de voto a todos os seus deputados.

Entrevista a Louis-George Tin, promotor do Dia Internacional contra a Homofobia

Louis-George Tin, activista dos direitos LGBT e também porta-voz das associações negras de França, é o promotor do Dia Internacional Contra a Homofobia e participou no Fórum Internacional Sem Medos organizado pelo Bloco de Esquerda. Nesta entrevista ao Esquerda.net, fala-nos da discriminação LGBT em ambos os hemisférios do mundo e nas relações entre o racismo e a homofobia.

Jornadas contra a homofobia

Durante os meses de Maio e Junho, o Bloco de Esquerda promoveu as jornadas contra a homofobia, que culminaram no Fórum Internacional Sem Medos, realizado em Lisboa a 14 de Junho. O esquerda.net fez a reportagem e aproveitou também para entrevistar Louis-George Tin, o promotor do Dia Internacional contra a Homofobia.

A Batalha de StoneWall: marco do movimento LGBT

Em Nova York, no dia 28 de Junho de 1969 o bar Stonewall-Inn foi local de mais uma rusga policial - mais uma vez sob a alegação de falta de licença para a venda de bebidas - e todos os travestis que se encontravam no bar foram presos. Mas, ao contrário das outras vezes, as pessoas resolveram resistir, em solidariedade com os presos. O clima foi ficando cada vez mais tenso. Gays e lésbicas de um lado, os polícias do outro e os travestis presos. Depois de dois dias de confrontos intensos, a polícia desistiu. Esta data fica na história do movimento LGBT como o dia do Orgulho Gay, motivando, em todos os inícios de Verão, paradas e marchas pelo mundo inteiro. 

Homossexualidade é crime em 75 países (actualizado)

A homossexualidade é ainda punida por lei em cerca de 75 Estados. Em muitos países, a condenação pode ir além de dez anos de prisão; por vezes, a lei prevê a prisão perpétua e, nalgumas nações, a pena de morte tem sido efectivamente aplicada.

O movimento LGBT em Portugal: datas e factos (actualizado)

Neste artigo, preparado por Bruno Maia e João Carlos Louçã, é possível aceder às datas mais importantes para o movimento LGBT em Portugal nos últimos 100 anos. Só em 1982 se dá a descriminalização da homossexualidade e é em 1999 que Lei das Uniões de Facto passa a aplicar-se também aos casais homossexuais, apesar de ainda carecer de regulamentação. Pelo meio, ficam inúmeras episódios de homofobia e discriminação, mas também a criação de movimentos que vieram dar visibilidade à luta LGBT. 

LGBT em Portugal: a maioria continua no armário

Uma distância gigantesca separa uma minoria sobretudo gay, urbana, informada, consumista e hedonista, relativamente integrada e emancipada - nem sempre mais assumida - com um nível e contexto de vida que permite viver "homossexualmente", mas que é em grande medida conservadora, indiferente ao movimento, pouco solidária e preconceituosa. E temos no reverso da medalha uma maioria obscura de LGBT's sem condições para uma emancipação ou para qualquer tipo de visibilidade, em que continuam a misturar-se gays e lésbicas que ocultam a sua orientação sexual por trás de uma aparência hetero, homens casados que engatam no IP5 ou nos jardins das cidades, jovens torturados entre o preconceito e uma identidade que não querem reconhecer em si mesmos.

Iniciativas e propostas do Bloco de Esquerda (actualizado)

O Bloco de Esquerda tem vindo a demarcar-se dos restantes partidos como um movimento moder­no e defensor de uma democracia aprofundada. O seu programa resulta da aliança entre a luta pelo fim das desigualdades sociais e económicas - agravadas pelas políticas neo-liberais - e as lutas pelo fim das desigualdades identitárias - agravadas pelo neo-conservadorismo e pelo novo moralismo reinante. Em suma, o Bloco é um movimento que luta pela igualdade ao mesmo tempo que luta pela diversidade.

Excerto do programa eleitoral do Bloco de Esquerda para as Legislativas de 2005

Links úteis pela defesa dos direitos LGBT

Aceda aqui aos links para várias organizações, a nível nacional e internacional, que lutam contra a discriminação de que é alvo a comunidade LGBT. Em Portugal, destaque para a Associação Ilga Portugal, as Panteras Rosa, o Clube Safo e a Associação Não te Prives. A nível internacional, não deixe de aceder ao site da Campanha contra a homofobia na Polónia, um país cujo actual Governo tem atacado intensamente todos os LGBT.
Leia mais para aceder aos respectivos links.

Imprensa, capitalismo ou a subtil contra-ofensiva conservadora

Comentando a presença de 3 milhões de pessoas na Marcha do Orgulho em S. Paulo [2007], a generalidade da imprensa portuguesa referia a festa por oposição à presença de uma agenda reivindicativa. Nos breves espaços informativos que a notícia conquistou a imagem era o seu elemento mais nobre e o discurso em directo dos participantes (mas não organizadores do evento) justificava com naturalidade essa ausência da política. A notícia tornou-se relevante, não pela enorme massa humana que a concretizou nem nas condições específicas em que o fez, mas pelo facto de ter sido interpretada exclusivamente pelo seu lado comemorativo.