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Regiões e interioridade em debate no Socialismo 2008

Gaspar Martins Pereira, professor de História Contemporânea e um dos nomes associados à preservação da história e da memória do Douro, participa no Socialismo 2008 com uma comunicação sobre regiões e interioridade, um tema que regressa ao debate político e às propostas da esquerda.

 

 

 

Eis um excerto da introdução do texto de apoio a esta comunicação:

O debate sobre a regionalização em Portugal assumiu contornos e significados políticos que estávamos longe de imaginar ainda há poucos anos. A regionalização, que foi entendida, unanimemente e durante quase duas décadas, como uma prioridade nacional do Portugal democrático, constante dos diversos programas partidários e de governo, passou a ser apresentada ora como a ordem do caos e da desagregação do Estado, enfraquecendo a velha «pátria» de mais de oito séculos que passaria a comparecer dividida nos corredores de Bruxelas. Se os vaticínios ridiculamente apocalípticos da «nação em migalhas», num cenário de «balcanização», só poderão servir os delírios populistas mais conservadores, o certo é que tal imagem subliminar está a ser usada em quase todos os discursos antiregionalistas.

E. no entanto, todos sabemos que a ideia de região ganha hoje um novo significado, como lugar estratégico de diferenças e de acção política face à crescente globalização económica e cultural, num mundo em que os poderes tendem a afastar-se cada vez mais dos cidadãos e em que os Estados e as fronteiras tradicionais perderam parte dos seus antigos atributos. O Estado-nação, tal como foi mitificado pelos liberalismos oitocentistas, segundo o quadrilátero povo-Estado-nação-governo, e exacerbado pelas ditaduras deste século, ou mesmo pelo Wellfare State, perdeu terreno. As «economias nacionais» têm vindo a enfraquecer face ao crescimento do papel de entidades transnacionais e multinacionais. As fronteiras políticas, económicas e culturais são abolidas ou redefinem-se em linhas fluidas perante o avanço de políticas transnacionais ou de movimentos de cooperação interregional.

Simultaneamente, a rapidez das comunicações que nos transportam a qualquer ponto do globo pela Internet ou pela CNN e a crise das ideologias que está a reorganizar os nossos medos finisseculares estão a fazer de nós cidadãos planetários. Neste contexto, a questão regional reassume hoje uma importância crescente, não só pela necessidade de reforçar identidades - de ser -, mas sobretudo como um espaço adequado de intervenção cívica - de agir -, entre o nível local e o nacional e também entre o local e o transnacional. Afinal, como escreveu Torga, «o universal é o local sem as paredes» e, por isso, o «agir local» não pode dissociar-se do «pensar global».

Mas não deixa de ser também preocupante uma confiança ingénua nos benefícios da regionalização, anunciada por alguns discursos regionalistas como panaceia milagrosa para todos os males do país, resolvendo de imediato a pobreza endémica de vastas zonas do interior que veriam correr a si fluxos de ajudas comunitárias e de investimentos até aqui retidos nas áreas urbanizadas e industrializadas do litoral. Porque, a regionalização como um elemento, mesmo que central, da reforma administrativa do Estado não pode ser entendida senão como um instrumento entre outros, nunca como um fim. Como escreveu Simões Lopes, «provavelmente a regionalização até vai pôr mais em evidência certos males, certos desequilíbrios, certas ‘disfunções'; provavelmente vai mesmo fazer despertar conflitos que por aí andam escamoteados. Espera-se dela, isso sim, que venha a fornecer meios válidos para a gestão desses mesmos conflitos e para a resolução dos problemas que estão na sua base».

Neste debate, a História tem sido invocada, a torto e a direito, para legitimar a perpetuação de lugares e poderes dados como adquiridos, num discurso simplificador e mitificante das vicissitudes e dos resultados de um processo que consagrou um Estado unitário fortemente centralizador e um poder local demasiado fragmentado. A história recente é, em contrapartida, sujeita a um respigar anedótico de casos exemplares, descontextualizados e multiplicados, esquecendo-se, a cada passo, os processos e os contextos que enquadram os discursos e as práticas políticas. Talvez por isso valha a pena começar por resituar a regionalização como processo histórico, antes de proceder a uma reflexão pessoal (e empenhada) sobre a questão regional tal como hoje se nos coloca. 

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Neste dossier:

Dossier Socialismo 2008

Pelo segundo ano consecutivo o Bloco de Esquerda organizou um Fórum de Ideias sobre política, arte, cultura, ciência, ambiente, história, economia e literatura. O Socialismo 2008, realizado no último fim de semana de Agosto na cidade do Porto, juntou mais de 300 pessoas e contou com quase 40 debates e sessões, sempre muito participados. O Esquerda.net compilou as notícias, os vídeos, as fotos e os textos das conferências, para facilitar o contacto dos leitores com as principais ideias que vão animar um ano de muitas lutas. 

Entrevista a Laura Santos sobre Morte Assistida

Ajuda-me a morrer", foi o tema abordado pela professora Laura Santos da Universidade do Minho no Fórum de Ideias - Socialismo 2007. As leis sobre a eutanásia no mundo e a situação em Portugal foram algumas das questões colocadas pelo esquerda.net.

Entrevista com o Maestro Vitorino D`Almeida

O esquerda.net entrevistou o Maestro Vitorino d´Almeida sobre as propostas do Governo para o Ensino Artístico Musical em Portugal.

Entrevista a Luíza Cortesão sobre "Escola e Exclusão"

"Educação e exclusão" foi o tema da conferência no Fórum de Ideias - Socialismo 2008, apresentada por Luiza Cortesão, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Em entrevista ao esquerda.net, a oradora fala-nos de exclusão, dos rankings e dos imigrantes na escola.

Políticas para a infância

A invisibilidade das crianças enquanto sujeitos políticos, decisores e capazes de construção colectiva, foi o mote para a conferência apresentada por Manuel Sarmento, professor da Universidade do Minho. A partir dessa evidência foram propostas várias políticas públicas para a Infância, recorrendo a vários projectos de intervenção e de investigação sobre a participação das crianças, em curso no Norte de Portugal.

Ritos de Subversão na tradição portuguesa

"A face do caos: ritos de subversão na tradição portuguesa" foi o tema da conferência de Aurélio Lopes, professor da Escola Superior de Educação de Santarém, no Fórum de Ideias Socialismo 2008. O orador analisou o carácter subversivo, exótico e pagão das personagens mascaradas que durante todo o ciclo natalício povoam as tradições do nordeste transmontano. Apesar de o cristianismo as diabolizar, elas saem à rua como um escape inevitável em "sociedades especialmente conservadoras e disciplinadas". 

Identidade, Arte e quotidiano

No Fórum de Ideias Socialismo 2008, Catarina Martins, actriz e encenadora, apresentou o tema "Construir o impossível - Identidade, Arte e quotidiano". Como ponto de partida para a sua intervenção, assinalou um estudo recente que revela a preocupante falta de hábitos culturais dos portugueses: 90% não tinha visto ópera, ballet ou dança, 81% não tinha ido uma única vez ao teatro, 76% não assistira a qualquer concerto, ou visitara qualquer museu ou galeria, 75% não tinha entrado numa biblioteca. 

O ar é de todos

O "Ar é de Todos: recursos naturais e propriedade privada" foi o tema da conferência de Nélson Peralta, no Socialismo 2008. "A acumulação e concentração de capital estende-se à apropriação de património colectivo não resultante da esfera produtiva, em prejuízo do interesse público. E esta é exactamente a maior vitória do capitalismo: fazer-nos crer que aquilo que ninguém produziu e que é essencial à vida é propriedade sua, pronta a ser comercializada ao melhor preço."

Pierre Bourdieu e a democratização da política

"Na verdade, a grande questão que percorre a obra de Bourdieu é uma questão fundamental para quem acha que a libertação (e portanto o socialismo) não é apenas a conquista do poder de Estado ou a alteração das relações de propriedade e de produção, mas também a alteração de todas as relações sociais: o que é a dominação? Como é que ela se exerce e se reproduz? Por que é que os sistemas de dominação são tão duráveis? Quais as condições da acção transformadora?".

Entrevista a Celso Cruzeiro sobre a Esquerda

"Esquerda Política: saída da encruzilhada", foi o tema da conferência apresentada pelo advogado Celso Cruzeiro no Fórum de Ideias Socialismo 2008. Nesta entrevista ao esquerda.net o orador resume o essencial.

Entrevista com Gaspar Martins Pereira sobre a Linha do Tua

O esquerda.net entrevistou o professor universitário Gaspar Martins Pereira da Faculdade de Letras do Porto sobre a linha ferroviária do Tua e o projecto de barragem para aquela zona.

Entrevista com Padraig Mac Lochlainn do Sinn Féin

Entrevista com Padraig Mac Lochlainn, director da Campanha do Não ao Tratado de Lisboa pelo Sinn Féin, sobre o referendo na Irlanda.

Socialismo 2008: o mercado, a propriedade e o jazz

No segundo dia do "Socialismo 2008", Celso Cruzeiro defendeu a necessidade de pensar o marxismo à luz da ciência que existe hoje e José Castro Caldas recuou às referências fundadoras do liberalismo para discutir a propriedade privada, assunto banido dos cursos de economia em Portugal. As influências socialistas na história do jazz foi outro dos temas deste fórum de ideias, no debate conduzido por José Carlos Santos.

Louçã: "Não há justiça se o povo não confia nela"

No encerramento do Socialismo 2008, Francisco Louçã apresentou propostas para dar mais eficácia à justiça e criticou o "dominó de desculpas" que os agentes da justiça e os partidos empurram entre si. O dirigente do Bloco anunciou ainda a próxima grande iniciativa do Bloco, uma Marcha contra a Precariedade que vai percorrer o país para "levantar a voz" dos trabalhadores vítimas do "modelo Sócrates de emprego".

Socialismo 2008: A luta não é precária

O primeiro dia de debates do Socialismo 2008 encerrou com as palavras de Luís Fazenda e José Soeiro sobre a precariedade como modo de vida e a necessidade de a encarar e combater com políticas e activismo de esquerda.

"A esquerda deve rejeitar o culto do poder"

Na abertura do fórum de ideias Socialismo 2008, João Semedo reafirmou a necessidade de "continuar a construir um pólo à esquerda do PS que assuma a responsabilidade política de transformar a sociedade". Em seguida, Alda Macedo falou de "um mundo cada vez mais perigoso", com o aumento da pobreza, a crise alimentar e o surgimento de novos conflitos armados que mostram a face da barbárie capitalista.

Socialismo 2008: dos biomateriais na medicina à Europa que temos

A primeira manhã do Socialismo 2008 foi preenchida com debates sobre Educação, políticas urbanas, ambiente e jornalismo. À tarde, Miguel Portas falou da Europa de hoje, das suas políticas de imigração e dos conflitos que lhe estão próximos.

Abertura do Socialismo 2008

A deputada Alda Macedo dá as boas vindas ao Socialismo 2008, que arrancou na sexta-feira.
A sessão política deu em seguida lugar à festa com um concerto de música reggae com a banda Kikongo Vibrations.

Fotogaleria Socialismo 2008

Fotos de André Beja

Debate sobre “A morte assistida em Portugal” no Socialismo 2008

Uma pessoa gravemente doente, vivendo num sofrimento insuportável e sem perspectivas de melhoras, que deseja antecipar a sua morte, deve ser impedida porque a ninguém é permitido que a ajude? Ou pelo contrário, deve haver legislação que regulamente a morte assistida, como acontece já em alguns países? Laura Ferreira dos Santos, professora da Universidade do Minho, equaciona estas questões numa comunicação no Socialismo 2008 .

Socialismo 2008: A Propriedade é um Roubo?

"E a propriedade, afinal é ou não um roubo?" é o tema da conferência do economista José Maria Castro Caldas no próximo domingo, dia 31, no Fórum de Ideias "Socialismo 2008", que se realiza na Faculdade de Psicologia do Porto. O autor tem vindo a desenvolver o tema no blog Ladrões de Bicicletas, onde continuará a publicar textos sobre o assunto.

A Medicina e a regulação das sexualidades no Socialismo 2008

Quais são, hoje, os instrumentos que a moralidade conservadora encontra para controlar a emancipação social? E de que forma a medicina e o próprio conhecimento científico podem servir estes interesses? São algumas das questões levantadas pelo médico Bruno Maia no Fórum de Ideias "Socialismo 2008", que se realiza na Faculdade de Psicologia do Porto de 29 a 31 de Agosto.

Touradas em debate no Socialismo 2008

Além das sessões habituais, o fórum de ideias Socialismo 2008 conta também com Mesas de Polémica, onde será possível ouvir os argumentos de dois oradores com opiniões contrárias. São todas no Sábado às 18h e uma delas aborda o tema das touradas. A contestá-las teremos o Maestro Vitorino de Almeida, e para defendê-las contamos com a presença do colunista Daniel Oliveira.

Corpo e política em debate no Socialismo 2008

"O Corpo como plataforma política de resistência" é mais um tema em discussão no Fórum de Ideias Socialismo 2008. Salomé Coelho, activista na área dos direitos sexuais, é a oradora convidada. A repressão sexual, a forma como o poder político investe nas concepções da sexualidade, a normalização imposta pela sociedade e a emergência de novos movimentos de desconstrução (como o Queer), serão algumas das questões em debate.

Regiões e interioridade em debate no Socialismo 2008

Gaspar Martins Pereira, professor de História Contemporânea e um dos nomes associados à preservação da história e da memória do Douro, participa no Socialismo 2008 com uma comunicação sobre regiões e interioridade, um tema que regressa ao debate político e às propostas da esquerda.

Mercado europeu de educação em debate no Socialismo 2008

"Processo de Bolonha e o mercado europeu de ensino" é o tema da conferência de Fátima Antunes, mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, no Fórum de Ideias Socialismo 2008. Para onde caminha a educação no espaço europeu? Será possível resistir à mercadorização do conhecimento? Como potenciar o intercâmbio cultural entre estudantes e professores no espaço europeu? Estas são algumas das polémicas lançadas pela conferencista. 

Documentário político em debate no Socialismo 2008

"O documentário político na era de George W. Bush e a crise de credibilidade da televisão americana" é o tema da conferência de Jorge Campos, professor universitário e antigo jornalista da RTP, no fórum de Ideias Socialismo 2008. Porque é que as notícias na televisão americana são o que são e já não são só o que eram? Os consensos e ilusões necessários de que fala Chomsky ou as propagandas silenciosas de Ramonet continuam a fazer o seu percurso. Mas, a novidade, com a guerra do Iraque, é a propaganda agressiva e ultra-conservadora de canais como a Fox News. Face ao descrédito da informação televisiva, o documentário americano volta a ser uma arma.