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Socialismo 2008: A luta não é precária
O primeiro dia de debates do Socialismo 2008 encerrou com as palavras de Luís Fazenda e José Soeiro sobre a precariedade como modo de vida e a necessidade de a encarar e combater com políticas e activismo de esquerda.
No debate sobre precariedade no final de Sábado, José Soeiro começou por caracterizar a precariedade como palavra poderosa nascida duma época de incerteza e de grande individualização. Pode até assumir aspectos positivos no que contenha de emancipação, expressividade, criatividade, identidade mais fluida já não tão herdada mas produto da reflexividade sobre nós próprios. Mas contém um lado muito negativo: o do isolamento das pessoas e da quebra de redes sociais, tão importantes perante a incerteza angustiante do futuro.
Segundo Soeiro, acontece que esta realidade é apresentada como natural e inevitável, dentro do espírito do tempo, libertadora. Mas se no trabalho há mais exploração, mais pobreza, não pode haver mais autonomia.
Para o jovem deputado do Bloco de Esquerda, a crise do capitalismo é certa, mas este continua a ser um sistema hegemónico. Sujeito a críticas por ser origem de desigualdades e de alienação na vida quotidiana, este sistema recuperou agora essa ideia de liberdade para intensificar a exploração e colonizar as cabeças com imagens como o gosto do risco, a polivalência, o encanto de não haver carreiras profissionais.
Soeiro salientou que a precariedade não é nova, a maior parte do mundo é precário, nova é forma como essa dominação ideológica é imposta, num compromisso entre a lógica do capitalismo e a da democracia pós-guerras, caracterizada pelo estado social e pelo direito à protecção no trabalho. O que se pretende agora destruir são precisamente esses direitos e garantias. E em qualquer sector existe agora emprego precário, a precariedade alastra a todos os campos da vida: trabalho, família, relações pessoais, culmina na ausência duma vida pensada sem futuro.
José Soeiro frisou, por fim, que a precariedade não é inevitável, é uma escolha política e o papel da política é responder aos problemas das pessoas em relações aos quais se podem fazer escolhas. Destacou ainda que novos movimentos sociais recentes como o FERVE, o MayDay, os Intermitentes, criaram uma identidade nova, a do precário como sujeito político e colocaram-no na agenda política de modo incontornável. Estes novos movimentos, a par dos sindicatos, fazem essa luta simbólica também contra as categorias que colonizam o pensamento, com papel identitário e mediático.
Luís Fazenda chamou por sua vez a atenção para o facto de a flexigurança como política e sistema de ideias ter reflexos na vida das pessoas, daí a sua crítica precisar de ir até ao coração de todas as operações em que se envolve. O que exige uma disponibilidade para a luta e para a participação política. E se lamentamos os desníveis da participação política são precisamente as situações limitativas da vida precária que a condicionam.
Segundo Fazenda, a precariedade laboral tem como figura central o despedimento como arma patronal. Os movimentos operários e progressistas conseguiram algumas garantias e estabilidade no emprego que haviam refluído sob a guerra na Europa. No pós-guerra foi consagrado um corpo de Direito do Trabalho que não vingou em alguns países, nomeadamente nas ditaduras fascistas, mas em que se colocou como pedra basilar a proibição do despedimento sem justa causa. Agora as ideias liberais, a par da recuperação capitalista retomam essa arma nas várias formas da. liberalização das relações de trabalho. Este percurso europeu incluiu a polémica no panorama mundial, onde a norma é a precariedade, e que para alguns outros países estas garantias nunca existiram, fazendo com que neste processo de luta social na Europa se encontre um exemplo de solidariedade e ponto de evolução para outros trabalhadores noutros países.
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, salientou que a deslocalização das empresas ameaça e chantageia frente a esses direitos, havendo uma outra deslocalização, de sentido inverso, a da falta de garantias para dentro da Europa, a da imposição dum modelo social de direitos mínimos. A nossa solidariedade é com o Trabalho, reivindicando a generalização desses direitos a quem nunca os teve seja em que país for. Na relação de forças laborais se houver discricionariedade pelo desemprego não há qualquer equilíbrio mas apenas favorecimento do patronato e do capital. Quem a isto recorre não é só o empresário atrasado, que não sabe gerir, que tem métodos atrasados e bárbaros, o que se está a passar aqui ou fora são as grandes empresas internacionais a quererem recuperar o chicote nas relações de trabalho. A democracia na empresa ainda se continuará a discutir nos próximos anos, porque com a precariedade a liberdade ou a cidadania ficam à porta empresa.
Segundo Luís Fazenda, num espaço de trabalho criado à força pela coacção não se deixa espaço ao Trabalho. A desarticulação dos sindicatos tem de ser impedida, porque não acrescenta à luta de libertação. Um decréscimo dessa força não é boa notícia para a esquerda, o último congresso da CGTP constatou mais uma vez que o número de sindicalizados baixou e se as condições de hoje podem ser culpadas, é preciso retomar a iniciativa.
Sublinhando que precariedade não é só forma concentrada de exploração e alienação, mas também de luta de classes entre Capital e Trabalho e de vingança sobre os trabalhadores e os seus direitos, o deputado do Bloco concluiu afirmando: "Reinventar para unir o que o capital quer atomizar, é a tarefa". Uma engenharia de forças, de sindicatos, de forças sociais novas, não apenas de sindicatos ou de partidos, mas de muitas outras formas de organização e de luta.
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