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Umas ocupam, a outra despeja

Enquanto algumas pessoas ocupavam uma escola para fazer dela um Espaço Colectivo Autogestionado (Es.Col.A), a outra - a polícia - despejava dezenas de famílias das suas barracas precárias.

As barracas precárias, apesar de tudo, tinham tecto e tinham as coisas a que as famílias decidiram dar importância ao longo das suas vidas. A escola tinha tecto, paredes, janelas, mesas, quadros, pátio e coisas para aprender, brincar, partilhar...

Em comum, estas histórias guardam a organização e a solidariedade colectivas.

Em Loures, mais de 60 famílias ameaçadas de despejo (despejo é o que a gente faz ao lixo, não é?) foram ao sólido edifício da Câmara Municipal exigir que o presidente da autarquia os recebesse, ouvisse e tratasse de resolver que estas pessoas não se tornassem, de um dia para o outro, sem-abrigo (resolver os problemas dos cidadãos é uma função dos autarcas, não é?). Conseguiram. As suas precárias barracas não serão demolidas tão em breve, para dar lugar a uma qualquer especulação imobiliária, para um qualquer novo empreendimento habitacional de luxo com vista para o horizonte. O senhor autarca garantiu que não deixava as pessoas sem tecto. Mas já agora, devia garantir também condições de habitação (sei lá... um lugar onde não chovesse, que tivesse água canalizada da companhia, electricidade para sobreviver ao frio, janelas para entrar a luz, caminhos para ir para a escola... sei lá... coisas estranhamente normais...) a estas pessoas que, já agora, foram esquecidas ou ignoradas pelo PER e que, já agora, não pedem "casas à borla", como acusa o senso comum afectado pelo populismo; pedem o direito a poder ter uma casa com uma renda que lhes seja possível pagar.

No Porto, um grupo de pessoas que ocupou uma escola sem actividade há cinco anos desenvolveu uma ideia de projecto educativo que permitia à comunidade participar em aulas e formações desde o inglês à informática. A "outra" chegou de manhã e mandou toda a gente embora. O presidente da autarquia é que mandou (consta que o autarca quer lá desenvolver um projecto associativo também. Veremos! Ou não?) e mandou também entaipar a escola. Assim, em vez de dar emprego na área da reabilitação, o senhor autarca dá emprego na área da destruição e abandono.

Senhores autarcas há muitos! Uns não recuperam para reabitar (e já se diz tanto por aí que há "tanta gente sem casa" e que há "tanta casa sem gente", que nenhum desses factos é hoje negligenciável nem desmentível), outros não deixam recuperar para reocupar (e já agora, para reaprender o valor da ocupação de espaços vazios, para reconstruir uma cultura que negue a ideia de roubo associada ao conceito de ocupação).

A crise não serve de desculpa para a negligência das instituições nem para a ausência de solidariedade social. A servir (longe da teoria do "quanto pior, melhor"), servirá para a construção de alternativas (não é isso o tal empreendedorismo de que os senhores falam? Ou isso tem que ter fins capitalistas?).

As pessoas sabem o que querem. Todos os dias, cada vez mais, o mostram. Têm propostas e têm energia para as pôr em prática. Essas são algumas propostas e energias que mostram que há saídas (várias!) para a crise e que há alternativas à "colonização" do FMI/BCE/CE. Outras propostas, também as temos. E energia também.

Sobre o/a autor(a)

Arquitecta paisagista
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