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Cinco anos de inferno
Ao completar-se cinco anos da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, a tétrica realidade e a opinião pública iraquiana desmentem o governo do país ocupante, segundo o qual a situação melhorou. Um em cada três iraquianos abandonou a sua casa, depende da assistência de emergência para sobreviver ou morreu por causa da invasão e da ocupação. Com as "eternas" bases militares dos EUA no Iraque e uma embaixada em Bagdade do tamanho do Vaticano, não se vislumbra no horizonte o fim da ocupação.
Artigo de Dahr Jamail, publicado por IPS
O vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, declarou na segunda-feira, na visita surpresa ao Iraque, que a invasão lançada no dia 20 de Março de 2003 foi
um "esforço de sucesso". Mas os números evidenciam que um em cada três iraquianos abandonou a sua casa, depende da assistência de emergência para sobreviver
ou morreu por causa da invasão e da ocupação. É isso o que Cheney considera um "esforço de sucesso".
A organização humanitária Just Foreign Policy calculou que mais de um milhão de iraquianos morreram após a invasão e ocupação do seu país, que completa cinco
anos. O instituto de pesquisa britânico ORB aumentou esse número para mais de 1,2 milhões. O alto custo da invasão e ocupação levou o prémio Nobel de
Economia e ex-economista chefe do Banco Mundial Joseph Stiglitz a publicar, junto com Linda Bilmes, da Universidade de Harvard, o livro "The Three Trillion
Dollar War" (A guerra dos três bilhões de dólares). E a estimativa do título é considerada "conservadora".
Os autores afirmam que o governo de George W. Bush minimizou o custo da guerra e escondeu alguns dados da opinião pública norte-americana. Cerca de quatro
mil soldados norte-americanos e 175 britânicos morreram no Iraque, segundo estatísticas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. "A guerra do Iraque foi
uma das mais desastrosas já travada pela Grã-Bretanha", escreveu o jornalista Patrick Cockburn no jornal londrino Independent Newspaper. "Junto com a guerra
da Crimeia e as dos boer, a do Iraque irá figurar entre os conflitos que poderiam ser evitados e que foram uma demonstração de incompetência do princípio ao
fim", afirmou.
Mais de quatro milhões de iraquianos tiveram que abandonar as suas casas e cerca de metade deles viram-se obrigados a fugir para outros países, segundo o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Um em cada quatro moradores de Bagdade, com seis milhões de habitantes, precisou fugir de
casa, informou o Crescente Vermelho iraquiana. Milhões de pessoas continuam sem água potável e sem cuidados médicos, informou na segunda-feira o Comité
Internacional da Cruz Vermelha.
A infra-estrutura piorou desde o regime de Saddam Hussein (1979-2003), que nos seus últimos 12 anos esteve marcado por duras sanções económicas estabelecidas
pela Organização das Nações Unidas a instâncias dos Estados Unidos. Nessa época morreram mais de um milhão de iraquianos devido à desnutrição e falta de
tratamento médico. Cerca de quatro milhões de crianças iraquianas necessitavam em Julho passado de ajuda de emergência, segundo um informe divulgado nessa
data pela organização humanitária Oxfam Internacional. Além disso, a desnutrição infantil recrudesceu e 70% da população carece de acesso à água potável.
Os lares iraquianos têm, em média, menos de cinco horas de electricidade por dia, inclusive no Curdistão, região setentrional do país que goza de ampla
autonomia e que é apresentada pelo governo Bush como um exemplo de sucesso. As exportações de petróleo, das quais o Iraque obtinha mais de 80% de sua renda,
não chegaram em nenhum dia à quantidade registada antes da guerra. O desemprego, que já estava em 32% da população economicamente activa, oscilou durante a
ocupação entre 40% e 70%, segundo o governo iraquiano.
Pouco depois das declarações de Cheney sobre o "sucesso" norte-americano no Iraque, um atentado suicida deixou pelo menos 32 mortos e 51 feridos perto de uma
mesquita em Kerbala, cidade sagrada para os muçulmanos da maioritária comunidade xiita localizada 100 quilómetros a sudoeste de Bagdade. Outras quatro
pessoas morreram e 13 ficaram feridas num bombardeamento pouco depois da chegada de Cheney ao Iraque, próximo da bastante fortificada zona verde da capital,
onde têm a sua sede o governo nacional e as embaixadas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Bagdade converteu-se na cidade mais perigosa do mundo, em grande parte devido à política norte-americana de colocar facções políticas e grupos étnicos e
religiosos em enfrentamento entre si. A capital do Iraque é hoje uma cidade cercada por guetos xiitas e sunitas, divididos por muros de betão erguidos pelo
exército norte-americano. Essas zonas têm as suas próprias bandeiras. Nas sunitas flameja ao vento o velho pavilhão iraquiano, e nas xiitas o novo. Os curdos
têm a sua própria bandeira. As estratégias de limpeza étnica e religiosa, apoiadas pelas forças de ocupação, eliminaram virtualmente todas as áreas mistas da
capital.
O candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano (no poder), John McCain, também no Iraque, reuniu-se com líderes locais no contexto de
uma missão de investigação da Comissão de Serviços Armados do Senado. Como Cheney, McCain prometeu apoiar o governo iraquiano e manter uma prolongada
presença militar no país. A estratégia de aumentar a quantidade de tropas implementada por Washington no começo do ano passado "funciona", afirmou o senador
republicano. Com as "eternas" bases militares dos Estados Unidos no Iraque e uma embaixada em Bagdade do tamanho do Vaticano, não se vislumbra no horizonte o
fim da ocupação. (IPS/Envolverde)
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