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Os lucros do massacre contra o Iraque

De empresas do sector bélico às de alimentação, de empresas de construção civil às de confecção de uniformes, cada uma abocanha a sua parte dos mais de um bilião de dólares já gastos

Por Memélia Moreira, especial para o Brasil de Fato de Orlando (EUA).

Antes de acabar de ler este parágrafo, os Estados Unidos terão gasto mais de 2 mil dólares para matar indiscriminadamente crianças, mulheres, e homens em Bagdad, Basra ou outra cidade qualquer do Iraque.

Não, não é uma piada.

A guerra custa 2.053 dólares por segundo, ou 275 milhões de dólares por dia. E, passados cinco anos de ocupação, matou 700 mil iraquianos, perdeu quase 4 mil norte-americanos e produziu 4 milhões de refugiados.

Todas as previsões de gastos transformaram-se em peça de ficção.

Em 2003, quando os Estados Unidos deslocaram os seus soldados e contrataram mercenários para ocupar o Iraque, os economistas do governo de George W. Bush calcularam que os custos não iriam ultrapassar 50 milhares de milhões de dólares. Ainda naquele ano, as cifras caíram por terra.

Dois meses depois de instalados no Iraque, analistas militares começaram a perceber que esta não seria uma das muitas guerras "de baixa intensidade", bem ao gosto dos Estados Unidos, e que seria necessário ficar mais tempo para controlar a resistência iraquiana.

Refizeram então os cálculos e, pela nova previsão, os mesmos analistas concluíram que, se a guerra se estendesse até 2010, o seu custo total seria de um bilião de dólares. Faltam dois anos para se chegar a 2010 e já foram gastos mais de um bilião. Isso significa que nenhum dos cálculos feitos até agora pode chegar perto do valor total a ser gasto.

Nem mesmo o trabalho apresentado pelos professores Joseph Stiglitz, da Universidade de Columbia e Prêmio Nobel de Economia em 2001, e da professora Linda Bilmes, da Universidade de Harvard , se sustentou por muitos dias. Eles previram um gasto de um a dois biliões de dólares mas, esta semana, as cifras já ultrapassaram um bilião. E o presidente Bush (e seu candidato John McCain) nem de longe acena com a possibilidade de retirada das tropas.

Sem os custos indirectos

E as cifras não incluem os custos indirectos da guerra (tratamento médico para aqueles que voltam inválidos física ou psicologicamente, pagamento de pensão às viúvas e aposentações por invalidez para os veteranos). E estamos a referir-nos apenas à guerra do Iraque. A do Afeganistão gasta bem menos e, talvez por isso, seja menos acompanhada de perto pelas organizações não-governamentais que divulgam informações sobre as guerras, entre elas a Priorities Projects .

Essa organização, combate a guerra na linguagem que os norte-americanos mais entendem: a língua do bolso. Na sua página da Internet, caso um texano queira saber quanto do seu imposto está a ser gasto para matar, basta clicar no mapa e a resposta é imediata. Sem qualquer discurso pacifista, eles apenas calculam quanto daquele imposto poderia ir para o serviço médico e para a segurança e educação.

Quem lucra

Mas a guerra não gera apenas mortos e inválidos para sempre. Há também aqueles que estalam a língua de prazer ao ouvir a explosão de bombas. Há quem lucre com esta guerra. Por isso, este mês, um selecto grupo vai comemorar o 5º aniversário da ocupação americana no Iraque. Para eles, essa guerra, a primeira guerra "privatizada" da história da humanidade, transformou-se num "negócio da China". A cada dólar gasto, a cada golo de refrigerante, a cada bota furada, ou uma colherada num prato de cereais, empresários de diferentes pontos do planeta estão a engordar as suas contas bancárias.

Um dado curioso a respeito das empresas e corporações que trabalham no Iraque é que quase todas respondem a processos em diferentes tribunais dos Estados Unidos, ora por evasão de divisas, ora por sonegação fiscal, superfacturação e até mesmo por desrespeito aos direitos humanos, como é o caso das duas empresas de segurança (responsáveis pelos mercenários).

Uma dessas empresas processadas já foi condenada. Exactamente aquela que é responsável pelo fabrico de tanques, de veículos militares e de armamentos, a Custler Battles. Muitos dos carros de combate vendidos não funcionaram e a Custler foi condenada a pagar multa de 10 milhões de dólares. Também na área de equipamentos pesados, a Boeing e a Lockheed são as duas empresas de engenharia aeronáutica que mais facturam com as guerras do Iraque e Afeganistão.

Quem encabeça a lista das empresas que lucram com a guerra é nada menos que a Halliburton. O nome parece não dizer muito, mas é uma das maiores corporações norte-americanas e, entre os seus sócios e ex-dirigentes, uma figura que sempre age nas sombras, até na política. Trata-se do vice-presidente Dick Cheney. Qualquer americano diz, sem pestanejar, que Cheney é "mais bem preparado que Bush" mas, mesmo assim, preferiu ser vice-presidente. Quando entrou na lista de George W. Bush, em 2000, Dick Cheney desligou-se formalmente da direcção da corporação. Apesar disso, continua activo e a garantir espaço para a Halliburton, não apenas no fornecimento de material para a guerra, como também na reconstrução do Iraque e do Afeganistão.

E o que faz a Halliburton? Se alguém pensou na palavra petróleo, acertou. Ela é uma das maiores empresas do mundo em serviços para campos petrolíferos e, também, uma das maiores empreiteiras do planeta. A receita da Halliburton passou de um para 16 mil milhões de dólares nestes cinco anos de guerra.

Além disso, a Halliburton figura entre os principais suspeitos no roubo das informações da Petrobrás, no dia 14 de Fevereiro no Brasil. Sim, a Halliburton está na lista dos interessados no mega-poço de Tupi, descoberto pela Petrobrás.

Para quem tinha alguma dúvida sobre o real motivo da guerra, a lista daqueles que lucram com o holocausto do povo iraquiano é a prova de que a ocupação tem como principal objectivo o controle dos poços de petróleo. Além da Halliburton, outros nomes do sector petrolífero também estão a engordar as suas contas. Muitos deles são velhos conhecidos, como a Texaco, a Shell, a British Petroleum e a Exxon Mobil.

Em segundo lugar

A seguir, vêm as chamadas "empresas de segurança" que são, na verdade, as empresas que fornecem mercenários (são contratados a preços que variam de 10 a 15 mil dólares por mês). As duas maiores empresas desse sector que actuam no Iraque são a CACI e a Titan. Em 2005, agentes da CIA declararam ao jornal The Washington Post que 50% dos 40 milhões de dólares do seu orçamento destinavam-se a essas empresas.

Chamados de empreiteiros, os "funcionários" dessas empresas são os principais responsáveis pelo que se chama de "trabalho sujo", ou seja, torturas contra os presos de Abu Ghraib e da base de Guantánamo. As duas estão a ser processadas pela organização Center of Constitutional Rights por tortura e abuso de prisioneiros de guerra.

Construção civil

No ramo da construção civil, quem se destaca é a empresa californiana Bechtel. De uma só vez, foi presenteada com um contrato de 2,4 milhões de dólares para coordenar a reconstrução da infraestrutura do Iraque. Logo no primeiro trabalho, o primeiro fracasso: a Bechtel não concluiu a tempo a construção de um hospital infantil em Bassorá. Para piorar, o orçamento para a construção saltou de 70 para 90 milhões de dólares. É verdade, esse foi o custo de um hospital infantil em Bassorá.

O sector da alimentação

Para não ficar só na indústria pesada, a guerra distribui os seus ganhos também para outros sectores como, por exemplo, o da alimentação. E aí vem a Halliburton de novo. Essa corporação é dona dos famosos "flocos de milho" Kellog´s, que alimenta dez entre dez soldados americanos. E como misturar cereal com leite? Ora, para isso há a Nestlé, uma das maiores empresas do mundo no ramo de lacticínios e a preferida do governo norte-americano em todas as guerras, desde a Coreia.

Quase inexpressiva no cenário internacional, a empresa Kentucky Fried Chicken (fabricante e distribuidora de frango frito nos EUA) abastece os soldados e mercenários com as suas caixinhas de asa, ante-coxa, coxa e peito de frango fritos.

A escolha da Kentucky, segundo especialistas, tem objectivos psicológicos, pois as suas caixinhas são conhecidas e os soldados, ao recebê-las, "sentem-se em casa".

E para beber? Bom, aí vem mais uma curiosidade do povo americano. Maniqueístas por excelência, até para beber se dividem entre direita e menos direita. Os menos direita, que aqui são chamados de "esquerda" tomam Coca-Cola. Os de direita, que até hoje acreditam que o prato preferido de comunistas são as criancinhas, só bebem Pepsi-Cola. Assim, para manter a tradição republicana, os soldados que estão no Iraque são abastecidos pela Pepsi-Cola.

Os lucros do Brasil

Mas os lucros dessas guerras não se concentram apenas nas grandes potências. O Brasil também "conquistou" a sua fatia nesse consórcio. Os soldados que hoje matam no Iraque usam uniformes fabricados por cerca de dez confecções mineiras das cidades de Divinópolis e Formiga. Entre essas empresas, encontra-se a Marluvas, cujo gerente, Fernando Malta, ao mesmo tempo em que se desculpa por colaborar com as atrocidades que estão a ser cometidas, diz que não perderia "essa oportunidade de gerar lucro para Minas e para a empresa".

E as botas são feitos também em Minas, além de São Paulo e Paraná. A empresa Arroyo, de Franca, por exemplo exporta botas especiais para serem usados no deserto.

É dando que se recebe

Talvez por coincidência, todas as empresas norte-americanas envolvidas na guerra e reconstrução do Iraque, foram também os maiores doadores para a campanha de George W. Bush em 2004. Contornando as leis, juntas, doaram cerca de 500 mil dólares para a campanha, o que se constitui na maior soma de dinheiro já recebida por qualquer outro nome da política norte-americana nos últimos 15 anos.

Entre consulta aos documentos e escrita, esta repórter levou 3 horas e 45 minutos para escrever este texto. Durante esse tempo, o povo americano gastou aproximadamente 200 mil dólares para matar crianças, mulheres e homens no Iraque.

19/3/2008

(...)

Neste dossier:

Dossier 5 anos de guerra do Iraque

Quando passam cinco anos do início da guerra do Iraque, o Esquerda.net dedica o seu dossier a discutir as causas e o balanço desta invasão que está a destruir um dos países-chave do Médio Oriente e a levar o caos a toda a região.

Robert Fisk: A única lição que aprendemos é que nunca aprendemos

Passaram-se cinco anos e ainda não aprendemos. Com cada aniversário, os degraus desfazem-se debaixo dos nossos pés, as pedras abrem cada vez mais brechas, a areia fica cada vez mais fina. Cinco anos de catástrofes no Iraque e penso em Churchill, que no final chamou à Palestina "desastre infernal".

Por Robert Fisk, publicado originalmente no The Independent
 

Ir-se embora: a opção menos má

Exceptuando um bando de resistentes e optimistas neoconservadores e de apologistas oficiais do regime Bush, quase toda a gente concorda hoje que os Estados Unidos entraram numa feia e auto-destrutiva confusão no Iraque, onde estão a combater uma guerrilha persistente que não podem vencer. Ao mesmo tempo, um grande número de críticos da invasão americana do Iraque, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, dizem repetidamente que, apesar de tudo, os Estados Unidos não podem simplesmente "ir-se embora".

Por Immanuel Wallerstein
 

Refugiados: duplicam pedidos de asilo aos países industrializados

O número de iraquianos que procuram asilo político nos países industrializados quase duplicou no ano passado, revertendo a tendência de queda registada nos últimos cinco anos, revelou um relatório da Organização das Nações Unidas divulgado recentemente. Mais de 45 mil iraquianos pediram asilo em 43 países industrializados em 2007 - 98% acima dos quase 23 mil registrados no ano anterior. Calcula-se que 4,5 milhões de iraquianos foram deslocadas pela guerra internamente ou refugiaram-se nos países vizinhos.
 

Amnistia Internacional: cinco anos de carnificina e desespero no Iraque

Cinco anos depois de as forças lideradas pelos Estados Unidos terem derrubado Saddam Hussein, o Iraque permanece um dos países mais perigosos do mundo para os direitos humanos, diz a Amnistia Internacional.

Publicado originalmente no site da Amnistia Internacional

 

Os lucros do massacre contra o Iraque

De empresas do sector bélico às de alimentação, de empresas de construção civil às de confecção de uniformes, cada uma abocanha a sua parte dos mais de um bilião de dólares já gastos

Por Memélia Moreira, especial para o Brasil de Fato de Orlando (EUA).
 

Cinco anos de inferno

Ao completar-se cinco anos da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, a tétrica realidade e a opinião pública iraquiana desmentem o governo do país ocupante, segundo o qual a situação melhorou. Um em cada três iraquianos abandonou a sua casa, depende da assistência de emergência para sobreviver ou morreu por causa da invasão e da ocupação. Com as "eternas" bases militares dos EUA no Iraque e uma embaixada em Bagdade do tamanho do Vaticano, não se vislumbra no horizonte o fim da ocupação.
Artigo de Dahr Jamail, publicado por IPS

Radiografia da invasão

Afinal, quais foram as verdadeiras razões pelas quais os EUA invadiram o Iraque há cinco anos, na noite de 19 para 20 de Março?
... este grupo [uma coligação de nacionalistas agressivos, neoconservadores e líderes da direita cristã] viu o Iraque como o caminho mais fácil para estabelecer os Estados Unidos como a potência dominante na região, com implicações estratégicas de carácter global para possíveis futuros competidores.
Análise de Jim Lobe, publicado pela IPS

UE quer transparência em relação a empresas de mercenários

A subcontratação de companhias para actividades militares tornou-se muito polémica desde que os Estados Unidos invadiram o Iraque há cinco anos, afirma um relatório apresentado no Parlamento Europeu.
Por David Cronin para a IPS, de Bruxelas