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Superdelegados, mas não muito

As primárias americanas do lado dos democratas encaminham-se para a disputa mais renhida desde 1984. As campanhas de Hillary Clinton e de Barack Obama preparam-se para uma batalha de delegados. Se a corrida se decidir por uma unha negra, um contingente de elite de superdelegados - membros do partido sem compromisso e dirigentes eleitos que não são escolhidos pelos votantes nas primárias - pode desempenhar um papel determinante, muito embora a maior parte dos eleitores não saibam da sua existência. Mas como pode o Partido Democrata ser, neste contexto, não democrático?

Por Arii Berman, da The Nation

Façamos uma retropsectiva do que foi a Convenção Nacional Democrata de 1968, que exibiu a influência indevida da velha guarda do partido. Grandes caciques de cidade como o Presidente da Câmara de Chicago Richard Daley, entregaram a nomeação a Hubert Humphrey, apesar do apoio deste a uma guerra profundamente impopular e do facto de não ter ganho uma única eleição primária. Tal como Rick Perlstein conta no seu livro prestes a ser publicado ("Nixonland") Eugene McCarthy conquistou 79% dos votos nas primárias da Pensilvânia mas obteve menos de 20% dos delegados deste estado na Convenção. O resto dos delegados foi tomado pela máquina do partido. A vontade dos eleitores foi ignorada durante a Convenção, e os manifestantes que protestaram à porta foram reprimidos com cacetetes e gás lacrimogéneo.

Apesar da fraude feita nos bastidores, os apoiantes de McCarthy e de Robert Kennedy conseguiram fazer passar na convenção uma proposta que obrigava à realização de um estudo sobre a forma como o partido nomeia o seu candidato. Este esforço mais ou menos inócuo, inicialmente levado a cabo pelo governador de Iowa Harold Hughes, um popular reformador liberal, levou à constituição da Comissão de McGovern, cujo relatório de 1970, "Mandato para a reforma", conduziu por sua vez a uma revisão total das políticas do partido, tendo-se expandido de forma muito ampla o número de eleições primárias, e assegurado que os delegados à convenção eram grosso modo proporcionais aos votos obtidos nas primárias. Além disso, reduziu-se drasticamente o poder dos homens do aparelho do partido de se constituirem como delegados e ditarem a escolha do nomeado; e aumentaram a influência de forças em crecimento dentro do partido - jovens, mulheres e minorias. As novas regras ajudaram a catapultar dois cavalos pretos para a nomeação, o próprio McGovern em 1972 e Jimmy Carter em 1976.

Em 1980, o aparelho do partido já tinha visto o suficiente. Assim, contratacou com uma comissão da sua confiança, conduzida pelo governador da Carolina do Norte James Hunt. Esta comissão devolveu o poder aos dirigentes eleitos e militantes do partido, que acabariam por constituir cerca de 20% dos 4.049 delegados na Convenção Democrata. Estes 20% incluem todos os membros do Congresso Democrata e todos os governadores, mas aproximadamente metade deles são dirigentes eleitos pelas secções do partido em cada estado, que vão de dirigentes de topo a conselheiros locais a nível de cidade. Interesses chave no partido, como grupos de trabalho, podem também nomear superdelegados. De acordo com o cientista político Rhodes Cook, os superdelegados foram criados como uma "parede de segurança para enfraquecer qualquer outsider do partido que tenha ganho muita energia nas primárias"

Foi exactamente o que aconteceu em 1984, quando o Senador Gary Hart lançou um desafio "rebelde" ao candidato favorito Walter Mondale. Hart venceu 16 primárias e caucus contra 10 de Mondale, e raramente perdeu o voto popular. Mas Mondale já tinha virtualmente garantidos cerca de 700 superdelegados mesmo antes de se iniciarem as primárias. Hart provavelmente teria perdido de qualquer maneira, mas acabaram por ser os superdelegados a selar a sua derrota. "Não consegui ganhar quase nenhum deles, porque ele [Mondale] era considerado inevitável", contou-me Hart.

Quem obviamente beneficia hoje da existência de superdelegados é outra favorita do aparelho, Hillary Clinton. Antes da Super terça-feira, Obama tinha 63 delegados eleitos em primárias, contra 48 de Clinton. Mas de acordo com a CNN, Clinton levava uma vantagem enorme de superdelegados, 184 contra 95 de Obama. "Muitos dos superdelegados entravam e saiam da Casa Branca de Clinton, eram convidados para jantares, recebiam contribuições dos aliados de Clinton", diz Hart, que apoia Obama.

Clinton tem muitos contactos para espremer, no partido e na sua campanha: o antigo presidente Bill Clinton, claro, a directora de campanha de Hillary, Terry McAuliffe, que liderou o DNC (Comité nacional democrata) entre 2001 e 2005, e um representante de topo de Clinton, Harold Ickes, que faz parte do influente comité de regras do DNC. Os Clintons estão a trabalhar arduamente para trazer a maior parte dos superdelegados não comprometidos para o campo da senadora. "Eu sei que a Hillary chama regularmente superdelegados, o que é uma jogada inteligente" diz Art Torres, presidente do Partido Democrata na Califórnia. Entrevistas com superdelegados em Alabama, California, Colorado e Massachusetts - uma amostra ao acaso dos estados que vão a votos na super terça - ilustram bem esta situação. Depois de Ramona Martinez, uma conselheira da cidade de Denver, ter mudado o seu apoio de  Bill Richardson para Clinton, recebeu imediatamente os agradecimentos de McAullife e da conselheira de Clinton Ann Lewis. Em Alabama "Hillary vai obter o apoio da maioria dos superdelegados" prevê o presidente do partido neste Estado, Joe Thurman. "Muitos deles são longas e estáveis relações. As pessoas lembram-se dos anos 80 com Bill Clinton, quando este veio pela primeira vez a Alabama".

Há frequentemente uma dissonância entre as bases dos Democratas e as preferências dos superdelegados. No Colorado, Martinez admite: "Obama tem muito mais tropas no terreno". Espera-se que Obama se saia bem em Alabama, cuja população afro-americana coincide com a da Carolina do Sul. Mesmo assim, a campanha de Obama sustenta que a disputa dos superdelegados está mais renhida do que os media difundem - e que os superdelegados não comprometidos inclinam-se para o seu lado. "Bill e Hillary conseguiram o que podiam" diz um conselheiro experiente da campanha de Obama que fala sob anonimato. "Ficaram apenas com uma pequena parte dos superdelegados. O resto permanece neutro  ou indeciso e podem resistir à chamada de Clinton".

Não existe acordo dentro do partido sobre quantos dos 400 superdelegados não comprometidos já se decidiram. "Há muta gente a dizer que ainda está indeciso", diz a Presidente da Câmara de Pomona, Califórnia, uma superdelegada que apoia Obama. "Eu acho que eles já se decidiram, mas não querem dizer". Os superdelegados são claramente voláteis e podem trocar de candidato a qualquer altura. Antes do caucus de Iowa de 2004,  por exemplo, Howard Dean gozava de uma vantagem significativa entre os superdelegados. Mas depois de ter obtido um decepcionante terceiro lugar, eles saltaram do barco, apoiando a partir de então o candidato que acabou por ser nomeado, John Kerry. A mesma coisa pode acontecer a Clinton se Obama ganhar primárias suficientes e o apoio do aparelho. E John Edwars, já fora da corrida, pode aconselhar os seus superdelegados a mudarem a sua fidelidade, provavelmente para Obama.     

Independentemente do que acontecer com os superdelegados este ano, é inquietante ter um grande número de dirigentes que não respondem pelo eleitorado do partido. "Penso que a sua influência devia ser encurtada", diz Hart. Em 1988 Jess Jackson venceu as primárias em Porto Rico contra Michael Dukakis. Um mês depois, o governador de Porto Rico instruiu os seus 51 delegados para apoiarem Dukakis. "É claramente a máquina a funcionar", escreveu na altura Jackson. A campanha de 2008 expôs outra vez a influência anti-democrática da elite dos superdelegados. Mas tal como os activistas de 68 fizeram orelhas moucas aos chefes do partido, 40 anos depois os eleitores podem exigir que o candidato nomeado reflicta a sua escolha.

31 de Janeiro  

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Neste dossier:

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