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Primárias: como e para quê?

Os cidadãos dos EUA vão escolher um novo presidente no dia 4 de Novembro de 2008. Mas esta data é apenas o culminar de um longo processo eleitoral, que já começou. Em todos os Estados do país, os eleitores de cada um dos principais partidos - Democrata e Republicano - mas em alguns casos também eleitores independentes - elegem delegados afectos ao candidato da sua preferência. Veja como funciona este processo, e consulte também o calendário das primárias.

 

São as convenções nacionais de cada partido, compostas por delegados, que vão escolher qual o candidato que cada partido vai apresentar nas eleições presidenciais. O congresso democrata realiza-se entre os dias 25 e 28 de Agosto, em Denver, no estado do Colorado. Já o republicano está marcado para os dias 1 a 4 de Setembro, em St. Paul, no estado de Minnessota.

As primárias não são mais do que a eleição de delegados para as convenções nacionais de cada partido. Mas a forma como são feitas varia de Estado para Estado e de partido para partido, e é precisamente esse facto que faz destas eleições um processo complexo e às vezes confuso.

Tipos de primárias

Dependendo do Estado em causa, existem três tipos de eleições primárias: fechadas, semi-fechadas e abertas.

Para compreendermos estes conceitos importa esclarecer o seguinte: nem todos os potenciais eleitores podem votar, se não estiverem recenseados como eleitores; quando um cidadão se recensea como eleitor, pode fazê-lo registando-se como independente, como republicano ou como democrata. Por exemplo, no Estado do Nevada, existem 979.294 eleitores recenseados (dados de Dezembro de 2007). Destes, 396.742 estão registados como Democratas, 391.875 como republicanos e 141.094 registaram-se como independentes.

Ora, em todas as primárias (fechadas, semi-fechadas ou abertas) nenhum eleitor pode votar nos dois boletins de voto, ou seja, tem sempre que escolher entre colocar uma cruz no boletim de voto dos republicanos ou uma cruz no boletim de voto dos democratas.

Nas primárias fechadas apenas podem votar os eleitores registados nos partidos. Os eleitores democratas votam para eleger o candidato democrata enquanto os eleitores republicanos elegem o candidato republicano. Os eleitores registados como independentes não votam.

Nas primárias semi-fechadas, a única diferença é que os eleitores independentes podem votar, escolhendo o boletim de voto republicano ou democrata.

Nas primárias abertas os eleitores (democratas, republicanos ou independentes) podem votar em qualquer candidato, mas apenas num, sem que seja possível saber se votou num republicano ou num democrata, dado que a escolha do boletim de voto respectivo não é pública. Isto significa que não são apenas os eleitores independentes que beneficiam desse sigilo, mas também os próprios democratas e republicanos. Ou seja, um eleitor republicano pode votar num candidato democrata e vice-versa.

Consoante a votação de cada candidato, este elege delegados à Convenção Nacional. No caso do Partido Democrata esta eleição é proporcional, embora haja valores mínimos a atingir para que se possa eleger delegados (em geral, 15%). Mas no caso do Partido Republicano, em praticamente todos os Estados, o candidato vencedor, nem que seja apenas por um voto, arrecada todos os delegados desse Estado.

Os Caucus

Contudo, além das primárias mais comuns, que implicam uma eleição de voto secreto em que cada eleitor utiliza um boletim de voto (exceptuando-se, nas primárias fechadas, os eleitores independentes), existem também outro tipo de primárias, que ocorrem em cerca de um terço dos Estados: os chamados "caucus".

Os caucus são outra forma de eleger delegados às convenções nacionais dos partidos, forma essa que é utilizada por alguns Estados, como é o caso do Iowa. A palavra "caucus" parece ter origem no vocabulário índio, significando uma espécie de reunião de chefes tribais.

Os caucus são reuniões locais nas quais os eleitores de uma determinada vila ou cidade, registados num determinado partido, se juntam para decidirem que candidato do seu partido vão apoiar. Tratam-se de "assembleias de moradores", ora de republicanos ora de democratas, que incluem algum debate político e votações, de braço no ar ou escrevendo num papel. Estas assembleias elegem delegados para outras assembleias de nível superior (poderíamos designá-las de "assembleias por concelho", nível superior às "assembleias por feguesia"), que por sua vez elegem delegados para "assembleias por distrito", que, finalmente, elegem delegados para a "assembleia de Estado", e esta sim, elegerá os delegados para a Convenção Nacional. Contudo, as regras variam de partido para partido e de Estado para Estado.

Por exemplo, no Caucus do Iowa, existem 1784 "freguesias". Em cada umas delas, cada partido organiza uma reunião de moradores filiados. Geralmente, estas assembleias ocorrem em escolas, igrejas, bibliotecas ou mesmo em casa particulares. No caso do Partido Republicano, os eleitores do partido, presentes na reunião, ouvem um representante da campanha de cada candidato sustentar as suas posições e preenchem num papel em branco o nome do candidato que apoiam. Os resultados desta votação dão origem à eleição de delegados às assembleias de nível geográfico posterior e assim sucessivamente.

No caso dos Democratas o processo é um pouco mais complicado. Os participantes sentam-se em zonas definidas que correspondem ao apoio a um dos candidatos. Aqueles que chegarem à assembleia sem nenhuma posição definida sentam-se na zona dos "indecisos". Depois, num curto debate de 30 minutos, os representantes das várias candidaturas tentam convencer os participantes. Nesta altura, podem ocorrer mudanças de posição na sala, com os indecisos a dirigirem-se para a zona de um determinado candidato, ou mesmo simpatizantes de certo candidato mudarem de opinião e dirigirem-se para a zona de outro candidato. Depois destes 30 minutos, é feita a votação de braço no ar. Passam a uma segunda volta os candidatos que superarem um determinado número de votos (entre 15 a 25%, consoante os Estados). De seguida, com mais 30 minutos de discussão, os eleitores que votaram num candidato que não obteve o número mínimo de votos para continuar escolhem juntar-se a um dos candidatos viáveis. Ou, em alternativa, vários eleitores de vários candidatos inviáveis podem juntar-se para apoiar um deles, que assim pode continuar na corrida.

Estes realinhamentos são cruciais nos processos de caucus, dado que a segunda escolha de um eleitor pode ter um efeito determinante na eleição de delegados. Esta questão é apontada como uma das principais vantagens dos caucus em relação às outras primárias. No entanto, o facto de nos caucus, em geral, o voto não ser secreto, é também apontado como uma desvantagem deste sistema, tornando as pessoas mais vulneráveis à pressão de determinados vizinhos. Há contudo, uma opinião interessante e polémica, expressa por Will Durst. Segundo este colonista da Alternet, foi precisamente o facto de o voto ser secreto no estado de New Hampshire que explica a vitória de Hillary Clinton contra todas as sondagens, dado que os eleitores democratas confrontaram-se no momento do voto, sozinhos, com os medos e fantasmas da possível eleição de um candidato negro. Segundo esta teoria - repetimos, muito polémica - os caucus seriam uma espécie de "libertação iluminista" em que a discussão racional venceria todos os preconceitos...

Além dos delegados eleitos nos caucus e nas primárias convencionais, há também os chamados superdelegados, que não são eleitos dado que correspondem a inerências em cada um dos grandes partidos.

Críticas

O sistema de primárias nos EUA tem gerado inúmeras críticas, principalmente devido ao seu calendário. Na verdade, muitos contestam a desigualdade que se gera entre a capacidade decisória dos eleitores de cada Estado. Isto porque os últimos Estados em que ocorrem as primárias, praticamente já não contam para decidir coisa nenhuma, independentemente do resultado da sua votação. Os primeiros Estados em que se realizam as primárias, ainda que possam ter pouca expressão eleitoral no conjunto do país, acabam por adquirir um pesos desproporcionado, dado que contribuem para um certo efeito bola de neve. Na esmagadora maioria das primárias já realizadas - tanto para os republicanos como para os democratas - quem vence nos dois primeiros Estados vence no país (o caso de Bill Clinton foi uma das poucas excepções). E muitos criticam este efeito artificial das primeiras vitórias, até porque os Estados do Iowa e do New Hampshire (os primeiros a realizarem primárias) não são representativos da população americana pois são mais brancos, mais rurais e mais ricos do que a média do país. Contudo acabam por ter muito peso na decisão final.

No sentido de corrigir algumas das perversidades do sistema, o período das primárias tem vindo a ser encurtado, apesar de isso ter como consequência a dificuldade dos candidatos poderem fazer campanha em todos os Estados, aumentando, obviamente, o poder dos anúncios pagos na televisão.
A super-terça feira é considerada a data mais importante das primárias e foi criada para impedir que muitos Estados deixassem de ter uma influência real nos resultados finais. Neste dia (5 de Fevereiro) há primárias em 21 Estados, sendo que o vencedor nacional de cada partido é quase sempre conhecido nessa noite.

Convenções nacionais

Terminada a votação em cada estado, os partidos realizam os seus congressos nacionais, nos quais os candidatos são finalmente oficializados, apesar de já se saber antes o vencedor, pela soma dos delegados conquistados em cada Estado. E, em quase todos os casos, o candidato de cada partido é escolhido quase por unanimidade dos delegados, dado que os delegados dos candidatos minoritários, sabendo que não podem vencer, preferem entregar uma vitória inequívoca ao único candidato que pode saír vencedor, conseguindo desta forma fortalecer a unidade do partido e o carisma do próprio candidato.

Eleições presidenciais

Definidos os candidatos de cada partido, inicia-se a campanha para as eleições presidencias, podendo os eleitores escolher entre um candidato democrata, outro republicano e, se houver, candidatos independentes. Os mais de 200 milhões de eleitores norte-americanos darão o seu voto (que não é obrigatório) para eleger o presidente. Mas não serão eles que determinarão o resultado final e sim um Colégio Eleitoral composto por representantes eleitos em cada Estado.

O número de representantes eleitos em cada Estado é proporcional à população desse Estado. Contudo, o candidato que ganhar o maior número de votos populares leva todos os delegados desse Estado (curiosamente, neste aspecto, as eleições para Presidente seguem a regra das primárias republicanas). Por esse sistema, mesmo que um candidato A tenha obtido, por exemplo, 30% dos votos da população de um Estado, esses votos não terão nenhum peso na contagem final se o seu adversário B ganhar a maioria dos votos populares (51% ou mais).

Isto significa que, no final, o Presidente eleito pode não corresponder ao candidato que obteve mais votos a nível nacional. Foi precisamente o que sucedeu quando Bush venceu Al Gore, há oito anos atrás.

CALENDÁRIO DAS PRIMÁRIAS

JANEIRO 2008

-3 Janeiro: Iowa

-5 Janeiro: Wyoming (republicanos)

-8 Janeiro: New Hampshire

-15 Janeiro: Michigan

-19 Janeiro: Nevada, Carolina do Sul (republicanos)

-26 Janeiro: Carolina do Sul (democratas)

-29 Janeiro: Flórida

FEVEREIRO 2008

-1 Fevereiro: Maine (republicanos)

-5 Fevereiro: (Super-terça) Alabama, Alasca, Arizona, Arkansas, Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Geórgia, Idaho (democratas), Illinois, Kansas (democratas), Massachusetts, Minnesota, Missouri, Nova Jersey, Novo México (democratas), Nova York, Dakota do Norte, Oklahoma, Tennessee, Utah.

-9 Fevereiro: Louisiana, Kansas, Washington, Nebraska (democratas)

-10 Fevereiro: Maine (democratas)

-12 Fevereiro: Distrito de Columbia, Maryland, Virgínia

-19 Fevereiro: Havaí (democratas), Wisconsin

O Partido Republicano não deve realizar primárias ou "caucus" propriamente ditos no Havaí. Os delegados serão selecionados durante o prazo de uma semana, que inicialmente poderia terminar no dia 7 de fevereiro

MARÇO 2008

-4 Março: Ohio, Rhode Island, Texas, Vermont

-8 Março: Wyoming (democratas)

-11 Março: Mississipi

ABRIL 2008

-22 Abril: Pensilvânia

MAIO 2008

-6 Maio: Indiana, Carolina do Norte

-13 Maio: Nebraska (republicanos), Virgínia Ocidental

-20 Maio: Kentucky, Oregon

-27 Maio: Idaho (republicanos)

JUNHO 2008

-3 Junho: Montana, Novo México (republicanos), Dakota do Sul

AGOSTO 2008

25-28 Agosto: Convenção Nacional Democrata em Denver (Colorado)

SETEMBRO 2008

1-4 Setembro: Convenção Nacional Republicana em Mineápolis-St.Paul, Minnesota.

Esquerda.net

(...)

Neste dossier:

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Primárias: como e para quê?

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