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Orgulhosamente sós?

O Bloco tem defendido uma auditoria exaustiva à dívida. Esta é uma medida que nos permite começar a renegociar a dívida imediatamente, sem fazer concessões aos grandes grupos financeiros que comprometam a estabilidade da nossa economia.

Quando o FMI entra em Portugal, de braço dado com as instituições europeias, sabemos bem qual será o resultado: implementação de políticas de austeridade que reduzirão o nível de vida da população, aumentarão a pobreza e o desemprego e destruirão a economia. A médio prazo enfrentaremos o aumento das taxas de juro, o ataque das empresas de rating e, eventualmente, a bancarrota. Nada menos que a prosperidade de um país está em jogo nas próximas eleições legislativas, que já foram comparadas a um referendo às políticas do FMI. Neste contexto, é imperioso assumir a responsabilidade de apresentar propostas credíveis e exequíveis para a saída da crise e não ceder à tentação de tentar resolver um problema complexo com slogans esquerdistas.

A pior resposta que a esquerda pode dar à crise é o nacionalismo bacoco de quem defende a saída da União Europeia ou, pelo menos, do euro, em nome da recuperação da soberania nacional. Várias propostas apresentadas por algumas correntes de esquerda caem na prática nesta categoria de políticas “orgulhosamente sós”, de entre as quais se destaca o não pagamento da dívida externa. Apenas uma profunda incompreensão de como funciona a economia portuguesa pode explicar este esquerdismo inconsequente.

Se Portugal entrasse em default e deixasse de pagar a dívida perderia o acesso ao crédito e ficaria isolado internacionalmente. Sejamos muito claros quanto a isto: do que estamos a falar é de ficar sem a liquidez necessária para financiar as políticas de investimento público que nos permitam sair da recessão. O isolamento à moda de uma aldeia gaulesa (sem poção mágica) teria ainda como consequência a saída do euro (provavelmente imposta do exterior) e a desvalorização da moeda nacional.

Nós não temos indústria exportadora, dado que a nossa burguesia tem vivido sempre à custa de benesses do Estado concentradas em bens e serviços não transaccionáveis, nem a podemos desenvolver de um momento para o outro. Uma desvalorização da moeda implicaria, portanto, um enorme aumento do custo de vida (porque a maioria das coisas que consumimos são importadas) e uma enorme descida dos salários reais. No meio da desgraça, só se salvavam as poucas empresas que vivem da exportação. Não poderia haver solução mais irresponsável para a crise.

Daqui não decorre a inviabilidade da tese segundo a qual a adesão ao euro foi desastrosa para uma economia periférica como a nossa. A moeda única implicou a submissão da economia portuguesa a regras orçamentais feitas à medida dos países mais prósperos e a abertura das fronteiras levou à destruição da agricultura e da indústria, é certo. Mas sair agora do euro isoladamente seria tentar emendar um erro com outro pior ainda.

Quanto ao não pagamento da dívida, não vejo como possa ser eticamente e politicamente defensável. Embora compreenda os argumentos de quem acusa o Estado de se ter endividado de forma ilegítima, não consigo perceber que vantagens teríamos nós em constar de uma lista negra de caloteiros que se recusam a pagar a dívida. Também não entendo como podemos encarar de frente as consequências sociais do não pagamento da dívida em outros países, nomeadamente quando empresas estrangeiras despedirem trabalhadores porque ficaram “a arder” quando o povo português gritou “não pagamos!”.

O Bloco de Esquerda tem já defendido uma auditoria exaustiva à dívida. Mais que uma exigência de transparência e democracia económica, esta é uma medida que nos permite começar a renegociar a dívida imediatamente, sem fazer concessões aos grandes grupos financeiros que comprometam a estabilidade da nossa economia. Complementarmente, o Bloco tem defendido medidas que visam atingir o equilíbrio orçamental sem destruir os serviços públicos, o Estado Social ou a economia. Fossem estas propostas aplicadas e teríamos hoje um país mais próspero e justo.

Temos ainda muito trabalho pela frente. Temos de estudar mais, saber mais, pensar mais e melhorar a cada dia o programa anti-crise que apresentamos agora ao escrutínio democrático. Precisamos de mais pensamento activista e de menos propaganda agitadora. Não creio que os trabalhadores, reformados, pensionistas, desempregados e estudantes deste país perdoassem à esquerda a incapacidade de pensar e lutar por reformas estruturais que abram o caminho à transformação da economia e à melhoria das condições de vida de quem não nasceu em berço de ouro e antes pretendesse montar um programa de governo a partir de um conjunto de chavões. Sei que eu não perdoaria.

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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