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“Estamos a viver a primeira revolução depois da Unidade Popular no Chile”
Entrevista com José Albornoz, deputado e secretário-geral do partido Pátria Para Todos - PPT, apoiante de Hugo Chávez e defensor do "Sim" no referendo à Reforma Constitucional. O PPT pertence à maioria chavista, mas tal como o Partido Comunista da Venezuela recusou dissolver-se e integrar o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela). Entrevista de Cláudia Jardim publicada em Brasil de Fato
O presidente venezuelano Hugo Chávez conta com o poder de uma lei habilitante que lhe permite governar por decreto até meados do próximo ano. Porquê propor uma reforma constitucional se poderia decretar tais mudanças?
Porque simplesmente decidimos governar com o povo. Se Chávez decreta, a decisão estaria restrita ao Congresso e ao presidente da República. A ideia é que todos participem do projecto, por isso se submete à consulta. Poderíamos afirmar que a nossa reforma é uma reforma conservadora. Não entendo porquê tanta polémica. Não estamos transgredindo nenhum direito político ou social.
As últimas sondagens apontam uma disputa acirrada entre o "sim" e o "não"...
A oposição está convencida de que vai perder, mas a sua intenção agora é reduzir a margem de 60% para 40% que vem se repetindo nas últimas eleições (chavismo e oposição, respectivamente). Se eles reduzirem a diferença, utilizarão o facto como se fosse a primeira derrota de Chávez. Esta estratégia está coordenada com os Estados Unidos. Quando Manuel Rosales - ex-candidato presidencial - se reuniu com o representante para América Latina do Departamento de Estado, Thomas Shannon (Outubro 2007), pretendia negociar o financiamento e o apoio a uma saída antidemocrática. A orientação dos EUA foi que a oposição deveria trabalhar a médio e longo prazo para derrotar Chávez. Eles (a oposição) estão de olho nas eleições de governadores no próximo ano. Necessitam recuperar estes espaços de poder (O chavismo controla 21 dos 23 estados do país).
Se aprovada a reforma, a aplicação do Poder Popular e o papel que devem tomar os Conselhos Comunais na tomada de decisões tende a substituir o poder dos governadores e prefeitos. Esse pode ser o pivô para o surgimento de uma oposição dentro do chavismo?
Quando a aplicação de um projecto implica na ruptura de velhos paradigmas pode haver resistência e se as mudanças não são trabalhadas politicamente, para que exista um entendimento das suas necessidades, isso pode gerar oposição porque muitos interesses estarão confrontados. O caso do general Isaías Baduel (ex-ministro da Defesa que passou a criticar publicamente a reforma) é um exemplo disso. Se não há maturidade ideológica e do período histórico que estamos vivendo, a crítica se desliza e cai no campo da direita. Acredito que Baduel assim como o Podemos (partido que se desligou da base chavista) deixaram o processo pensando que poderiam criar um lugar no meio, mas aqui não há espaço intermediário.
Por quê?
A oposição, para fortuna do nosso governo, é bastante torpe e desperdiçou uma grande oportunidade quando decidiram sair da disputa das eleições parlamentares em 2005. Nesta ocasião, a oposição abriu mão de pelo menos 20 cadeiras no parlamento porque confiava que funcionaria uma via mais rápida, não democrática, para derrocar o governo. Não funcionou. Esta mesma oposição acabava de sair de um golpe de Estado. Quando o jogo do adversário não é democrático as regras se limitam à polarização e não permite a construção de espaços intermediários, o que é lamentável.
Chávez afirma que a reforma sentará as bases para a construção do socialismo venezuelano. Que tipo de socialismo está em debate?
Estão sendo discutidos três modelos: o socialismo democrático que está muito próximo da social-democracia; o socialismo real, pensando na perspectiva soviética; e o socialismo bolivariano, corrente que apoio. Acredito que não devemos importar um modelo de socialismo, o manual clássico não cabe aqui.
Quais são as bases que fundamentam o socialismo bolivariano ?
O socialismo bolivariano deve ter outro paradigma. Estamos a viver a primeira revolução depois da Unidade Popular no Chile que se dá em paz e no campo da democracia. Decidimos fazer a transformação junto com o povo. Por isso, nossas mudanças são mais lentas, porque não se tratou de tomar o poder pela força. Essa reforma constitucional é parte dessas mudanças. Nosso sujeito histórico são os excluídos que abarcam grande parte da população. A cultura, economia e a própria história venezuelana devem determinar este novo modelo.
Se aprovada a reforma, o presidente poderá ser reeleito sem limites de número de candidaturas. Se o que está em discussão é o projeto socialista, porque há a necessidade de que Chávez seja o condutor do projeto?
Os líderes no mundo jogam um papel muito importante. Chávez representa uma liderança coletiva porque responde aos interesses da maioria e isso é ainda mais importante quando este líder está próximo de quem realmente toma as decisões, que é o poder popular. O poder popular deverá substituir o poder centralizado, este é o nosso projeto. Por outro lado, a legislação actual cerceia o direito do povo de eleger seu presidente quantas vezes achar necessária. Com a reforma se tem a liberdade de escolher. E no dia em que o povo venezuelano não quiser mais que o presidente Chávez governe, ele será substituído.
O que se pode esperar para o próximo período, pensando nos dois resultados possíveis no referendo?
Se perdermos, é sinal de que nos equivocamos. Teremos de corrigir algumas coisas. Mas acredito na vitória. Entraremos em uma etapa muito importante de consolidação do processo revolucionário. Muitos projectos estarão orientados no sentido de incluir o poder popular, abrindo novos espaços de participação. O nascimento de um novo Estado não é magia, e sim um parto. Um parto em que tem de haver muitas parteiras. E como todo parto, produzirá dor, mas depois gerará o prazer de ter um novo filho.
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