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Actividades de tempo livre sem tempo nem liberdade
Pela sua imaturidade bio-social e dependência dos adultos, as crianças têm, nas nossas cidades, direitos limitados: não podem correr à vontade, gritar, escrever nas paredes, saltar, cantar alto, fazer barulho, pendurar-se nos espaços exteriores, subir às árvores, saltitar, nem sequer esconder-se dos adultos para pensar, quando estes não as entendem.
Texto de Maria José Araújo
Os lugares de brincadeira e esconderijo, lugares que estimulam a exploração e a transgressão de todo o tipo de limites, possibilitando formas de transformar o mundo, estão em extinção nos grandes centros urbanos. As crianças, submetidas a pressões educativas, pragmáticas e intelectuais excessivas, "rebentam" pelo comportamento.
A hiper-escolarização, a institucionalização do tempo livre e a existência mais ou menos generalizada de instituições para acompanhamento escolar, fora da escola, como é o caso dos Centros de Actividades de Tempo Livre constitui em si mesma um fenómeno social gerador de transformações no modo de vida das crianças, nos seus hábitos, na sua maneira de pensar, conviver e crescer. Os adultos têm tido dificuldade em encontrar fórmulas interessantes que lhes permitam dar conta de uma coisa tão simples e complexa como é entender as crianças e fazer da sua vida uma infância de agradáveis lembranças.
As crianças acomodam-se ou resistem a um quotidiano preenchido por tarefas, em espaços fechados com gente de todo o tamanho e de todos os jeitos, que supostamente as "entretêm". Numa sociedade em que "incessantemente se afirma o primado do trabalho (produtivo) sobre o lazer (inútil) e da razão (objectiva) sobre a fantasia (irreal) não admira, pois, que as sucessivas aquisições que são proporcionadas às crianças em vez de constituírem novos apelos ao imaginário, sejam o contrário, novas pontes para o real", como refere Agostinho Ribeiro (1988: 4).
Da visão das crianças sobre o mundo monstruoso, apopléctico, tentacular, atropelante e todavia sedutor já nos falava o Amadeu de "Cinco Réis de Gente", da capacidade de sonhar, imaginar e aventurar no tempo livre fala-nos o Zézé de "O Meu Pé de Laranja Lima". E nós? Nós inventamos uma solução nova: fazemos de conta que não vemos.
Neste sentido, e para recuperar a criatividade das crianças, é preciso encontrar um diálogo produtivo junto das crianças e jovens, das escolas e professores, dos pais e encarregados de educação e do público em geral, pois que me parece absolutamente necessário e urgente reabilitar o brincar e sobretudo o brincar com os outros (os amigos), o "brincar com". "Brincar e sonhar (ou brincar sonhando) é algo que nos permite crescer e encontrar ideias, novas acções educativas ou reeducativas, quer se trate de crianças ou adultos, na área do conhecimento, do auto-conceito ou da interacção social, devemos começar por estabelecer as condições para se poder brincar" (Ribeiro 1988: 4).
Notas
1) RIBEIRO, Agostinho (1988) Brincar, Sonhar e Criar: Para uma psicopedagogia da Criatividade. Porto: FPCE-UP.
Maria José Araújo é investigadora do centro de investigação e intervenção educativas da FPCEUP
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