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"Um em cada oito polacos vive na miséria"
Durante o mês de Junho, as enfermeiras polacas protestaram contra os baixos salários e os cortes orçamentais na saúde, acampando durante várias semanas em frente à residência do primeiro-ministro. Esta mobilização social mereceu a solidariedade de várias organizações de esquerda, como foi o caso do sindicato de mineiros "Agosto 80". O Esquerda.net reproduz uma entrevista ao líder deste sindicato, Bogusław Ziętek, que é também líder do Partido Polaco do Trabalho. Fala-nos sobre a realidade social Polaca (uma em cada oito pessoas vive com menos de 100 euros por mês), sobre o referendo que reivindicam contra a instalação na Polónia de bases americanas com escudos anti-mísseis, e sobre a repressão sofrida pelos movimentos sociais.
Entrevista a Bogusław Ziętek, conduzida por Kuba Puchan.
O Governo Polaco vangloria-se dos resultados económicos muito positivos. Ao mesmo tempo, surgem protestos dos mais variados sectores sociais. O que está na origem desta discrepância?
A Polónia tem assistido a um crescimento económico de há já vários anos para cá. Infelizmente, este progresso não tem contribuido para melhorar o bem-estar social. Aliás, este crescimento tem sido feito à custa das horas extraordinárias que ficam por pagar a muitos trabalhadores. Enquanto a produtividade dos trabalhadorers subiu 43% do ano 2000 para 2005, os salários só aumentaram 7%. Há 10 anos atrás 4% dos polacos viviam abaixo do limiar da sobrevivência, ou seja, com menos de 100 euros por mês. Hoje, essas pessoas são já 12,8% da população. Isto significa que um em cada 8 polacos vive na completa miséria, além dos 60% que vivem abaixo da chamada linha social de pobreza.
Até ao início dos anos 90, os salários dos funcionários públicos estiveram sempre ao nível da média do país. Mas hoje recebem entre 40 a 60% do salário médio. Os liberais sempre apregoaram que o nível de vida melhoraria assim que a economia melhorasse. Mas aconteceu exactamente o oposto. O capitalismo polaco cria cada vez maiores graus de estratificação social, e cada vez mais grupos inteiros da sociedade empobrecem mesmo durante a prosperidade económica. E já estão fartos desta situação. Na minha opinião contiveram pacientemente durante muitos anos a sua insatisfação.
A Greve das enfermeiras polacas teve um grande impacto. Como reage o Governo perante os protestos sociais?
Os irmãos Kaczynski utilizam uma linguagem pró-social, mas o que dizem e a forma como o dizem é exactamente o oposto daquilo que fazem. O Governo não resolve importantes problemas sociais. Em vez disso, utiliza a repressão política (excluindo da vida pública ex-oficias dos Serviços Secretos e membros do anterior Partido dos Trabalhadores), persegue quem teve um passado comunista, e torna ainda mais restritiva a lei do aborto. Durante os últimos oito anos cresceu a repressão sobre os movimentos sociais e os sindicatos.
Os médicos em greve são obrigados a alistar-se no exército. Os professores são intimidados com a dissolução dos seus sindicatos, já com mais de 100 anos de existência. Três membros do nosso sindicato foram recentemente despedidos por organizarem um protesto em solidariedade com os trabalhadores das minas de carvão de "Szczyglowice", em Knurow. Antes disso já um grupo de activistas nossos tinha sido despedido da mina de carvão de "Budryk", embora tenham podido voltar aos seus postos de trabalho depois da decisão favorável do tribunal do trabalho. As pessoas são despedidas por simplesmente tentarem organizar sindicatos nas suas empresas. O Governo fecha os olhos a estas práticas, mas aceita-as totalmente nas empresas do Estado.
Não existe diálogo social na Polónia. Os trabalhadores por conta de outrém foram empurrados para os "becos escuros" da sociedade. Muitos deles não têm contrato de trabalho e centenas de milhares estão privados de direitos humanos. Não têm direito a férias ou a baixas por doença e recebem abaixo do salário mínimo garantido por lei. Eles são os escravos dos nossos dias. E ninguém pode ficar espantado por 3 milhões de polacos terem deixado o país algures à procura de uma vida normal.
Felizmente, a consciência sindical e social está a aumentar, assim como a solidariedade entre diferentes grupos da sociedade, tal como ficou patente durante o protesto das enfermeiras, com o apoio que receberam de sindicatos dos mineiros. Eu penso que o mundo dos trabalhadores vai contra-atacar na Polónia, apesar de sabermos que a polícia e os serviços secretos preparam provocações contra os dirigentes sindicais.
Tal como acontece na República Checa, na Polónia os planos para o escudo anti-míssil estão a ser amplamente debatidos. Como é que a sociedade encara esta questão? Que partidos da esquerda polaca se opõem a estes planos e que acções estão a tomar?
A sociedade polaca está contra a contrução dos escudos anti-mísseis, tal como se opõe à implantação de bases militares dos EUA na Polónia. De acordo com as últimas sondagens 60% da população está firmemente contra esta ideia. A sociedade polaca esteve contra o envolvimento nas guerras sujas do Iraque e do Afeganistão. Infelizmente, ninguém pediu autorização à maioria da população. Temos uma sociedade inteligente e um governo estúpido que coloca em causa a nossa segurança. Leva-nos à desonra por fazer parte de uma guerra dos imperialistas americanos que apenas estão interessados em assegurar os seus próprios negócios.
Na Polónia faltam fundos para muitas coisas. Para o sistema de saúde, para aumentar os salários dos professores, para subir o valor das pensões. Em vez disso gastam-se biliões de dólares em guerras. Não apenas em guerras. Comprámos aviões americanos, F-16, por vários biliões de dólares. Para quê? Apenas para ter novos brinquedos para generais imbecis. E agora a todo o custo e cheios de pressa querem instalar bases americanas e escudos anti-mísseis sem qualquer consulta à população. Este é o estilo dos Kaczynskis: mentes estreitas que manejam um sabre. Mas todos nós sofreremos as consequências. A Polónia não tem inimigos externos. E não há factores racionais que prevejam a alteração desta situação, a menos que a provoquemos através de decisões governamentais irresponsáveis. A segurança internacional e da Polónia não são uma razão válida para instalar bases militares estrangeiras. O escudo anti-míssil não nos oferece mais segurança. Pelo contrário, vai aumentar a ameaça, expondo-nos a perigos letais. O acordo para a instalação das bases na Polónia implica um maior envolvimento nas políticas internacionais agressivas dos EUA.
É por isso que tanto o Partido Polaco do Trabalho como o Sindicato Livre "Agosto 80" iniciaram em mais de 100 cidades uma recolha de assinaturas para a realização de um referendo sobre este assunto. A esta iniciativa juntaram-se outras organizações e partidos de esquerda como o "Verde 2004", o Partido Comunista da Polónia e o Partido Socialista Polaco. Queremos juntar 500 mil assinaturas, para que em referendo possamos forçar as autoridades a reconhecer a vontade social, dizendo NÃO às bases americanas.
Mencionaste o Partido Polaco do Trabalho. Sentes-te desconfortável sendo ao mesmo tempo líder desse partido e do sindicato?
Tenho o dobro do trabalho para fazer e esse é o único inconveniente. Esta é uma prática comum na Polónia: basta recordarmos o activista sindical que foi Lech Walesa, que se tornou Presidente. Também podíamos mencionar Andrew Lepper, que foi líder do sindicato "Autodefesa" e líder do partido com o mesmo nome. Queremos construir a esquerda ancorada nos movimentos feministas e contra a guerra, mas mantendo uma ligação profunda com os sindicatos.
Qual é a situação da esquerda polaca?
A maior organização é a Aliança Democrática de Esquerda (LaD). A LaD não é uma organização de esquerda. São eles que têm apoiado as reformas liberais, com a anulação de postos de trabalho e as privatizações. Trairam os valores de esquerda estendendo o tapete a um estado confessional (através de um acordo com o Vaticano e da introdução da religião nas escolas) e tiveram um papel central para envolver a Polónia nas Guerras do Iraque e do Afeganistão. São uma pseudo-esquerda, que considera a abolição do aborto um "compromisso histórico". Não queremos ter nada em comum com eles! Por isso, criámos uma coligação que irá futuramente a votos, chamada "Porozumienie Lewicy" (algo como Esquerda Unida, ou Esquerda Aliada), com organizações mais pequenas como o Partido Socialista Polaco e o Movimento de Renovação Económica de Edward Gierek. Queremos criar uma organização de esquerda baseada em organizações ideológicas de esquerda e no movimento dos trabalhadores. Este último joga um papel importante, senão mesmo o mais decisivo. O movimento dos trabalhadores tem que deixar de ser um parceiro menor de partidos políticos para se levantar com personalidade própria no confronto político.
Bem sei que o Partido Polaco do Trabalho ou a recentemente criada "Porozumienie", vão ser acusados de populismo e de defesa fácil dos mais desfavorecidos. Devo dizer que me sinto lisonjeado com tais epítetos. Nós não queremos saber das dificuldades dos que estão no mundo dos negócios. Esses têm os seus advogados, mas há milhares de explorados e excluídos que não têm. O lugar da esquerda é entre os trabalhadores, nas suas lutas nas empresas e na rua, e entre todos os excluídos e discriminados. Temos que organizar e apoiar a luta destes grupos. Esta é a única hipótese do movimento social aparecer com força na Polónia, depois de uma ofensiva liberal que já leva 18 anos.
Nota: Esta entrevista foi realizada para o Esquerda.net por Kuba Puchan, jornalista e membro do "Sindicato Livre Agosto 80".
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