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O povo que insiste em dizer “Não!”

Os islandeses voltaram a dizer “Não!”: “não assumimos a responsabilidade dos erros cometidos por um banco”. Se quisermos fazer uma equivalência directa ao que se passa actualmente em Portugal, o que os islandeses fizeram foi recusar salvar o seu BPN pelos erros que cometeu.
É também através do exemplo da Islândia que percebemos que em Junho não estaremos “apenas” a votar numas “eleições comuns”, estaremos a fazer o nosso próprio referendo.

Da Islândia pouco se tem falado em Portugal. Em situações normais, este facto não seria relevante. Mas não é de situações normais que estamos a falar. Trata-se de um país europeu mergulhado na crise, tal como nós, que sofre já da austeridade imposta pelo FMI, a quem já batemos à porta. Numa altura como estas devia, pois, falar-se da Islândia, e muito.

Pela segunda vez, os cidadãos deste país foram chamados a referendo para dizerem se pagariam ou não os 4 mil milhões de euros que os governos inglês e holandês reclamam em resultado da falência do Banco Icesave. Os islandeses voltaram a dizer “Não!”: “não assumimos a responsabilidade dos erros cometidos por um banco”. Se quisermos fazer uma equivalência directa ao que se passa actualmente em Portugal, o que os islandeses fizeram foi recusar salvar o seu BPN pelos erros que cometeu.

Em declarações recolhidas por Helena Carvalho num artigo que publicou recentemente, dizia uma cidadã islandesa: “Imagine que o seu governo lhe pede a si e à sua família para que faça o sacrifício de pagar 50 mil euros porque o banco foi à falência. Isto pareceria uma situação peculiar mas não nos tempos que correm”. Pois é, tem toda a razão. Nos tempos que correm pedir às famílias que paguem pelos erros dos bancos passou a ser uma coisa que devemos entender como “normal”. Os islandeses não o entendem assim e ainda bem. A mesma cidadã referiu-se ao referendo da semana passada como “um espectáculo único de pessoas que estão a viver uma crise”. Eu não o diria melhor, um espectáculo de democracia. Este resultado é tão mais relevante se tivermos em conta as ameaças que foram feitas durante a campanha - “se vencer o não, as consequências serão muito piores”. É caso para perguntar: onde é que já ouvimos isto? Infelizmente, já ouvimos vezes demais e acanhamo-nos. Criou-se o caminho da “solução única”, como se alternativas não houvesse.

Os islandeses estão já a sofrer a intervenção do FMI, estão já a pagar a sua dívida pública, estão já a sofrer as consequências económicas e sociais disso mesmo. Recusaram assumir a dívida de um banco e isso permitiu que a economia recomeçasse a crescer. O futuro é incerto, mas é mesmo essa a natureza do futuro. Aqueles que nos apresentam o futuro como certo são os mesmos que nos têm agravado a perda de direitos sem que a tão anunciada retoma após os sacrifícios se veja sequer ao fundo do túnel.

É também através do exemplo da Islândia que percebemos que em Junho não estaremos “apenas” a votar numas “eleições comuns”, estaremos a fazer o nosso próprio referendo. Aí teremos a oportunidade de dizer se queremos continuar a pagar a dívida que não criámos ou se pagamos apenas a parte, com transparência e democracia. É também por tudo isto que uma auditoria à dívida portuguesa é tão urgente para que possamos saber de quantas partes se faz o todo e quais as partes que são dívida privada. Entre a democracia e o medo, a democracia.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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Neste dossier:

Islândia: exemplo de resistência

O capitalismo viking e a corrupção levaram a Islândia à bancarrota. O governo conservador que nacionalizou os bancos e negociou o regaste financeiro com o FMI acabou por cair com a pressão do povo na rua. Alguns banqueiros foram presos. O novo governo social-democrata tenta em vão aprovar o pagamento de 5 mil milhões de euros de dívida externa da banca com um acordo rejeitado já duas vezes pela população islandesa.

A Islândia nos limites da democracia

O que se passa na Islândia é a resistência popular a levar ao limite as possibilidades que lhe são institucionalmente atribuídas. E é, nesse sentido, uma exposição crua dos limites à soberania popular da presente configuração da ordem económica.

O povo que insiste em dizer “Não!”

Os islandeses voltaram a dizer “Não!”: “não assumimos a responsabilidade dos erros cometidos por um banco”. Se quisermos fazer uma equivalência directa ao que se passa actualmente em Portugal, o que os islandeses fizeram foi recusar salvar o seu BPN pelos erros que cometeu.

A Islândia põe os seus banqueiros na prisão

“A primeira vítima da crise financeira constitui-se como uma valente tentativa de pedir responsabilidades”. Claudi Pérez (El País) conta neste artigo a história da ascensão e da queda da economia islandesa.

Islândia, Winsconsin: Outra rebelião é possível

Os meios de comunicação ao serviço das plutocracias europeias estão a silenciar os movimentos de rebelião contra os poderes financeiros que estão a insurgir-se no seio das sociedades do Norte: na Islândia e no Wisconsin. Por José Antonio Pérez/ATTAC Madrid.

As terras do gelo e da ira

Enquanto o FMI está a exigir que a Irlanda corte no salário mínimo e reduza os benefícios ao desemprego, a sua missão para a Islândia elogia o “enfoque em preservar o modelo de assistência social nórdico valorizado pela Islândia.” Por Paul Krugman.

“As pessoas não devem ter de pagar pelas loucuras dos bancos”

“A Europa não enfrenta só uma crise económica: esta é uma crise política. Os Governos não podem continuar a arrastar-se atrás dos mercados”. Entrevista a Ólafur Ragnar Grímsson, Presidente da Islândia. Por Claudi Pérez/El País.

Islândia-Irlanda, novamente

Foram publicados dois artigos no Irish Times comparando a Islândia com a Irlanda e concluindo que a Islândia não se saiu melhor. Eu daria quatro contra-argumentos. Por Paul Krugman.

Quando a Islândia reinventa a democracia

Desde 27 Novembro a Islândia dispõe de uma Assembleia Constituinte composta por 25 cidadãos, eleitos pelos seus pares. Objectivo: reescrever a Constituição de 1944. Por Jean Tosti/CADTM.

Islândia: a odiosa chantagem

Que o acordo proposto aos islandeses seja mais favorável que o precedente é inegável. Mas a verdadeira questão não está aí: mesmo com condições de reembolso aligeiradas, uma dívida ilegítima permanece ilegítima e não deve ser paga. Por Jean Tosti/CADTM.

Islândia: população volta a dizer "não" ao pagamento da dívida da banca

Os islandeses votaram, novamente, em referendo que o Estado não deve pagar a dívida de cerca de quatro mil milhões de euros à Holanda e ao Reino Unido. De acordo com os resultados anunciados, o "não" ganhou com quase 60 por cento.