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Referendo e Feminismos

Virou-se uma página na História das mulheres com a vitória do SIM no último dia 11 de Fevereiro. Fortes abraços, porque as palavras não chegavam, as lágrimas no canto dos olhos, a alegria estampada nos rostos. As mensagens a chegarem a cada minuto. Foi assim por todo o lado onde se festejou este tão bem merecido resultado. Do Porto, a Maria José Magalhães dizia-me: "Isto parece o 25 de Abril". E recordei a revolução inacabada nesta área tão importante dos direitos das mulheres. Finalmente, 33 anos após Abril, as mulheres podem sair da menoridade quanto à decisão sobre a sua vida sexual e reprodutiva. Um espaço da cidadania que tardava em chegar. Uma cidadania que abre caminhos a uma "nova cidadania que recusa a democracia mitigada" no dizer de Andreia Peniche.(1)

Artigo de Manuela Tavares, no referendo participou no Movimento Cidadania e Responsabilidade.
Durante a campanha perguntaram-me várias vezes onde estavam as feministas, as tais que foram vozes incómodas numa época em que falar de aborto era tabu e que até dava origem a processos judiciais. Respondi simplesmente: "Aqui, por todo o lado, para ganhar o referendo". Ganhar o referendo era a questão essencial. Seria com essa vitória que o campo do feminismo se poderia alargar e fortalecer. Todas as que nos empenhámos no dia a dia, na distribuição de folhetos, nas conversas de rua, nas escolas, nas sessões por todo o país onde os movimentos do Não a tudo recorriam para confundir e aterrorizar consciências - todas nós sabíamos que a questão crucial para o futuro dos feminismos seria a noite de dia 11 de Fevereiro. E, nessa noite, o salto civilizacional foi dado com a derrota do conservadorismo nas urnas. Etapa, que alguns e algumas temeram, mas crucial para abrir espaço à esquerda.

Trata-se de um abrir de portas para novas causas e lutas. Sem esquecer, contudo, que a nova lei que decorre do referendo não poderá condicionar as mulheres na sua decisão e que tem de ser feita e aplicada de forma a garantir a todas as mulheres condições de interrupção de gravidez e de acompanhamento médico nos serviços de saúde.

Não esquecendo, também, que persistem discriminações contra as quais é preciso continuar a lutar - na área do trabalho, no acesso ao poder político (a lei da paridade está aí para ser aplicada) e que ainda há muito a fazer nas questões da violência sobre as mulheres - outras lutas e debates podem ganhar espaço na sociedade portuguesa em torno das seguintes questões: tráfico de mulheres, prostituição, direitos das mulheres imigrantes, mutilação genital feminina, violação, assédio sexual, condições sociais para o exercício da cidadania, adopção e casamento por parte de lésbicas e gays, luta contra o sexismo nas atitudes, mentalidades e linguagem, partilha de poderes e responsabilidades entre mulheres e homens nas famílias... As causas não se esgotam, antes se alargam.

Estamos no tempo certo para que os feminismos possam emergir na sua pluralidade de pensamento e acção.

Manuela Tavares

(1) PENICHE, Andreia (2007), Elas somos nós, o direito ao aborto como reivindicação democrática e cidadã, Porto, Afrontamento, p.184.

(...)

Neste dossier:

Dossier: depois do referendo

Além do dossier sobre Carnaval, esta semana apresentamos um segundo dossier: Depois do referendo. Em oito artigos, as autoras e autores debruçam-se sobre o que foi o referendo, em diferentes aspectos, e sobre a próxima evolução da despenalização do aborto.

Vivemos num país mais livre

No passado dia 11 de Fevereiro os portugueses foram chamados, mais uma vez, a decidir sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Todos sabíamos que seria um dia decisivo: tínhamos a hipótese de finalmente avançar para uma sociedade mais democrática ou, caso contrário, permanecer no país atrasado e obscurantista em que vivíamos. Era uma questão fundamental para todas e todos, enquanto cidadãos.

A sujeita

São bastantes as consequências sociais da despenalização do aborto. Algumas afirmam-se de imediato, mudando comportamentos, atitudes políticas, diferenças de classe. Outras têm efeito cultural, já e num prazo longo.
Bem se entende o alcance valorativo do acesso legal à interrupção voluntária da gravidez, em termos de qualidade de saúde, recuperação do auto-controlo da contracepção, unidade e planeamento da família, autonomia emocional da mulher. Mais do que em qualquer outro momento da vida age sobre a situação da gravidez adolescente, e a intensidade do facto é pluri-geracional.

Pensar a política

Pensar a política é um conjunto de três artigos de Francisco Louçã publicados, em crónicas de opinião em esquerda.net, nos dias seguintes ao referendo. Republicamo-los aqui neste dossier como um todo, com três partes.
Terminado o referendo, creio que é útil pensar e discutir em detalhe as suas principais lições. Esse é o objectivo desta crónica, e começo por um tema que é fundamental para definir uma estratégia para a esquerda política em Portugal: a esquerda deve ou não promover uma política unitária?

12 de Fevereiro - o dia seguinte

A vitória do "Sim" no dia 11 de Fevereiro foi inequívoca. A maioria do povo português votou pela despenalização do aborto, até às 10 semanas, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Houve quem tentasse pôr este resultado em causa - o Referendo não foi vinculativo. Juridicamente não foi, é verdade. Mas só um grande descaramento e uma grande falta de pudor político e ético, pode colocar em causa a sua legitimidade política.

Sim de crentes

O que se jogou no referendo de 11 de Fevereiro foi também a defesa da autonomia de um Estado laico moderno. Entendamo-nos: não foi em nome de um laicismo primário e passadista, que anseia inconfessadamente confinar a Igreja à sacristia, que o Sim combateu. Tivesse sido assim, e seria um contra-senso total o testemunho público de tantos/as católicos/as do lado da vontade de mudar a lei. O que essa presença pública desassombrada de católicos/as - que, enquanto tal, deram razões da sua adesão ao Sim - evidenciou foi uma convergência social alargada na defesa da autonomia da lei (e sobretudo da lei penal) relativamente às construções morais de fundamento confessional. A bandeira do Estado laico não é a do silêncio das crenças religiosas.

IVG é um acto médico

Derrotado o Não e votada em referendo a despenalização do aborto, logo se levantou uma enorme confusão e discussão em torno da aplicação prática da IVG. Os derrotados, pretendem agora baralhar, dificultar e impedir que se venha a cumprir a vontade largamente afirmada pelos portugueses e portuguesas no dia 11 de Fevereiro. É esse o sentido e o objectivo de todo este alarido.

E após o referendo?

A vitória do SIM neste referendo do passado dia 11 de Fevereiro veio permitir finalmente que as mulheres deixem de ser penalizadas por praticarem um aborto até às 10 semanas de gravidez, por motivos que só a elas dizem respeito.
Ainda no rescaldo desta campanha, não pode deixar de ser sublinhada a importância que os movimentos de opinião ligados ao SIM tiveram, na sua diversidade, tendo sido capazes de dar resposta às iniciativas e demagogias dos movimentos do NÃO.

Referendo e Feminismos

Virou-se uma página na História das mulheres com a vitória do SIM no último dia 11 de Fevereiro. Fortes abraços, porque as palavras não chegavam, as lágrimas no canto dos olhos, a alegria estampada nos rostos. As mensagens a chegarem a cada minuto. Foi assim por todo o lado onde se festejou este tão bem merecido resultado. Do Porto, a Maria José Magalhães dizia-me: "Isto parece o 25 de Abril". E recordei a revolução inacabada nesta área tão importante dos direitos das mulheres. Finalmente, 33 anos após Abril, as mulheres podem sair da menoridade quanto à decisão sobre a sua vida sexual e reprodutiva. Um espaço da cidadania que tardava em chegar. Uma cidadania que abre caminhos a uma "nova cidadania que recusa a democracia mitigada" no dizer de Andreia Peniche.(1)