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O próximo Governo

A disputa mais estúpida da próxima eleição é saber quem será primeiro-ministro. Qualquer burocrata encartado de Bruxelas mandará mais do que ele.

A Lusa publicou o resumo de um artigo publicado no New York Times, escrito pelo sociólogo Robert Fishman, que merece atenção. Anoto-o:

1. Diz ele que Portugal “foi vítima da pressão injusta e arbitrária dos mercados financeiros internacionais” e que essa mesma lógica ameaça agora a Espanha, a Itália e a Bélgica. Verdade. O nosso país tem um batalhão de problemas, incluindo um endividamento excessivo, mas foi a especulação sobre a dívida soberana que nos estrangulou. Porque o pôde fazer é outra história.

2. Fishman diz em seguida que “o pedido de ajuda português, depois do irlandês e do grego, deve ser um aviso às democracias (...) porque não é realmente sobre dívida”. E não é ajuda. O empréstimo do Fundo europeu de estabilização (FEEF) e do FMI, que são instituições inter-governamentais, é, não solidariedade. O juro sairá seguramente a 5 ou 6 por cento ao ano. Isto significa que o FMI vai lucrar com a operação pelo menos 500 milhões de euros e os governos mais de mil milhões. Pior, pagar juros desta ordem de grandeza sem agravar o défice das contas públicas obriga a taxas de crescimento do PIB superiores a 3 por cento. Com as politicas de austeridade, é impossível. A equação não tem solução. Sem crescimento, a diminuição do défice aumenta a dívida e esta acaba fatalmente por contaminar aquele.

3. “Portugal (...) estava a gerir a sua recuperação da recessão global melhor que vários outros países na Europa, mas foi sujeito a uma pressão injusta e arbitrária dos especuladores e agencias de ‘rating’”, sustenta o autor. Se Portugal estava a sair da recessão, continuava mergulhado na crise em que entrara desde 2001. Mas é verdade que as agências de rating têm uma larga responsabilidade na degradação da situação. A queixa apresentada na Procuradoria por quatro docentes universitários contra estas firmas faz todo o sentido. Querem uma medida de salubridade pública? Que a Europa coloque as dívidas soberanas fora das notações privadas e indigite o Tribunal de Contas ou o BCE para as avaliar.

4. Terá sido por “razões míopes ou ideológicas” que os mercados demitiram “um governo democraticamente eleito” e se preparam para “atar as mãos do que se lhe segue”. Bem, não foram os mercados, mas o parlamento que derrubou o governo. Esse gesto de higiene teve o discreto beneplácito do primeiro-ministro, que preferiu eleições agora do que mais tarde. Nesse filme, a esquerda foi coerente contra a austeridade e só Passos Coelho ensaiou o papel de aprendiz de feiticeiro. Contudo, já concordo que o FMI transforma o próximo governo numa repartição. A disputa mais estúpida da próxima eleição é saber quem será primeiro-ministro. Qualquer burocrata encartado de Bruxelas mandará mais do que ele.

Artigo publicado no jornal “Sol” de 15 de Abril de 2011

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
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