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Israel 2007: pior que o apartheid

Ronnie Kasrils, ministro de Segurança da África do Sul, esteve recentemente nos territórios ocupados e voltou com um veredicto claro: o que se vive hoje na Palestina é muito pior do que o pior pesadelo do apartheid sul-africano. De descendência lituana-judaica, Ronald Kasrils é membro do Comité Executivo Nacional do Congresso Nacional Africano (CNA) desde 1987, bem como do comité central do Partido Comunista da África do Sul desde Dezembro de 1986.

Israel 2007: pior que o apartheid

Ronnie Kasrils, The Mail & Guardian, 21/5/2007

 

É assustador atravessar a míriade de checkpoints - mais de 500 na Cisjordânia. Quem faz os controlos são soldados fortemente armados, jovens, mas tristes e tensos, vigiando cada movimento, dedo no gatilho. Felizmente para mim, que viajei num veículo da embaixada da África do Sul com documentos oficiais e escolta, as demoras foram breves.

Passar pelas filas de palestinianos a pé ou de táxi foi como uma visão de passado silenciosa e deprimente - as filas nos escritórios da antiga África do Sul. Uma viagem de uma cidade da Cisjordânia para outra, que podia demorar 20 minutos de carro, demora agora sete horas para os palestinianos, com muitas humilhações às mãos de soldados adolescentes.

A minha amiga, a activista pacifista Terry Boullata, acabou por praticamente desistir do seu trabalho de professora. O monstruoso muro do apartheid separou a sua casa de Jerusalém oriental da escola onde dá aulas, que ficava do outro lado da rua, e agora demora uma hora para lá chegar. Mesmo assim, está melhor que os agricultores de Qalqilya, cuja antes próspera cidade está hoje totalmente cercada pelo muro e sufocada economicamente. Só há um ponto de entrada. A chave está nas mãos dos soldados ocupantes. Muitas vezes eles nem sequer lá estão para deixar alguém entrar ou sair.

Belém também está totalmente encerrada pelo muro, com dois pontos de entrada. Os israelitas acrescentaram o insulto à injúria, ao instalar nos portões posters gigantes dando aos turistas as boas-vindas à cidade onde nasceu Cristo.

A "barreira de segurança", como lhe chamam os israelitas, tem tanto o objectivo de moer o espírito humano como de encerrar os palestinianos em guetos. Como um réptil, muda de forma e atravessa terras agrícolas transformada em barreira de aço e arame farpado, com torres de vigia, valas, estradas de patrulha e sistemas de alarme. Vai ter 700 km de comprimento, com uma altura de oito a nove metros, fazendo o Muro de Berlim parecer anão.

O objectivo da barreira torna-se mais claro em terreno aberto. O seu percurso corta grandes faixas de terra na Cisjordânia para incorporar em Israel os ilegais colonatos judeus - alguns dos quais são grandes cidades - e anexa mais e mais território palestiniano.

Os israelitas afirmam que o objectivo do muro é puramente o de afastar os terroristas. Se fosse assim, argumentam os palestinianos, por que não foi construído sobre a Linha Verde, a fronteira de 1967? Só podemos concordar com a observação do ministro da Presidência Essop Pahad, que disse: " Tornou-se bastante claro que o muro e os checkpoints estão principalmente dirigidos a avançar a segurança, o conforto e as conveniências dos colonos."

A Cisjordânia, que antes era 22% da Palestina histórica, encolheu para talvez 10% ou 12% do espaço vital para os seus habitantes, e está dividida entre vários fragmentos, incluindo o fértil vale do Jordão, que é uma reserva de segurança para colonos judeus e para as Forças de Defesa de Israel. Como a Faixa de Gaza, a Cisjordânia é efectivamente uma prisão hermeticamente selada. É chocante descobrir que certas estradas estão barradas aos palestinianos e reservadas aos colonos judeus. Tento em vão recordar algo tão obsceno no apartheid da África do Sul.

Gaza exibe um panorama desolador de pobreza, estruturas enegrecidas e bombardeadas. Incongruentemente, conseguimos fazer a recepção do Dia da Liberdade da África do Sul num restaurante com uma esplêndida vista para o porto e para a praia. Rajadas de metralhadora estalam em cima e em baixo na rua, interrompendo por momentos a recepção, mas são milícias que comemoram as notícias da alta hospitalar de um camarada ferido. Uma linha de barcos de pesca vazios ondula no porto, porque os tempos são maus. Estão confinados por Israel a 3 km da costa e a pesca, por isso, é improdutiva. Mesmo assim, de alguma forma, os convidados desfrutam de uma boa festa na melhor tradição palestiniana.

Saímos para o aeroporto de Tel Aviv e o oficial israelita nota o meu sotaque. "O senhor é sul-africano?", pergunta, num inconfundível sotaque de Gauteng [província sul-africana]. O jovem deixou a cidade de Benoni, em criança, em 1985. "Como é Israel?", pergunto. "É um lugar f*do", ri-se. "Vou-me embora para a Austrália em breve".

"Para baixo?", penso. Tal como Alice, estive mergulhado num mundo surreal que é infinitamente pior que o apartheid. Dentro de algumas horas estarei na Irlanda do Norte, como convidado à posse do governo do acordo de Stormont, compartilhado entre Ian Paisley e Martin McGuinness.

Nem PW Botha ou Ariel Sharon foram alguma vez tão extremistas como Ian Paisley, nos seus dias mais turbulentos e intolerantes. A Irlanda ficou sob a bota inglesa por 800 anos, a ordem colonial-apartheid da África do Sul durou 350 anos. O projecto sionista colonial vem de 1880. A classe dominante israelita, corrupta e com falta de visão, já não pode governar à velha moda. Os palestinianos já não podem ser suprimidos. O que é preciso é unidade palestiniana em torno do seu governo nacional eleito democraticamente, reforçado pelas lutas populares dos palestinianos e dos israelitas progressistas, apoiados pela solidariedade internacional.

A posição da África do Sul é clara. As exigências imediatas são o reconhecimento do governo de unidade nacional, o levantamento das sanções económicas e do bloqueio dos territórios palestinianos, o fim de 40 anos de ocupação militar e o reinício das negociações para uma solução de dois estados.

Numa nota final, o convite ao primeiro-ministro Ismail Haniyeh para chefiar o governo de unidade nacional foi acolhido pelo presidente Mahmoud Abbas, e sê-lo-á pelo nosso governo.

Como dizem em árabe: "Insha 'Allah [Deus-queira]."

 

Ronnie Kasrils é o ministro de Segurança da África do Sul

(...)

Neste dossier:

Palestina, 40 anos depois da Guerra dos Seis Dias

O dossier do Esquerda.net desta semana é dedicado à Palestina, 40 anos depois da Guerra dos Seis Dias, que terminou com a ocupação dos territórios palestinianos de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental.

Da guerra ao apartheid

Israel obteve uma grande vitória militar na Guerra dos Seis Dias. Hoje, 40 anos depois, essa vitória aparece cada vez mais como uma vitória de Pirro. A opressão criada pela persistente ocupação; o sistema de colonatos dirigido a espoliar mais terras palestinianas e a encerrar o seu povo em verdadeiras prisões; os muros e os checkpoints criaram um sistema pior que o apartheid sul-africano. Um sistema totalmente injustificável aos olhos do Mundo.

Israelitas e palestinianos, 40 anos depois da Guerra dos 6 dias

Tenho 83 anos. No decurso da minha vida vi o ascenso dos nazis, e a sua queda. Pude observar a União Soviética nos seus momentos culminantes, e segui o seu desmantelamento. Um dia antes da queda do muro de Berlim, nenhum alemão acreditava que chegaria a ver esse instante. Os peritos mais astutos não o previram, porque na história há correntes subterrâneas que ninguém percebe no seu fluir real.

"A nossa libertação também libertará Israel dos males da ocupação"

O dia 4 de Junho de 1967 é um dia sombrio na história do povo palestiniano. É uma data que permanece gravada na memória colectiva tal como a Nakba - a catástrofe, o episódio que há 59 anos converteu o povo palestiniano num povo de refugiados, num povo sem pátria.

Entrevista: “Um dos governos mais representativos do mundo”

Nesta entrevista concedida à Der Spiegel Online, o Ministro da Informação palestiniano Mustafa Barghouti defende o governo de unidade palestiniana, que considera o mais democrático e representativo do mundo, e adverte que não se pode separar o presidente do governo, não se pode separar um ministro de outro, pelo facto de serem de facções diferentes. "Creio que alguns países continuam a ser demasiado influenciados por Israel e pela abordagem irracional do governo israelita", diz. Para Barghouti, os palestinianos apoiarão a Iniciativa Árabe, que fala de reconhecimento mútuo, se Israel estiver preparado para a reciprocidade e para aceitar um Estado palestiniano. "Que querem para além disso? Mas se alguém espera que os palestinianos desistam dos seus direitos e que fiquem satisfeitos com isso, comete um erro."

Memorando secreto mostra que Israel sabia que colonatos são ilegais

Um importante conselheiro que advertiu secretamente o governo de Israel, depois da Guerra dos Seis Dias de 1967, que seria ilegal construir colónias judaicas nos territórios palestinianos ocupados disse, pela primeira vez, que continua a achar que tinha razão. A declaração de Theodor Meron, conselheiro jurídico do Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita na época e um dos principais juristas internacionais do mundo, é um sério golpe no persistente argumento israelita de que os colonatos não violam a lei internacional, particularmente no momento em que Israel comemora o 40º aniversário da guerra de Junho de 1967.

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