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Seis meses que abalaram Lisboa
A Câmara Municipal de Lisboa viveu nos últimos seis meses a pior das crises desde o 25 de Abril. A sucessão de escândalos, a ruptura da coligação entre PSD e CDS-PP no Executivo, a aprovação de propostas que colidiram com decisões do Governo (Loteamento de Marvila), a constituição de dois dos vereadores e do Presidente, Carmona Rodrigues, como arguidos em diferentes processos judiciais, a degradação da situação financeira, a paralisação de algumas das empresas municipais, a divisão interna do próprio Executivo, foram as consequências visíveis da acção de Carmona Rodrigues e da passividade do líder do PSD, Marques Mendes, perante a gestão daquele que escolheu para liderar o destino da capital. A realização de eleições intercalares foi uma inevitabilidade, face à incapacidade política que o PSD demostrou em inverter o caminho descendente da autarquia.
Seis meses depois de instalada a crise interna na Câmara Municipal de Lisboa, Marques Mendes decidiu finalmente agir e anunciar o seu apoio à realização de eleições intercalares. Foi tarde de mais. Assiste-se a uma profunda paralisia dos serviços da CML, à desmotivação dos seus funcionários, à incredulidade dos cidadãos face ao estado a que chegou a principal autarquia do país, e, sobretudo, a uma asfixia financeira que é urgente solucionar.
Foram vários os alertas que podiam ter levado o líder do PSD a actuar mas este preferiu sempre apoiar Carmona Rodrigues, uma escolha sua para liderar os destinos da capital. Quando Marques Mendes decidiu finalmente agir e anunciar que não há outra saída para Lisboa para além das eleições antecipadas, convocando todo o Executivo social-democrata para renunciar ao cargo e assim precipitar o acto eleitoral, Carmona Rodrigues arrogou-se no direito de se alhear desta decisão e seguir o seu próprio projecto pessoal, à margem do partido que o elegeu, na condição de independente, buscando apoios nas franjas do PSD.
Anunciadas as eleições, são as forças políticas da oposição que irão permitir que Lisboa vá a votos, através da sua renúncia ao mandato que levou à falta de quórum do Executivo e à sua dissolução.
Carmona Rodrigues afirmou na primeira declaração publica após ter sido constituído arguido, no âmbito do processo Bragaparques, que não seria o primeiro a «abandonar o barco», reforçando a sua intenção de cumprir o mandato até ao fim, e contrariando o que Marques Mendes decidiu. Dias depois apenas seis dos vereadores eleitos pelo PSD anunciaram a renúncia. Carmona Rodrigues ficou de fora, apoiado nesta decisão pelos vereadores suspensos, Fontão de Carvalho, Gabriela Seara e Pedro Feist os suficientes para impedirem a queda da câmara. As várias forças da oposição, desde há uma semana que se mostravam disponíveis para renunciar ao cargo, desde que essa opção viabilizasse a queda do governo da cidade.
A decisão concretizou-se em sessão da CML, do passado dia 9 de Maio, data em que PS, BE, CDS/PP e PCP apresentaram as renuncias da totalidade dos elementos das suas listas a Carmona Rodrigues.
Vários casos envoltos em polémica
A ruptura da coligação PSD/CDS-PP foi um dos primeiros sinais da degradação na governabilidade da autarquia, em Novembro de 2006, mas muitos outros se seguiriam, que agravaram as condições para garantir a governabilidade. São os casos da EPUL (Ver caixa), das taxa não cobradas e irregularidades urbanísticas no edifício da Infante Santo, da anulação do loteamento da LisMarvila, dos acontecimentos ligados à gestão da Gebalis (Ver caixa), entre vários outros.
A suspensão de Gabriela Seara e Fontão de Carvalho, no início deste ano, tornou ainda mais evidente a ingovernabilidade da CML. Marques Mendes pôs-se então ao lado de Carmona Rodrigues, saudou as opções de suspensão - pela concordância com os princípios do partido -mas continuou a desmentir o cenário de crise, e a
contribuir também para o seu agravamento, fruto do medo em perder a CML, ou da sua autoridade ser posta em causa, o que viria agora, decisivamente, a suceder.
Quando chegou a vez de Carmona Rodrigues, o líder dos sociais-democratas teve de defender o mesmo critério válido para Gabriela Seara e Fontão de Carvalho: os autarcas eleitos pelo PSD devem deixar funções em caso de serem constituídos arguidos.
Dentro do partido o líder saiu também fragilizado, ainda que afirme que «de forma nenhuma» sente a sua liderança afectada. É por demais evidente que o caso da CML se tornou na pior dor de cabeça do líder do PSD, desde o início do seu mandato, abalando mesmo a sua liderança.
O caso Bragaparques e as suspeitas de favorecimento da CML a esta empresa, levaram decisivamente à degradação da estabilidade da maioria social-democrata na autarquia, que culminou com o próprio presidente a ser notificado para ser ouvido como arguido.
À crise política e de credibilidade que envolveu o Executivo, junta-se ainda a situação financeira crítica em que a CML atravessa, com uma dívida total de 1,261 milhões de euros. Ao contrário do anunciado - a redução em cerca de 30 por cento da dívida da autarquia - o panorama financeiro da CML não se atenuou, mas agravou: o aumento da dívida face ao ano anterior foi de 60 milhões de euros, confirmando-se, assim, a gestão financeira ruinosa do actual executivo de maioria PSD.
As divisões internas no Executivo, são outro dos aspectos desta crise, que se tornou mais evidente recentemente e culminou com as diferentes posições assumidas face às renúncias. De um lado os quatro arguidos no âmbito do processo Bragaparques: Carmona Rodrigues, Fontão de Carvalho, Gabriela Seara e Remédio Pires (Director dos Serviços Centrais da CML), e ainda Pedro Feist, que mantém o seu apoio indefectível ao presidente cessante. São estes que se recusaram sair do Executivo, alegando que a culpa do estado a que chegou a CML é da responsabilidade da oposição e dos entraves que esta alegadamente colocou à acção do Executivo.
Do outro lado está Marina Ferreira, com quem Marques Mendes deveria contar para executar o seu plano de substituir o Presidente arguido, que suspenderia funções até ao desfecho do caso Brapagarques. Só que a pressão mediática em torno deste assunto, e sobretudo sobre a coerência do líder do PSD, falou mais alto e o plano da substituição acabou por gorar-se.
Eleições para a AML
Primeira força política a exigir a realização de eleições intercalares, através do vereador José Sá Fernandes, o Bloco de Esquerda tem também, nesta fase, uma posição clara sobre a situação da Assembleia Municipal de Lisboa.
Francisco Louçã defendeu a realização de eleições para a Assembleia Municipal de Lisboa, considerando «escandaloso e incoerente que o PSD se queira agarrar a uma maioria que não tem» e que a «clarificação democrática deve ser feita nos dois órgãos». Paula Teixeira da Cruz, Presidente da AML, recusa a convocação de eleições para o órgão a que actualmente preside, sustentando que «a oposição está a fazer uma confusão institucional lamentável».Francisco Louçã defende, no entanto, esse cenário, considerando «escandaloso e incoerente que o PSD se queira agarrar a uma maioria que não tem» e que a «clarificação democrática deve ser feita nos dois órgãos». Já Vitalino Canas, do PS sustentou que «só com eleições para a Câmara e para a AML será possível obter um mandato claro legitimado e capaz de garantir uma solução estável em Lisboa». Pelo PCP, Jerónimo de Sousa afirmou, por seu turno, que tinha sido dada apenas uma «meia resposta», defendendo que as eleições, para serem uma solução, se devem estender aos dois órgãos. O CDS/PP foi o último partido a exigir eleições para a AML. O deputado António Carlos Monteiro, acusou a Presidente da AML, de estar a criar uma situação insustentável ao recusar a realização de eleições no órgão a que preside. Para o vereador eleito pelo BE, Sá Fernandes, é agora necessário que as eleições se realizem antes do Verão e «acabem com a situação caótica que a Câmara Municipal de Lisboa tem vivido».
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