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Declaração de candidatura de José Bové

A França nunca foi tão desigual.
Um grande patrão ganha 300 vezes, ou mais, que um trabalhador que receba o salário mínimo. Os mais ricos fogem ao fisco quando 100 000 pessoas dormem na rua. As stocks-options recompensam os despedimentos.
É tempo de pôr fim a um sistema que lança a grande maioria dos assalariados na precariedade e na insegurança social. É tempo de decretar a insurreição eleitoral contra o liberalismo económico.

Várias dezenas de milhares de pessoas propuseram-me que fosse candidato à eleição presidencial. Decidi aceitar que o meu nome incarne, no boletim de voto, a vontade comum de bater a direita e a extrema-direita e volte a dar esperança numa alternativa à esquerda. Decidi aceitar para que continue o combate pela unidade de todas as forças de esquerda da transformação social, solidária, ecologista, anti-racista e feminista. Não nos resignamos à actual divisão destas forças. Queremos ser o traço de união entre todas e todos os que querem que a vida mude verdadeiramente.

Não sou o candidato de um partido. Não sou um profissional da política. A minha candidatura é a da junção de forças e de cidadãos do movimento social, do mundo sindical, de correntes políticas e associações da imigração que aspiram à unidade desta esquerda. Esta candidatura é uma candidatura colectiva composta por numerosas vozes.

Apelo hoje aos eleitos comunistas, ecologistas, alternativos, socialistas anti-liberais a que nos permitam, graças às suas subscrições da nossa candidatura, participar na campanha oficial.

Queremos ser os porta-vozes dos sem voz, destes milhões de cidadãs e cidadãos que sofrem a precarização social e as descriminações. Queremos dizer-lhes que a abstenção ou o voto em Le Pen levam á eleição de Nicolas Sarkozy.

O senhor Sarkozy é um homem perigoso para o nosso país. Por baixo de múltiplas promessas, o seu projecto é ir ainda mais longe no caminho de uma lógica económica que favoreça os mais fortes e penalize os mais fracos. Ele é o candidato do MEDEF [central patronal francesa], do contrato precário generalizado, do desmantelamento progressivo do código de trabalho e dos serviços públicos, da supressão de facto do imposto sobre as fortunas, do insulto contra os jovens dos bairros, do desprezo contra os agentes dos serviços públicos. É o homem da dissolução do Estado social e da sua transformação em Estado policial e prisional. Este amigo de Blair e de Bush prepara-nos uma República segregacionista e atlantista.

Queremos também defender um projecto e soluções para todas e todos os que desejam que a vida mude verdadeiramente. Queremos dizer que uma alternativa é possível às e aos que já não acreditam na esquerda tradicional, que se rebelaram votando massivamente "não" ao projecto de tratado constitucional europeu, que se revoltaram nos bairros populares, que rejeitaram o CPE.

A senhora Royal incarna uma esquerda que renunciou. Face ao social-liberalismo que conduziu toda a esquerda ao desastre eleitoral em 2002, face ao projecto de um partido socialista autista, que manifesta uma recusa a romper com a lógica económica liberal, queremos opor uma esquerda de transformação social e democrática, uma esquerda anti-racista, feminista e ecológica. Uma verdadeira esquerda.

O nosso projecto é o fruto de uma experiência e de uma reflexão feitas pelos militantes e protagonistas da mudança social. Resulta de um trabalho colectivo sem par que juntou todas as componentes da esquerda anti-liberal e aprovou textos a 10 de Setembro e 15 de Outubro do ano passado. Não é o resultado de uma perspectiva tecnocrática que vise conciliar as duras leis do lucro com um pouco de ordem justa. Queremos que as cidadãs e os cidadãos sejam chamados democraticamente a conduzir e controlar a transformação social. O nosso programa é uma ferramenta posta à disposição dos eleitores e das eleitoras para que se reapropriem do exercício do poder.

    Em primeiro lugar, queremos a elaboração de um plano de urgência social. A redução massiva do desemprego e da precariedade é uma prioridade, o que supõe desenvolver actividades úteis, criadoras de empregos, impor uma estrita regulamentação dos despedimentos e instaurar um sistema de segurança profissional ao longo de toda a vida. A revalorização do rendimento mínimo e dos salários baixos deve ser acompanhada de uma fiscalidade fortemente progressiva para os rendimentos elevados, afim de limitar as indecentes desigualdades de rendimentos. É a exigência de novas relações no trabalho e novos direitos sociais que queremos alcançar. É a necessidade de lutar contra a especulação financeira e de controlar a força do capital accionista.
    Em segundo lugar, queremos instaurar um novo modelo de desenvolvimento. É a redefinição do tipo de crescimento, de produção, de troca e de consumo que é preciso aplicar. É preciso atacar a força das firmas transnacionais e dos mercados financeiros, porque a sua sede de lucro e o seu desprezo pela humanidade põem o planeta em perigo. Questões como o nuclear e os OGM devem ser submetidas a um debate cidadão, que é preciso conduzir e decidir democraticamente, com toda a transparência.
    Em terceiro lugar, queremos que os milhões de pessoas que vivem nas cidades dos subúrbios, nos bairros populares - quaisquer que sejam as suas origens e crenças - não sejam considerados como sub-cidadãos neste país que é o seu. Eles têm direito à justiça, à igualdade e à dignidade. Não é aceitável que o acesso aos direitos fundamentais, à saúde, à educação, ao emprego, à habitação lhes seja restringido e que a única resposta aos problemas que encontram sejam a repressão policial e securitária que conduz muitas vezes, com a maior impunidade, a violência e mesmo a mortes.
    Em quarto lugar, reafirmamos que todo o ser humano, porque é um ser humano, deve ser reconhecido em toda a sua dignidade. Recusamos que se continue a privar um ser humano da sua dignidade, privando-o de documentos.
    Em quinto lugar, a transformação democrática e social exige acabar com o regime da Vª República. É a democracia plena que deve ser vivificada. Queremos uma nova Republica laica, aberta à sociedade tal qual ela é, aberta ao mundo, uma democracia política, social e cidadã, que alargue o essencial dos direitos fundamentais, a começar pelos direitos sociais.
    Em sexto lugar, desde 2007, em coerência com o "não" de 29 de Maio de 2005, defendemos que a França proponha a refundação da construção europeia em bases democráticas e sociais. Pedimos o fim dos tratados existentes e proporemos um novo texto fundador. Não aceitaremos que a nova política que tenha sido escolhida pelo nosso povo seja interdita por decisões europeias. A presidência francesa da União, no segundo semestre de 2008, é a ocasião de levantar mais amplamente a exigência de uma tal mudança.
    Em sétimo lugar, empenhamo-nos na prática da equidade para os departamentos e territórios ultramarinos e dar-lhe-emos a escolha da autodeterminação.
    Em oitavo lugar, queremos, com todos os povos que sofrem, combater e fazer recuar as políticas de liberalização que favorecem a guerra económica, a exacerbação da concorrência, das privatizações e das desregulamentações. Contribuiremos com os países do Sul para pôr fim à capacidade destrutiva das instituições (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio) que reforçam as desigualdades e provocam sofrimentos que originam guerras. Defenderemos o direito à soberania alimentar e o livre acesso de todos aos bens comuns da humanidade, como a água.

Enfim, porque as mulheres assumem múltiplas responsabilidades, no trabalho, em casa, para com crianças e dependentes próximos, porque elas são maioritárias entre os desempregados, os precários e os baixos salários, queremos que sejam as primeiras beneficiárias da melhoria de numerosos serviços públicos, da prioridade dada a um serviço público pré-primário e das medidas contra o desemprego e a precariedade. O objectivo da igualdade entre as mulheres e os homens deve ser prosseguido em todas as nossas decisões, é tempo de fazer disso uma realidade.

O que desejamos é possível, aqui e agora, desde que se ponha fim ao dogma económico liberal.

O que desejamos é possível, aqui e agora, desde que se assuma uma verdadeira transformação social.

O que desejamos é possível, aqui e agora, desde que nos juntemos, em unidade, para fazer avançar a esquerda alternativa, ecologista, anti-racista, feminista e solidária.

(...)

Neste dossier:

Dossier Eleições presidenciais em França

O dossier desta semana é sobre as eleições presidenciais em França que terão a primeira volta no próximo dia 22 de Abril.

Declaração de candidatura de José Bové

A França nunca foi tão desigual.
Um grande patrão ganha 300 vezes, ou mais, que um trabalhador que receba o salário mínimo. Os mais ricos fogem ao fisco quando 100 000 pessoas dormem na rua. As stocks-options recompensam os despedimentos.
É tempo de pôr fim a um sistema que lança a grande maioria dos assalariados na precariedade e na insegurança social. É tempo de decretar a insurreição eleitoral contra o liberalismo económico.

Polémica na esquerda: O peso nulo da esquerda antiliberal

O filósofo Michel Onfray foi um dos defensores da união da esquerda antiliberal, com base num programa que encontrasse o ponto de união dos programas de cada uma das formações políticas. Neste texto, ele lamenta que a união não se tivesse concretizado, e que a esquerda antiliberal não vá ter qualquer peso nas eleições. E volta a defender a união para depois das presidenciais.

“Na rua, nas urnas”, texto de Besancenot

Nicolas Sarkozy pode visitar fábricas, citar Jaurés e Blum e desenvolver muitos esforços para se fazer passar por amigo dos trabalhadores, mas terá dificuldade em mascarar que ele é sobretudo o candidato plebiscitado pelo MEDEF (central patronal francesa). E desde que ele se solte, como o fez na TF1 denunciando os que “matam o carneiro na banheira”, o natural vem ao de cima a galope: é o eleitorado de le Pen que ele adula. Mas só pôde apresentar-se como o candidato do poder de compra – “trabalhar mais para ganhar mais” porque a candidata socialista estava calada sobre as questões sociais.

Vídeo com 2,5 milhões de visitas: o verdadeiro Sarkozy

O vídeo nas plataformas YouTube e DailyMotion tem sido largamente usado na campanha das eleições presidenciais francesas. O vídeo "Le vrai Sarkozy" (O verdadeiro Sarkozy), disponível na net desde Julho de 2006, colocado nas duas plataformas e em vários endereços, já teve no total mais de 2,5 milhões de visitas.

O balanço da net-campanha

A quatro semanas da primeira volta da eleição presidencial, que balanço fazer da campanha na internet? Desde há vários meses, vários grupos de protagonistas têm repetido a mesma cantiga. "É na net que isto se vai decidir", repetiram em coro jornalistas políticos e empresários da web - sem esquecer os mais convencidos: a equipa de campanha de Ségolène Royal, que tinha criado desde Fevereiro de 2006 o site participativo Désirs d'avenir (Desejos de futuro).

Ségolène Blair e Nicolas Thatcher

A campanha presidencial está bem trancada. Tudo se passa como se estivéssemos condenados a escolher entre o liberalismo de eufemismo da sra. Royal e o liberalismo fulgurante do sr. Sarkozy. Mas nenhum dos dois traz respostas às preocupações dos franceses.

Polémica na esquerda: A união, mas não a qualquer preço

O texto que se segue é de Daniel Bensaid, dirigente da LCR, e foi publicado numa tribuna no diário  Libération, a 7 de Dezembro de 2006. É uma resposta a um artigo do filósofo Michel Onfray, que publicara um apelo ao entendimento da esquerda anti-liberal. E levanta uma das questões que levou ao fracasso da candidatura única: a falta de acordo em torno de uma eventual coligação  governamental ou parlamentar com o Partido Socialista.

O nacionalismo "soft" de Nicolas Sarkozy

Os discursos de Nicolas Sarkozy sobre a imigração e a identidade nacional podem ser qualificados de "nacionalistas". Mas trata-se de um nacionalismo "soft" adaptado às leis da democracia televisiva, às quais estamos submetidos hoje.
Texto de Gérard Noiriel, publicado no site mouvements.asso.fr a 29 de Março de 2007.

Eleições presidenciais em França: candidatos e sondagens

A primeira volta das eleições presidenciais em França realizar-se-á dia 22 de Abril, a segunda volta a 6 de Maio.
A estas eleições concorrem 12 candidatos. Nas últimas sondagens Nicolas Sarkozy (candidato de direita pela UMP) está em primeiro lugar com valores entre 26% e 31%. Em segundo lugar, Ségolène Royal, candidata do PS, com valores entre 24,5% e 27%. Em terceiro lugar, François Bayrou, candidato do partido de direita UDF, com 18% a 22%. Em quarto lugar, Jean-Marie Le Pen, candidato da Frente Nacional de extrema-direita, com 11% a 14,5%. E em quinto lugar, Olivier Besancenot, candidato da Liga Comunista Revolucionária (LCR), com 3% a 4,5%.

É pouco provável que Le Pen obtenha um resultado semelhante ao de 2002

A investigadora Nonna Mayer, do Centro de Investigações Políticas de Ciências Políticas (CEVIPOF), fala sobre a Frente Nacional, nesta entrevista em que analisa a trajectória desta formação de extrema-direita, as características do seu eleitorado e as suas temáticas de campanha.