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Polémica na esquerda: O peso nulo da esquerda antiliberal
O filósofo Michel Onfray foi um dos defensores da união da esquerda antiliberal, com base num programa que encontrasse o ponto de união dos programas de cada uma das formações políticas. Neste texto, ele lamenta que a união não se tivesse concretizado, e que a esquerda antiliberal não vá ter qualquer peso nas eleições. E volta a defender a união para depois das presidenciais.
Por Michel Onfray, 24 mars 2007
Eles são 12, dos quais cinco à esquerda do Partido Socialista. Na ordem aleatória do Conselho Constitucional: Olivier Besancenot, Marie Georges Buffet, Gérard Schivardi, José Bové e Arlette Laguiller. Isto é: Liga Comunista Revolucionária, Partido Comunista Francês, Partido dos Trabalhadores, Alter Mundialismo, e Luta Operária. Esta explosão de candidaturas é infeliz. Na hora da abertura da campanha oficial, devo constatar que o meu apoio público a um José Bové que teria reunido esta plêiade de esquerda fracassou e que a sua candidatura, a partir de agora, é um acrescento de divisão à divisão.
Esta força desunida, esta explosão da esquerda antiliberal, esta dispersão que é também uma volatilização entristece-me. E não sou só eu...
Não vamos pesar nada. Algumas plumas, que é o mesmo que dizer uma actuação risível que vai fazer sorrir ou rir os nossos adversários, e com razão... As coisas vão ser jogadas entre os grandes - ou melhor, os gordos... - e, num hipotético segundo turno, a candidata socialista não terá nenhuma dificuldade de se apoderar de uma força inexistente, porque partiu para o combate em desordem. O peso nulo da esquerda antiliberal vai conduzi-la a virar-se para o seu tropismo liberal natural: ainda não acabamos de ouvir falar de François Bayrou. Nem de Dominique Strauss-Kahn.
Estes cinco candidatos dispõem cada um deles de atributos importantes que desaparecem logo que são jogados num jogo pessoal: Olivier Besancenot mostra uma inteligência temível, um excelente conhecimento dos dossiers, um poder de impacte mediático considerável. Ele inscreve-se num movimento político anti-stalinista da primeira hora, e pode sem vergonha assinar um elogio a Louise Michel - que aliás cita regularmente - numa página "Rebonds" do Libération. Num jantar que nos reuniu a Alain Krivine e a Daniel Bensaid, Olivier Besancenot afirmava não ser trotskista, e acredito nele, porque ele próprio e os seus companheiros sabem que os tempos mudaram e que a cristalização de uma esquerda movimentista pode constituir uma identidade nova para uma Liga renovada.
Marie Georges Buffet encarna uma esquerda responsável, que conhece o interior, para o melhor e para o pior, da comuna de Matignon. Deixemos de lado o pior, retenhamos aqui o melhor: ela defende uma esquerda que compõe com o real e que não sonha; ela tem o sentido do ideal, sem por isso crer que não seja necessário fazer um encontro com a realidade; ela carrega uma história que mobilizou os operários, os empregados, os modestos para obter conquistas sociais reais; ela dispõe de uma malha militante nacional devotada de corpo e alma à sua causa; ela tem a força de uma rede de eleitos que trabalham no terreno.
Confesso conhecer menos Gérard Schivardi, apoiado pelo Partido dos Trabalhadores. Descubro no seu site que ele propõe a defesa do serviço público, a república laica e as 36 mil comunas francesas contra o seu reagrupamento forçado em comunidades, a ruptura com a união europeia e que ele afirma nos seus princípios reconhecer a "luta de classes". O PT reagrupa oficialmente sensibilidades diversas: socialista, comunista, anarco-sindicalista e comunista internacionalista (trotskista). Sem saber mais, a minha fibra anarco-sindicalista encontra a sua conta no que a tradição de Fernand Pelloutier - um pensador que conta no meu panteão pessoal - possa ser reivindicado hoje...
José Bovè agrada-me pelo seu temperamento reivindicativo, a sua acção de sindicalista camponês - também ele anarco-sindicalista -, a sua leitura mundializada do mundo, a sua proposta de um alter mundialismo no qual ele tem um papel importante em numerosos países do mundo, a sua independência camponesa, a sua inorganização - para o melhor e para o pior - a sua incarnação dos filósofos de que ele se reclama - por exemplo "A Desobediência Civil" de Thoreau - e isto até à prisão, a sua maneira de ser sintonizada com a jovem geração (os menos de 30 anos), que para além disso é muito despolitizada, a sua dupla ecologia local-rural e mundial-planetária, nos antípodas da sua versão mundana.
Enfim, Arlette Laguiller representa contra ventos e marés a pureza ideológica, um rumo imperturbavelmente traçado, a ausência total de compromissos, um género de kantismo em política radical, uma preocupação de nunca assumir uma posição contra a "classe operária" e a defesa dos "trabalhadores, trabalhadoras". Gosto, por ter ouvido contar numa antena de rádio, que se proponha aos aspirantes militantes da Luta Operária a leitura de um certo número de livros, entre os quais romances, para dispor de uma visão de mundo que não seja um cliché produzido pelas brochuras do partido.
Não se trata aqui de apontar o que nos separa uns dos outros. Faço-o muitas vezes, o que me vale regularmente insultos, ameaças, e às vezes passagens a vias de facto. Pouco importa... No programa destes cinco candidatos, encontramos o material de reunião possível, de uma união pensável, senão de um partido, pelo menos de uma coligação, digamos de uma coordenação: tudo isto poderia contribuir para a formação de uma esquerda libertária na qual deveríamos poder reunir, agenciar: o estilo libertário de Olivier Besancenot, a vontade de Marie Georges Buffet, o método anarco-sindicalista de Gérard Schivari, a ecologia local/global de José Bové, e a clareza de linha de uma Arlette Laguiller.
Deixando de lado os partidos, as organizações, as máquinas de perder que são tantas vezes os aparelhos, passando por cima dos egos que poderiam constranger mecânicas electivas internas autênticas, para criar uma união da esquerda radical, cristalizando numa forma inédita estas energias consideráveis, mas nulas quando não estão coligadas, poderíamos evitar que um referendo ganho ontem se transformasse em candidaturas desperdiçadas hoje.
Para a esquerda antiliberal, as eleições já estão perdidas, porque ela não vai pesar nada e não inflectirá para nada na equipa de Ségolène Royal. Por que quem iria compor-se com nada? Para o que se vai seguir, porque vai haver uma sequência, e começa desde hoje, impõe-se uma reunião transpartidária. Porque o liberalismo não pode ser o horizonte inultrapassável da nossa época. Deve haner uma vida - e não uma sobrevida - depois de Sarkozy, Bayrou ou Royal, dos quais provavelmente um presidirá aos destinos da França durante cinco anos. Pelo menos...
Leia o texto original (em francês) no blogue de Michel Onfray
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