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O Livro Negro de Ceuta e Melilla: Causas Históricas da diáspora africana são escondidas

As causas históricas e macro-económicas do desenraizamento e da diáspora de milhares de africanos, na sua maioria jovens, são ocultadas para melhor justificar as respostas feitas das potências ocidentais - ajuda pública ao desenvolvimento, luta contra a pobreza, boas práticas de governo. Respostas que nada resolvem, diz Aminata Traoré, ex-ministra da Cultura do Mali, neste prefácio ao Livro Negro de Ceuta e Melilla, editado pela rede Migreurop. O prefácio pode ser lido, traduzido, abaixo. O livro completo, em formato PDF, pode ser descarregado aqui (em francês).

A Europa que se orgulha dos benefícios da abertura de todas as fronteiras e que se imiscui, sobre esta base, em cada aspecto da existência dos povos que domina, barrica-se. Ela desenvolve uma concepção da sua segurança que a leva a externalizar as fronteiras e a fazer da luta contra a imigração dita clandestina uma das componentes da sua política externa, nomeadamente da cooperação com a África. Esta realidade abre uma nova página, trágica, da história deste continente pilhado e mortificado, cujos povos acreditavam estar ultrapassadas as práticas do tratamento negreiro: caça ao homem, algemas, (em substituição das correntes), golpes e feridas, campos de internamento.

Os acontecimentos dramáticos de Ceuta e Melilla e o insuportável cenário dos afogamentos de centenas de jovens africanos ao largo das costas mauritanas, depois do encerramento do eixo Marrocos-Espanha, são factos que põem a nu não a pobreza da África e os conflitos que a rasgam, mas a prática da pilhagem que a empobrece, espalhando o medo e a raiva nos corações. A amplitude actual das saídas não é senão a expressão do agravamento deste processo, na época do liberalismo mundializado.

Mas as causas históricas e macro-económicas do desenraizamento e da diáspora de milhares de africanos, na sua maioria jovens, continuam a ser ocultadas para melhor justificar as respostas feitas - ajuda pública ao desenvolvimento, luta contra a pobreza, boas práticas de governo - que são conformes às visões e aos interesses das potências ocidentais ricas e industrializadas.

Pelos seus sacrifícios, os jovens que partem e passam pelos maiores sofrimentos, quando não morrem, interpelam mais que nunca a Europa e a África. Teriam podido bater-se de outra forma, no seu próprio país, com a mesma determinação, a mesma energia, se tivessem tido essa oportunidade, tal como os da mesma idade na Europa, de gozar de uma leitura mais completa do estado dos seus países de origem e da natureza das relações de força que presidem às políticas económicas.

O imenso serviço que a Europa pode prestar à África de "veias abertas" não tem estritamente nada a ver com o aumento da ajuda ao desenvolvimento, de que ela própria gastará uma parte, consagrando a outra à corrupção política e ideológica dos dirigentes africanos. A saída mais honrosa para o impasse actual está num exame rigoroso da relação entre acordos de cooperação, pauperização e as saídas maciças dos camponeses, dos pescadores, dos artesãos, dos pequenos comerciantes, das mulheres, etc. O mesmo rigor impõe-se na análise da relação entre a abertura económica feita a forceps, a pauperização e os conflitos armados. Os que são forçados ao exílio logo serão os que estarão à procura de emprego, ou os que pedirão asilo. Estas duas categorias de desesperados partilham a mesma sorte, precisamente porque a mundialização neoliberal é uma guerra permanente contra os despossuídos. Antes de pensar em emigrar, eles muitas vezes ligaram-se à luta por democracias que a própria Europa e as outras potências mundiais reduzem a eleições bem organizadas, entravando a informação e o debate de fundo sobre a apropriação das riquezas dos países de origem pelas grandes empresas.

Homenagem às associações dos países de trânsito e de acolhimento que contribuíram amplamente para levantar o véu sobre a sorte dos deserdados que não vão à Europa mas ao encontro dos europeus.

Aminata Traoré, escritora, antiga ministra maliana da cultura, lançou no mês de Novembro de 2005, em reacção aos acontecimentos de Ceuta e Melilla, a iniciativa "Caravana da dignidade contra os arames farpados da injustiça e da indiferença", que começou com o acolhimento, no aeroporto de Bamako (capital do Mali), dos emigrantes expulsos de Marrocos e prolongou-se com uma tournée em Espanha, em Itália, em França, na Bélgica e através da União Europeia. 

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Neste dossier:

Dossier: Direitos dos Imigrantes

Na próxima terça-feira, o governo leva à Assembleia da República a sua proposta de lei de imigração. Um diploma em que dá com uma mão o que tira com a outra, como diz Mamadou Ba. Sobretudo, uma lei que não corresponde à principal reivindicação das associações, porque não prevê qualquer legalização dos imigrantes que já vivem e trabalham em Portugal.

Difícil, Danosa, Desonesta: As três dimensões da precariedade

Os imigrantes sofrem com os três "D": Difícil, Danosa, Desonesta. Apesar dos trabalhadores migrantes contribuírem, massivamente, para a economia dos países de acolhimento, estes enfrentam permanentes obstáculos: difíceis condições de trabalho, danosas para a sua integridade física, desonestas, com pessoas a dar-lhes empregos inferiores às suas qualificações e sujeitos a constantes discriminações. Estas são as três dimensões da precariedade nas vidas de muitos migrantes.
Texto de Mónica Frechaut.

Relatório da ONU: Imigrantes já chegam a 191 milhões

Um relatório sobre migração internacional e desenvolvimento, apresentado pelo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, mostra que há 191 milhões de migrantes no mundo.
Em 1990, o número era de 155 milhões - um aumento de 36 milhões, ou 23%, desde a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e das Suas Famílias, aprovada pela Assembleia Geral da ONU naquele ano.

"Emigração ilegal": Uma noção a banir

Publicamos este artigo da rede Migreurop publicado no jornal Libération em 13 de Junho de 2006, assinado por Claire Rodier, presidente da rede Migreurop.
Uma expressão começa a ser banalizada nos meios de comunicação e entre certos políticos: a expressão "emigração ilegal". Está a ser muito empregue desde há alguns dias a propósito dos africanos que, pelo deserto e depois pelo mar, tentam atravessar o desconhecido para se juntarem nas costas europeias.

Direito à Saúde em Portugal: Imigrantes sofrem para conseguir atendimento médico

Os imigrantes têm direito à saúde em Portugal, independentemente da sua situação legal? Sim... não... talvez... depende. A resposta a esta questão não é clara, e quem queira obtê-la tem de ir ao terreno e acompanhar casos concretos. Foi o que fez a jornalista Cristina Portella, neste artigo publicado originalmente no jornal Sabiá, da Casa do Brasil de Lisboa.

Confederação Sindical: Organizar os trabalhadores migrantes

Cerca de sessenta sindicalistas do mundo inteiro e representantes de organizações internacionais especializadas nas questões dos direitos dos migrantes reuniram-se em Bruxelas, para participarem no seminário sobre a organização das trabalhadoras e dos trabalhadores migrantes e a defesa dos seus direitos, que teve lugar de 13 a 15 de Dezembro de 2006 numa organização da CSI.
Texto retirado do site da Confederação Sindical Internacional (CSI).

Nova Lei de Imigração: Dá-se por uma mão e retira-se por outra

Desde a apresentação do anteprojecto da nova lei de imigração em Maio, com pompa e circunstância, até ao agendamento do debate parlamentar da proposta para o próximo dia 19, o governo empenhou-se numa ofensiva propagandística, visando essencialmente ocultar as várias zonas obscuras contidas no seu diploma e procurando assim ganhar a adesão da opinião pública e das comunidades imigrantes, diz Mamadou Ba neste artigo, em que compara a proposta do governo com o projecto de lei do Bloco de Esquerda.

Imigrantes em Espanha: Boom migratório fez a economia crescer

A regularização extraordinária levada a cabo pelo governo de Madrid em 2005 levou a um número recorde de novas inscrições na Segurança Social: um milhão, dos quais 2/3 são imigrantes. Ainda assim, calcula-se que ficaram de fora da regularização um milhão de pessoas. O boom migratório foi um dos principais responsáveis pelo crescimento da economia espanhola, em expansão há 12 anos. A população estrangeira no Estado espanhol aumentou a uma taxa média anual de 28,7%, de tal forma que, enquanto que em 1998 representava 1,6% da população, agora é de 8,5%.

O Livro Negro de Ceuta e Melilla: Causas Históricas da diáspora africana são escondidas

As causas históricas e macro-económicas do desenraizamento e da diáspora de milhares de africanos, na sua maioria jovens, são ocultadas para melhor justificar as respostas feitas das potências ocidentais - ajuda pública ao desenvolvimento, luta contra a pobreza, boas práticas de governo. Respostas que nada resolvem, diz Aminata Traoré, ex-ministra da Cultura do Mali, neste prefácio ao Livro Negro de Ceuta e Melilla, editado pela rede Migreurop. O prefácio pode ser lido, traduzido, abaixo. O livro completo, em formato PDF, pode ser descarregado aqui (em francês).