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Empreendimento da Avenida Infante Santo: CML tinha isentado o promotor imobiliário do pagamento de 600 mil euros
Em Agosto de 2005, um grupo de moradores constituiu o Movimento SOS Infante Santo e apresentou queixa à Provedoria da Justiça contestando a construção do empreendimento "Condomínio Residencial Infante à Lapa", por criticar a sua proximidade ao Aqueduto das Águas Livres, o índice de construção excessivo, a ocupação do passeio e a falta de estudos arqueológicos prévios. A Provedoria viria a acusar a Câmara Municipal de Lisboa de favorecer o promotor imobiliário do empreendimento e perante a gravidade dos factos apurados, pôs mesmo a hipótese da dissolução da CML.
Um relatório da autoria da Provedoria da Justiça acusou a Câmara Municipal de Lisboa de favorecer o promotor imobiliário do empreendimento, a nascer então num local onde antes se encontrava o gasómetro da EDP, situado em plena Avenida Infante Santo, e que à data se encontrava já a ser comercializado.
Perante a gravidade dos factos apurados, o relatório punha a hipótese da dissolução da CML, citando a alínea i) do artigo 9º da Lei da Tutela Administrativa, que determina dissolver o órgão autárquico que «incorra, por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público».
Este caso teve início em Outubro de 2003, quando um grupo de moradores da zona iniciou uma contestação à construção do empreendimento "Condomínio Residencial Infante à Lapa", por criticar a sua proximidade ao Aqueduto das Águas Livres, o índice de construção excessivo, a ocupação do passeio e a falta de estudos arqueológicos prévios. Em Agosto de 2005, com a obra a prosseguir sem restrições, os moradores, entretanto constituídos como Movimento SOS Infante Santo apresentaram uma queixa à Provedoria sobre esta construção da responsabilidade das empresas ligadas ao construtor civil Vítor Santos - Visatejo, Gabimóvel e Portbuilding.
O caso foi também participado à Procuradoria-Geral da República, Inspecção-Geral da Administração do Território (IGAT) - que está a investigar o caso desde o início de 2006 - ao Tribunal de Contas e ao próprio Presidente da República, Cavaco Silva.
A participação levou à investigação da Provedoria, que resultou num extenso relatório onde se admite que foram praticados actos no sentido de ilibar o promotor da imobiliário de pagar uma taxa indispensável à obtenção da licença de obra - a Taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU).
Ao que a Provedoria apurou, as obras iniciaram-se antes do deferimento da licença de construção, e prosseguiram até então, sem que esta tenha sido emitida, situação que configura uma ilegalidade.
Por outro lado, o relatório considerou que a obra deveria ter sido precedida de uma operação de loteamento, sendo esta uma obrigação legal que acautela o interesse público, já que traria contrapartidas para município sobre o loteamento. Loteamento sem o qual a Provedoria considerou que a licença de construção é nula.
O documento denunciou ainda que a CML não fez acompanhar as obras por um técnico em arqueologia, apesar do local em causa se situar numa zona de potencial valor arqueológico.
A Provedoria de Justiça concluiu também que o empreendimento se encontra numa «parcela de terreno compreendida no domínio privado do município», tendo desse modo existido um «aproveitamento ilegítimo de terreno municipal», sendo lesado o município.
Carmona Rodrigues foi um dos principais visados no documento, por ter revogado um despacho da ex-vereadora das Finanças Teresa Maury (vereadora no anterior mandato presidido por Pedro Santana Lopes), ilibando assim o promotor do pagamento dessa taxa, facto que sujeitou o edil à perda do mandato, nos termos do art. 8º da referida Lei da Tutela Administrativa.
O relatório da procuradoria implicou também várias entidades municipais na práctica de irregularidades, entre as quais os serviços de urbanismo, fiscalização, contabilidade e o notariado privativo da CML. Duas ex-vereadoras do Urbanismo - Margarida Magalhães e Eduarda Napoleão - e o Presidente da Câmara, são citados no relatório, podendo incorrer em responsabilidade financeira pelos danos eventualmente causados.
Carmona Rodrigues negou ter isentado o promotor imobiliário do pagamento da taxa, alegando que, através da revogação do despacho de Teresa Maury, teria ficado definido que o pagamento da TRIU seria feito através de uma "garantia bancária" do promotor do empreendimento, que previa a cedência de dois imóveis, localizados em Campo de Ourique, à CML, e não em dinheiro efectivo.
O presidente, considerou que a opção tomada era "legal", e rejeitou que o interesse municipal tivesse sido posto em causa, alegando que, pelo contrário, o erário público havia sido beneficiado com esta "permuta", já que a TRIU estava calculada em 600 mil euros, mas as avaliações feitas aos prédios, por uma empresa privada, a pedido da autarquia, apontaram que estes valiam quase 900 mil euros.
Só que a decisão tomada pelo Presidente da CML, de forma unilateral, deveria ter sido submetida à aprovação da própria Câmara e da Assembleia Municipal de Lisboa, o que não aconteceu.
Só a 9 de Agosto o presidente anuncia publicamente, em conferência de imprensa, o embargo total da obra, reconhecendo finalmente a inexistência da licença de construção, devido à falta de pagamento das taxas respectivas. Afinal de contas a TRIU ainda não tinha sido paga.
Carmona justificou que este facto de deveu ao desinteresse do promotor, em manter como forma de pagamento os tais dois prédios de Campo de Ourique.
Só que o "desinteresse" do promotor foi comunicado à autarquia em Junho, pelo que o Presidente sabia, pelo menos desde essa data, que a taxa em causa não tinha entrado nos cofres da CML.
A câmara determinou nessa altura que após ser pago o alvará de construção iria manter-se o embargo parcial da obra, já que uma fiscalização dos serviços camarários reconhece que foram realizadas «operações urbanísticas em desconformidade com o processo aprovado» - estaria a ser construída uma piscina num local onde o projecto previa um espaço verde - infracções que determinaram a instauração de um processo contra-ordenacional e a notificação da sociedade promotora do empreendimento.
Dias depois, o promotor do empreendimento pagou os 600 mil euros em dívida, permitindo a emissão de alvará de construção e o levantamento do embargo total da obra.
Não fosse a actuação da Provedoria da Justiça e quem sabe, hoje ainda, restariam por entrar no cofre da autarquia 600 mil euros, em benefício de mais um promotor imobiliário.
Por outro lado, ao dispensar uma operação de loteamento, considerando que está em causa a construção de um único edifício, em vez dos reais cinco prédios autónomos, a CML acabou também por beneficiar o construtor, desobrigando-o de ceder uma parte dos terrenos à CML ou de compensá-la financeiramente.
Para além disso, Carmona Rodrigues nunca conseguir esclarecer cabalmente se o edifício estaria ou não a ser construído sobre parte de um terreno municipal. O Provedor de Justiça foi claro quanto a esse facto, mas o Executivo sempre o contestou. A ser verdade ficaram por pagar à CML mais uns milhares de euros por conta deste negócio imobiliário.
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