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Biocombustíveis: Entidades brasileiras rejeitam modelo de produção com base no agronegócio

Diante da visita do presidente dos EUA, George W. Bush, ao Brasil para tratar do etanol, movimentos sociais defendem a produção de agrocombustíveis, desde que beneficie agricultores familiares e não seja com base no modelo agroexportador.

Natália Suzuki - Carta Maior, 07/03/2007

Às vésperas da visita do presidente norte-americano George W. Bush e diante da perspectiva de tratativas específicas sobre o etanol, entidades dos movimentos sociais reafirmaram a sua posição contrária ao modelo de exportação e do agronegócio para a produção de biocombustíveis em conferência de imprensa no dia 7 de Março.

Os representantes das entidades reconhecem que fontes de energia como o etanol são uma alternativa saudável para a substituição dos combustíveis fósseis, como o carvão e petróleo, responsáveis pela produção suja e pela emissão de gases poluentes na atmosfera, mas defendem que o Brasil deve aderir ao projecto de acordo com os interesses do povo brasileiro.

"Os movimentos sociais não são contra o agrocombustível, mas sim contra o modelo de exportação e a forma de organização do agronegócio para a produção de grãos e cana-de-açúcar", explica Temístocles Marcelos Neto, ambientalista e membro da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). "Seria fundamental que a produção fosse pela modalidade de agricultura familiar e, principalmente, abastecesse o mercado nacional, a frota de transporte colectivo e de automóveis. Sem essa sanha de exportação", defende Marcelos. Para ele, a venda do produto para outros países não deveria ser do produto biocombustível, mas sim da tecnologia de produção que o Brasil detém para os demais países do Hemisfério Sul.

Segundo o membro da CUT, se a produção dos agrocombustíveis forem calcados no modelo do agronegócio, haverá sérias consequências sociais e ambientais. "A monocultura afecta o aquecimento do planeta, pois destrói a biodiversidade e impede que a água e a humidade das chuvas se mantenham em equilíbrio com a produção agrícola. Além disso, faz uso intenso de agrotóxicos e máquinas", adiciona o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em nota. Para Marcelos, o histórico da plantação de cana e do funcionamento das usinas remete ainda ao uso de trabalho escravo e infantil. "Essa energia, além de ser renovável, tem que ser sustentável", observa.

Dom Tomás Balduíno, conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ressalta que haverá uma procura grande por terras para novos plantios de cana-de-açúcar ou outros grãos para a produção de biocombustíveis. Actualmente, mais de 6 milhões de hectares são destinados para os cultivos de cana-de-açúcar e, segundo a CUT, se os caminhos seguirem para onde apontam, a ampliação da produção deve exigir mais 22 milhões de hectares nos próximos anos. "Para o universo camponês, é uma perspectiva de destruição, de marginalização e de morte", prevê o missionário.

"Toda vez que se espalha a monocultura, a condição das mulheres de serem camponesas é ameaçada. É por causa da destruição das unidades familiares camponesas para a utilização de todo o espaço de produção de soja e cana que as mulheres não têm condições de manter a sua horta e a criação de pequenos animais, que são fundamentais para o autoconsumo e para a venda nas comunidades locais", alerta Mirian Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres. Devido a esse viés social, que tem influência nas condições de vida da mulher, o tema dos agrocombustíveis está na pauta do movimento feminista.

Motivação política

A visita do presidente Bush ao Brasil tem motivações políticas mais fortes do que a vontade de produzir energia limpa, de acordo com João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST.

Stédile lembra que, nos últimos meses, governos progressistas - que contrariam ideologicamente os interesses do governo norte-americano - foram eleitos na América Latina. Para o integrante do MST, acordos como o do etanol são uma forma de reconquistar o espaço perdido e exercer influência sobre a região, além de representarem uma ofensiva ao governo venezuelano de Hugo Chávez.

O facto de países do Hemisfério Sul como o Brasil terem uma geografia favorável à expansão do cultivo com terras disponíveis, maior incidência de energia solar e grandes reservas de água atrai os negócios do capital internacional que, segundo Stédile, está concentrado nas mãos das transnacionais petrolíferas, grupos empresariais do sector do agronegócio e de automóveis. "Defendemos a possibilidade do uso do agrocombustível, mas produzido de outra forma: de modo sustentável e sob controle das populações locais", afirma. "Esperamos que o governo Lula mantenha o seu compromisso com a população que o elegeu".

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